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Educação Financeira

IGP-M em 18% e Selic a 2%: vale a pena trocar o aluguel por financiamento?

Especialistas explicam as opções do inquilino, da renegociação ao financiamento

IGP-M em 18% e Selic a 2%: vale a pena trocar o aluguel por financiamento?
(Foto: Envato Elements)
  • Nos últimos 12 meses, variação do IGP-M, tradicionalmente usado nos contratos de locação residencial, foi de 17,94%. Já o IPCA, índice dos preços ao consumidor que também corrige os salários, subiu apenas 2,44%
  • Diante dessa discrepância, um repasse integral da variação do IGP-M para o contrato traria um desequilíbrio entre as partes, onerando o inquilino de forma excessiva. Por isso, ele deve renegociar as condições com o locador
  • Trocar o aluguel por um financiamento é uma possibilidade, mas a decisão não tem nada a ver com a alta do IGP-M. É preciso comparar a taxa do financiamento e com o custo para o inquilino do uso do bem durante o ano

Quem mora em apartamento alugado anda perdendo o sono com a variação do IGP-M. O índice tradicionalmente empregado na atualização dos contratos de locação sofreu uma disparada nos últimos tempos – causada principalmente pela alta do dólar. Desde o início de 2020, ele já ganhou 14,40%; nos últimos 12 meses, a variação foi de impressionantes 17,94%.

O inquilino cujo contrato estiver prestes a fazer aniversário terá um ‘problemão’ se o proprietário aplicar friamente a letra do contrato e usar o IGP-M na correção do valor do aluguel. O IPCA, índice de inflação que reflete a variação dos principais preços cobrados dos consumidores, subiu 2,44% no acumulado dos últimos doze meses, e é por esse índice que são corrigidos os salários – isso quando de fato são, é claro. O que fazer quando a principal despesa do orçamento doméstico tem uma alta sete vezes maior que a da renda da família? Será que vale a pena trocar o aluguel pelo financiamento de um novo imóvel?

Para apontar caminhos ao leitor que se encontra nessa situação, o E-Investidor conversou com Marcelo Milech, planejador financeiro CFP pela Planejar, Alberto Ajzental, coordenador do curso de Desenvolvimento de Negócios Imobiliários da FGV-SP, e Michel Viriato, professor de finanças do Insper.

Aluguel x financiamento

Diante do risco de ter que pagar um aluguel mais caro, muitos inquilinos podem ficar tentados a trocar o contrato de locação por um financiamento. Os especialistas ouvidos pela reportagem dizem que vários fatores devem ser levados em conta na tomada dessa decisão, mas a alta do IGP-M não está entre eles.

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“Quando você compra um crédito imobiliário, terá a mesma taxa ao longo dos 20 ou 30 anos de contrato. Já a variação do IGP-M está alta agora porque o dólar subiu muito, mas isso não quer dizer que ela será de 18% a vida toda. Ela pode passar a 4%, 5%”, diz Ajzental.

Para resolver o dilema entre financiar um imóvel e morar de aluguel, diz o professor da FGV, o interessado precisa fazer uma comparação entre a taxa do financiamento e o custo da locação. Considerando que a locação dá para o proprietário um retorno mensal de 0,4% do valor do bem, usar o imóvel custa ao inquilino quase 5% do valor do bem ao ano.

“Antigamente os financiamentos tinham taxas mais altas e a renda fixa pagava bem, a poupança pagava 12% ao ano. Era mais vantajoso o investidor aplicar o valor da compra e locar um imóvel. Com os juros recebidos, ele pagava o aluguel e sobrava uma boa diferença”, lembra Ajzental.

Hoje, tudo se inverteu: o retorno da renda fixa é bem mais baixo e o custo do aluguel acaba pesando muito mais na conta. “A taxa Selic é de apenas 2% ao ano, então não vale mais a pena gastar 5% do valor do bem ao ano na locação. Ao mesmo tempo, os juros dos financiamentos nunca foram tão baixos. Então, agora é melhor comprar”, diz o professor.

