Educação Financeira

Após efeito Lula, informações erradas sobre o mercado se espalham pela internet

Mitos como o de que todo investidor é rico vieram à tona desde que ex-presidente voltou a ser elegível

Após efeito Lula, informações erradas sobre o mercado se espalham pela internet
Lula visita a B3 em 2002, antes de se tornar presidente. Foto Eduardo Nicolau/Estadão
  • Mesmo com os avanços relacionados à educação financeira, a Bolsa de Valores segue como um terreno pouco conhecido para boa parte dos brasileiros
  • Como muita gente ainda está distante do mercado financeiro, mitos e estereótipos são criados, como o de que todos os investidores são ricos e estão pouco preocupados com o que é bom para a população em geral
  • Esse falso antagonismo entre os interesses do mercado financeiro e do povo brasileiro ganhou força nas redes sociais nos últimos dias

Mesmo com os avanços relacionados à educação financeira, a Bolsa de Valores segue como um terreno pouco conhecido para boa parte dos brasileiros. No total, são cerca de 3,2 milhões de CPFs na B3, um crescimento de 92% em relação ao início do ano passado, mas que representa ainda cerca de 1,5% da população.

Como muita gente ainda está distante do mercado financeiro, mitos e estereótipos são criados, como o de que todos os investidores são ricos e estão pouco preocupados com o que é bom para a população em geral.

Esse falso antagonismo entre os interesses do mercado financeiro e do povo brasileiro ganhou força nas redes sociais nos últimos dias. Após a anulação das condenações feitas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no âmbito da operação Lava Jato, o Ibovespa reagiu mal: as perdas na Bolsa e a disparada do dólar foram intensificadas.

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O episódio provocou indignação em diversos usuários nas redes sociais, que questionaram o porquê de o índice de ações cair com a elegibilidade do petista e supostamente não ser afetado por situações graves, como o avanço da pandemia no País. “O mercado reagiu mal com a notícia sobre o Lula, mas esse foi mais um fator que pesou no Ibov, não o único”, afirma Márcio Lorega, analista da Ativa Investimentos. “E o mercado reagiu assim por conta da instabilidade que a notícia causou, mas há um processo de queda muito grande antes, vindo das preocupações com a pandemia e com a vacinação.”

Fora os questionamentos relacionados às reações do mercado, outras diversas fake news sobre a Bolsa foram intensamente compartilhadas. Por isso, o E-Investidor foi atrás de especialistas para desmistificar algumas delas. Veja a seguir:

“Não sou investidor, não tenho ações, não influencia a minha vida”

Na verdade, a Bolsa de Valores costuma ser um reflexo da economia. Se a economia do País vai bem, a B3 também tem boa performance. Quando vai bem, a população tem mais empregos, renda e oportunidades. Se a Bolsa está muito em baixa, significa que a economia vai mal.

O resultado de uma deterioração da economia é justamente aumento do desemprego, diminuição da renda e das oportunidades para o povo. E é por meio da Bolsa que as maiores empresas do Brasil se capitalizam para expandir os negócios, resultando em maior quantidade de empregos disponíveis.

“Essa frase é uma das grandes falácias que existem sobre o mercado. Um cenário macroeconômico positivo acaba refletindo em investidores internacionais e nacionais aportando recursos nas empresas por meio da Bolsa. E eles fazem isso acreditando não só que o negócio vai dar certo, mas que a economia daquele país também vai”, afirma Lorega.

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Existem descolamentos em situações específicas, já que o mercado tenta se antecipar a acontecimentos que atingirão a economia e, por consequência, os investimentos. Um exemplo claro ocorreu em abril de 2020, ainda no auge da primeira onda da pandemia no Brasil, quando o Ibovespa começou a se recuperar. “Muita gente ficou indignada, não entendeu, mas isso acontece porque o mercado se antecipa. Isto é, havia a perspectiva naquele momento de que o País se recuperaria, por isso o índice voltou a valorizar”, afirma Andre Massaro, especialista em finanças pessoais.

