A atenção se intensifica após a fusão com o grupo NotreDame Intermédica (GNDI3), que ampliou a presença da Hapvida no Sudeste e trouxe a necessidade de integrar processos, equipes e sistemas diferentes entre as duas empresas. Agora, analistas e investidores acompanham de perto como a companhia vai lidar com os custos e manter a rentabilidade na operação maior, revisando projeções para o terceiro trimestre deste ano (3T25).
De abril a junho, o lucro líquido ajustado da operadora atingiu R$ 148,9 milhões, queda de 69,6% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto o Ebitda ajustado caiu 26,6%, para R$ 703,3 milhões. Ao excluir um impacto não recorrente do ReSUS, programa de regularização de créditos junto ao Sistema Único de Saúde (SUS), o Ebitda teria recuado apenas 1,6% na base anual, alcançando R$ 905,4 milhões, segundo a própria companhia.
Estrategistas consultados pela London Stock Exchange Group (LSEG) esperavam lucro de R$ 223,7 milhões e Ebitda de R$ 837,7 milhões, mostrando que o resultado ficou abaixo das projeções do mercado.
Apesar disso, a receita líquida totalizou R$ 7,67 bilhões, crescimento de 7,3% ante o segundo trimestre de 2024, puxada pelo aumento de 7,7% na linha de planos de saúde, resultado de reajustes de preços aplicados recentemente. A companhia também registrou adição líquida de 57,7 mil clientes, enquanto a sinistralidade caixa, que mede a relação entre despesas assistenciais e receitas de planos, subiu para 73,9%, ou 72,8% ao excluir efeitos de ações judiciais.
“Ainda que a companhia apresente crescimento de receita, a deterioração da margem operacional sugere que os custos, em especial ligados à sinistralidade, cresceram em ritmo mais acelerado do que as receitas. No curto prazo, isso reforça uma percepção de menor capacidade de captura de escala e eficiência, embora a visão de longo prazo dependa de ajustes internos e da evolução no controle de despesas médicas”, diz o mestre em finanças e especialista em investimentos, Hulisses Dias.
Estrutura de capital da Hapvida após o 2T25
A estrutura de capital da Hapvida após o segundo trimestre de 2025 (2T25) mostra que a empresa consegue manter o endividamento sob controle, mesmo com a queda do lucro líquido ajustado, segundo especialistas. A companhia reduziu a dívida líquida para cerca de R$ 4,0 bilhões e manteve a alavancagem financeira em torno de 1,0 vez o Ebitda, número considerado confortável pelo mercado.
Para Ângelo Belitardo Neto, diretor de gestão da Hike Capital, isso indica que a Hapvida não está sobrecarregada com dívidas e consegue financiar suas operações sem precisar recorrer a capital externo.
O fluxo de caixa operacional pós-Capex, que mede os recursos gerados após investimentos em ativos, ficou em cerca de R$ 302 milhões, praticamente estável em relação ao mesmo período do ano anterior. Segundo Neto, essa combinação de dívida em queda e geração de caixa mostra que a empresa consegue manter investimentos e sustentar suas operações, mesmo em um trimestre mais difícil para os resultados.
Ele acrescenta que a alavancagem baixa e o caixa disponível reduzem os riscos de precisar de financiamento emergencial. No curto prazo, a expectativa é de que não haja aumento de capital ou endividamento extra, deixando a Hapvida em uma posição segura para continuar ajustes internos e acompanhar a expansão da operação após a fusão com o grupo NotreDame Intermédica
“Evidentemente, a manutenção dessa situação depende de a Hapvida continuar melhorando seus resultados e controlando gastos para gerar caixa suficiente”, afirma. Segundo ele, até o momento, a leitura é de que a estrutura de capital está sob controle. “A empresa está focada em ganhos de eficiência e sinergias para elevar margens, o que, se bem-sucedido, deve fortalecer ainda mais a capacidade de honrar dívidas sem precisar de reforço financeiro externo imediato”, avalia.
Ruam Oliveira, especialista em investimentos e planejador financeiro, avalia que, se a geração de caixa seguir pressionada nos próximos meses, a Hapvida poderá ter de buscar reforço financeiro, seja por emissão de ações, novas dívidas ou até venda de ativos. O maior risco, segundo ele, é que essa pressão comprometa os covenants — condições contratuais de empréstimos já firmados —, o que poderia intensificar a percepção negativa do mercado sobre a companhia.