Para ajudar o investidor a entender se vale mais a pena alugar ou financiar, Milech usa um exemplo simplificado. Nele, os juros do financiamento são de 6% ao ano – o que dá 0,5% ao mês em uma conta aproximada, sem usar juros compostos – e o valor do imóvel é de R$ 1 milhão. “Se a taxa de locação daquele imóvel for superior a 0,5% ao mês, ou seja, se o aluguel custar mais de R$ 5.000, então vale mais a pena pagar pelo financiamento”, explica.

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Além de comparar as taxas do financiamento e da locação, é preciso considerar que a compra de um imóvel a prazo é uma obrigação financeira com horizonte temporal muito longo. “Essa decisão envolve a estabilidade da renda do consumidor e sua capacidade de encaixar as prestações nessa renda, tanto a atual como a futura”, ressalta o planejador financeiro.

Já o professor Viriato, do Insper, pensa diferente. Ele diz que, para decidir entre a locação e o financiamento, a pessoa deve pensar como uma empresa. E uma empresa não contrataria um empréstimo para financiar um projeto de investimento cuja perspectiva de retorno fosse menor que a do próprio empréstimo.

“Para que financiar seja vantajoso, o preço do imóvel deve subir mais que a taxa de juros contratada. Se você não tem a perspectiva de que o imóvel vai subir 7% ao ano em dez anos, então não deveria financiar”, diz. “Em dez anos, esse valor dobrou e você estará pagando por dois imóveis.”

Nesse sentido, ele considera que a locação é mais vantajosa que o financiamento, salvo em situações específicas, como localidades com oferta muito baixa. “Existem imóveis em que o preço do aluguel é fora do normal, chega a 1% do valor do bem. Nesse caso, não faz sentido alugar e é melhor comprar financiado. Ou então morar mais longe e pagar o transporte”, afirma.

Como renegociar o aluguel

Se há uma certeza que une os três entrevistados, é que a variação do IGP-M não deve ser repassada integralmente ao locatário, ainda que o contrato preveja o uso desse indexador. “É quase impossível que, em um contexto de inflação entre 2% e 3%, o mercado sancione um reajuste dos contratos nesse patamar [do IGP-M]. A grande maioria dos contratos está sendo renegociada neste momento”, diz Milech.

Ele afirma que a correção pelo IGP-M, excessivamente onerosa para o locatário, traria um desequilíbrio entre as partes do contrato. “Se o dono do imóvel e o inquilino querem estabelecer uma relação de longo prazo, não deveriam se apegar ao contrato de forma tão radical”.

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O contrato de locação pode ser livremente rediscutido pelas partes – basta que cheguem a um consenso. Uma solução mais justa pode ser a adoção do IPCA como indexador, e Milech aposta que muitos vão optar por esse caminho, quando perceberem que a volatilidade intrínseca ao IGP-M provoca oscilações bruscas demais. “Nenhum proprietário consciente tem interesse em fazer o inquilino quebrar”, diz.

O planejador financeiro reconhece, porém, que nem todos os donos de imóveis têm o mesmo senso de razoabilidade, e alguns mais radicais podem querer forçar a barra e impor a correção do contrato pelo índice previsto. Nesse caso, é grande o risco de a briga ir parar na Justiça.

“O risco de judicialização do contrato é grande. E o juiz pode se guiar pelo princípio do equilíbrio entre as partes para decidir a favor do locatário”, afirma.

Viriato argumenta que o preço médio dos imóveis não sobe há pelo menos cinco anos e nem há espaço para que voltem a subir, já que economia, emprego e renda vão demorar para se recuperar. Por essa razão, não há sentido que o contrato de locação sofra qualquer reajuste. Em vez disso, ele entende que o valor dos aluguéis deve ser revisto para baixo.

“A bola está na mão do inquilino, e ele estará sendo bobo se não pedir a redução do aluguel. Ele deve aproveitar o momento, pois não terá outra chance para isso”, acredita.

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O professor do Insper ressalta que a vantagem de repassar a variação do IGP-M será rapidamente perdida se, com isso, o inquilino desocupar o imóvel. Em um contrato com aluguel a R$ 2.000, por exemplo, um reajuste de 15% incrementaria o valor da prestação mensal em R$ 300, e o locador ganharia R$ 3.600 a mais no final de um ano.

“Com dois meses de meses de imóvel vazio, porém, o dono já deixou de ganhar R$ 4.000. E um imóvel pode levar de 6 a 12 meses até ser locado novamente”, diz.

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