- É estimado que a medida dê um impulso de R$ 15 bilhões na arrecadação
- "Investidores vão precisar fazer mais investimentos para ter ganhos de capital", diz analista
- "Com inflação controlada, não faz sentido ter o benefício tributário", opina outro analista
O governo federal publicou nesta quinta-feira (31) o projeto de lei (PL) a ser encaminhado ao Congresso que acaba com os Juros sobre Capital Próprio (JCP). O texto propõe o fim da “dedução de juros pagos ou creditados a título de remuneração do capital próprio na apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)” a partir de 1º de janeiro de 2024.
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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já declarou que o fim do JCP é uma das medidas que estão sendo elaboradas com o objetivo de elevar a arrecadação para zerar o déficit das contas públicas em 2024, conforme previsto no novo arcabouço fiscal.
O tema vem sendo acompanhado pelo mercado e é visto como o pontapé inicial nas discussões da segunda fase da reforma tributária, que deverá tratar da tributação sobre a renda.
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O JCP gera um benefício fiscal para as empresas, que transferem a taxação aos acionistas na hora de distribuição dos lucros. A estratégia gera um impacto positivo no resultado e reduz a base de lucro tributável das companhias.
É estimado que a medida dê um impulso de R$ 15 bilhões na arrecadação, podendo trazer mais equilíbrio para as contas públicas a partir de 2024. Por outro lado, a medida terá um impacto negativo em empresas que se utilizam deste benefício fiscal.
Confira a seguir as análises de especialistas ouvidos pelo E-Investidor:
Gustavo Cruz, estrategista Chefe da RB Investimentos
“O tema estava sendo bastante ‘ventilado’ há alguns meses. O que vai acontecer é que o investidor terá uma alternativa a menos para receber proventos das ações, principalmente de bancos. Talvez, os investidores vão precisar fazer mais investimentos para ter ganhos de capital. Imagino que essa seja a alternativa. A medida do governo busca aumentar a arrecadação por conta da situação fiscal bastante delicada”
Flávio Conde, analista de ações da Levante Ideias de Investimentos
“Só faz sentido manter os Juros sobre Capital Próprio (JCP) em um cenário de inflação muito alta. Quando se tem uma inflação em torno de 4% a 5%, não faz sentido ter esse benefício tributário. O ex-ministro Paulo Guedes tentou acabar com esse benefício. Não conseguiu porque a resistência dos bancos e das grandes empresas no Congresso é gigante. Isso é negativo para essas empresas, porque o JCP é distribuído como dividendos e costuma ser ‘abatido’ da base do cálculo tributário da companhia. Então, o governo arrecada menos com o JCP. Com a extinção desse provento, os investidores vão ganhar menos em forma de dividendos a partir do ano que vem “.
Diego Miguita, sócio de tributário do VBSO Advogados
“A revogação do JCP, principalmente desvinculada da reforma tributária sobre a renda como um todo, deve ser vista com ressalvas. Não deveria ser discutida a sua revogação pura e simples, mas analisada a melhor alternativa em conjunto com a tributação da renda corporativa e a sua integração com a tributação pessoal. Algo mais razoável seria discutir medidas que diversos países adotam para buscar neutralidade na escolha do financiamento da atividade empresarial (dívida x capital próprio), como o ACE (allowance for corporate equity).”
Beto Saadia, economista e diretor de investimentos da Nomos
“O JCP é uma dessas ‘jabuticabas brasileiras’, ainda de uma época dos anos 90, onde havia uma inflação galopante e era permitido deduzir a variação da inflação do lucro real para pagar um imposto mais justo. Isso acabou ficando durante todos esses anos. As empresas que mais devem ser impactadas e que mais trabalham com JCP são bancos, em geral, telefonia, industriais. O JCP é mais fácil, mais óbvio, mas talvez, agora, no próximo passo, eles vão correr atrás de tributar o dividendo, que já é tributado no mundo todo. Isso teria que ser visto dentro de um contexto maior, um debate um pouco mais amplo, porque isso afetaria mais as empresas.”
Marcelo Boragini, sócio e especialista em renda variável da Davos Investimentos
“O projeto precisa do aval do Congresso para entrar em vigor. Para o governo, a medida deve gerar uma arrecadação de R$ 10 bilhões de reais. O setor mais impactado será o financeiro, que deve ter uma redução do lucro em torno de 15% a 20%. Logo em seguida, vem o setor de alimentos e de saúde, que devem ter um impacto em média de 6%. Vale descartar também que, nos casos dos bancos, há uma preocupação que o crédito fique mais caro, porque as instituições financeiras têm tratamento regulatório distintos. Mas o Congresso não deve aprovar essa medida da forma como o governo planeja. O projeto deve ser ainda bastante desidratado”