Aumento de clientes e sinistralidade
No 2T25, a sinistralidade caixa da Hapvida alcançou 73,9% da receita, aumento de 0,4 ponto percentual em relação ao mesmo período do ano passado. O crescimento dos custos assistenciais e o efeito de ações judiciais que elevaram despesas médicas contribuíram para o resultado, conforme balanço da empresa. Houve também alta na comparação com o primeiro trimestre, um movimento esperado devido à sazonalidade, já que os sinistros costumam subir nesse período.
Neto, da Hike Capital, atribui parte do aumento dessa sinistralidade por provisões extraordinárias, principalmente relacionadas a ressarcimentos atrasados ao SUS, que, diz ele, não devem se repetir na mesma proporção nos próximos trimestres. A empresa informou que essas provisões devem cair para entre 1,2% e 1,5% da receita, ante 3,9% registrados neste trimestre, indicando que a pressão sobre as margens tende a diminuir.
Ele observa que, para conter os custos médicos e reduzir a sinistralidade, a Hapvida vem aplicando reajustes nos planos de saúde, com aumento médio de 8% na mensalidade em relação ao ano passado, e pode negociar com prestadores da rede credenciada. A expectativa da companhia é que essas medidas ajudem a equilibrar os gastos e trazer alívio nos próximos períodos.
“Tais ajustes contratuais e negociações com hospitais e clínicas devem contribuir para moderar a sinistralidade, juntamente com iniciativas internas (verticalização, melhor gestão de casos e de processos judiciais). Portanto, embora a sinistralidade deva se manter em patamar alto historicamente, a tendência não é necessariamente de alta contínua – espera-se alguma estabilização ou leve recuo adiante, conforme os efeitos extraordinários se dissipem e as medidas de controle de custos entrem em vigor”, diz.
O aumento da base de clientes da Hapvida contribui para o crescimento da receita recorrente, mas não reduz automaticamente os custos da companhia. Especialistas, como Dias, alertam que a entrada de novos beneficiários pode elevar despesas médicas se não houver gestão eficiente da rede e do controle da sinistralidade. Por enquanto, conforme ele, a expansão comercial ainda não se refletiu totalmente em melhora da rentabilidade operacional, e o crescimento das receitas depende do equilíbrio entre aumento de clientes e disciplina nos gastos.
Recomendação, preço-alvo e perspectivas para HAPV3 no 3T25
No curto prazo, analistas recomendam cautela com as ações da HAPV3. Apesar de o setor de saúde suplementar no Brasil ter fundamentos positivos de longo prazo, especialistas consultados pelo E-Investidor afirmam que a companhia enfrenta entraves que limitam seu potencial imediato de valorização. A pressão sobre margens e o aumento da sinistralidade vêm reduzindo a confiança do mercado, e o preço-alvo de consenso deve ser revisado após os últimos resultados mais fracos.
Analistas afirmam que a continuidade do investimento depende agora da capacidade de controlar custos, capturar sinergias da integração e melhorar a geração de caixa. Para investidores dispostos a esperar, a empresa pode ser vista como um “turnaround case” — ou seja, um caso de recuperação —, mas os próximos trimestres serão decisivos para confirmar essa virada.
O Itaú BBA, por outro lado, em relatório divulgado ao mercado na segunda-feira (1º), manteve a recomendação de desempenho acima da média para as ações da HAPV3, com preço-alvo de R$ 67 para o final de 2026. Segundo o banco, a empresa tem crescido de forma orgânica e adotou medidas para aumentar sua presença no Sudeste, oferecer mais opções de produtos, melhorar a qualidade percebida e se alinhar melhor com os corretores, sem aumentar os custos. Métricas de reclamações de clientes, como NIP (número de queixas na Agência Nacional de Saúde Suplementar) e IGR (reclamações por 100 mil beneficiários), também tiveram melhora, enquanto o uso de serviços aumentou sem elevação de gastos.
O banco aponta que a Hapvida deixou para trás a fase de transição pós-fusão e agora pode retomar o crescimento como principal fonte de valor. A base de clientes continua crescendo, o churn (rotatividade de beneficiários) caiu e a empresa avançou no controle de custos, com redução de despesas médicas e judiciais e uso de tecnologia para prever sinistros. Para o Itaú BBA, essas ações ajudam a manter margens, gerar caixa e investir na expansão de forma mais segura nos próximos anos.