É importante lembrar que só em março, início da pandemia no Brasil, o Ibovespa caiu 30% com os investidores ‘precificando’ os impactos do coronavírus no País. “O cenário começou a mudar quando vimos que o tombo, naquele momento, não iria ser tão grande quanto imaginado”, acrescenta Lorega.

“Se o mercado está triste, o povo está feliz”

Esse tipo de antagonismo parte do pressuposto que há uma diferença entre esses dois lados. “Afinal, quem é ‘mercado’ e quem é ‘povo’? Mercado é o dono do Santander ou o porteiro da refinaria da Petrobrás que tem fundo de previdência pela empresa, ou seja, é investidor e nem sabe?”, afirma Massaro. “Esse tipo de frase tem uma generalização perigosa.”

Outro fator é que não há como o mercado ficar ‘feliz’ se não existem pelo menos indicativos de que as condições econômicas do País tomarão um viés positivo. “O que deixa o mercado feliz é estabilidade, previsibilidade, segurança, seguir as regras, justamente o contrário do que está acontecendo agora”, diz Massaro. “Pandemia gera instabilidade, Bolsonaro intervindo na Petrobras gera instabilidade, Lula entrando de repente no jogo gera instabilidade. Em resumo, o circo pegando fogo deixa o mercado infeliz.”

O especialista ainda alerta que muitas pessoas ficam satisfeitas com as quedas do mercado porque não entendem que elas próprias podem estar sendo diretamente atingidas. “Acham que o mercado está sendo punido. Mas não existe uma ‘entidade mercado’. São pessoas, muitas delas pequenos investidores.”

Essa também é a visão de Lorega. “Se a economia não está girando, o cenário é ruim tanto para o mercado quanto para as pessoas”, afirma Lorega. “Aliás o mercado é formado por pessoas também.”

“Mais de 268 mil mortos na pandemia, estamos atrasados na vacinação, e a Bolsa só reage mal à notícia sobre o Lula?”

A frase parte do pressuposto de que o mercado não reagiu à pandemia ou à lentidão na campanha de vacinação, quando foi justamente o contrário. “Quando a Bolsa despencou como uma pedra em março do ano passado, não tinha Lula em lugar nenhum. Tem setores que até hoje não melhoraram, por conta do andamento das vacinas e avanço do coronavírus”, afirma Lorega.

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Em 22 de fevereiro, inclusive, os papéis da Petrobras caíram 20% após o presidente Jair Bolsonaro demitir o CEO da companhia, Roberto Castello Branco, e indicar o general Joaquim Silva e Luna para o posto. Na data, o Ibovespa fechou também em baixa de 4,87%.

Comparado a esse episódio, o susto do mercado com a decisão do ministro Edson Fachin sobre Lula foi muito menor. “O que aconteceu foi o medo de polarização política e instabilidade, porque não dá para fazer investimentos ou planejamentos em cenário instável”, conclui Lorega.

“O mercado financeiro só serve para um bando de especuladores ricos, lucrarem”

A Bolsa é uma ferramenta para que as pessoas possam atingir objetivos financeiros, e não é necessário ser rico para isso. “Esse é mais um dos grandes mitos que envolvem o mercado financeiro, que para ganhar dinheiro é preciso investir em grandes quantidades e que a B3 funciona como um cassino”, afirma Carol Stange, educadora financeira.

A especialista alerta que o mercado financeiro é democrático e existem oportunidades para todos os perfis de investidores. “É necessário distinguir fantasia da realidade, e a realidade é que investir nunca foi tão acessível, com as fintechs, corretoras e bancos amigáveis. O próprio site do Tesouro Direto é um exemplo”, diz Stange.

Um segundo ponto é que os especuladores existem, mas são essenciais para dar liquidez às negociações. “Se só existissem pessoas que comprassem ações para o longo prazo, ninguém venderia. E se ninguém vende, não tem mercado. Sem mercado, como já vimos, a economia também seria muito prejudicada”, afirma Lorega. “Existe um movimento muito grande para tentar convencer as pessoas de que o mercado faz mal, mas na maioria das vezes, quem tem esse discurso faz investimentos.”

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