- Bancos centrais seguem em um dilema para encontrar o patamar ideal da taxa de juros para combater a inflação sem causar recessão
- Como a pandemia exigiu dos governos uma alta expansão monetária a fim de mitigar os efeitos econômicos, uma recessão global pode ser pior do que a alta dos preços
- No Brasil, o Banco Central deve manter a taxa Selic a patamares elevados até que os dados mostrem um recuo dos preços dentro da meta
Em 2020, quando a pandemia da covid-19 havia contaminado os mercados globais, os países iniciaram políticas de expansão monetária para conter os impactos econômicos. Com o avanço da vacinação contra a doença, a crise sanitária passou a ser controlada e a vida “normal” retomou. O problema é que a inflação tornou-se o grande vilão a ser combatido no mundo todo.
Nesta ótica, Adriano Cantreva, sócio da Portofino Multi Family Office, avalia que o Brasil segue em uma situação mais confortável por ter sido o primeiro a iniciar o ciclo de aperto monetário, ao contrário dos Estados Unidos e da Europa, que começaram o processo somente em 2022.
No entanto, as recentes aplicações de “doses” contra a alta dos preços têm gerado preocupação dos economistas. A dúvida está em identificar até onde os bancos centrais do mundo podem elevar as suas taxas de juros sem causar uma recessão global. “Isso pode ser pior do que a inflação. Lembrando que os países estão extremamente endividados por causa do período da Covid-19”, diz Cantreva.
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Caso o equilíbrio não seja encontrado pelas autoridades monetárias, há o risco da taxa de juros ter alcance insuficiente para conter a alta dos preços e da inflação voltar meses depois e se tornar novamente uma barreira para o crescimento econômico. “Esse é o grande risco de parar antes e ter que subir novamente”, afirma.
Cantreva tem mais de 30 anos de experiência no mercado financeiro. A Portofino administra os recursos de mais de 500 famílias com patrimônio acima de R$ 2,5 milhões. Com essa carteira de clientes, a casa tem sob gestão um total de R$ 13,5 bilhões em ativos.
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Ao E-Investidor, Cantreva também abordou os próximos passos do Banco Central (BC) do Brasil após o resultado das eleições e quais os ativos que devem estar no radar dos investidores. Confira os principais trechos da entrevista.
E-Investidor: Em 2020, o senhor comentou que a inflação seria o grande problema para os mercados. Hoje, os bancos centrais seguem em ritmo de aperto monetário. Qual é o principal desafio para o mundo no combate à inflação?
Adriano Cantreva – Para falar da inflação é preciso analisar o comportamento dos Bancos Centrais de todo o mundo. O Banco Central do Brasil foi um dos primeiros a subir a taxa de juros. Saímos de 2% (em março de 2021) para 13,75% ao ano e foi um processo bastante rápido, mas o Brasil tem toda a experiência para lidar com a inflação.
Quando os BCs decidiram combater a inflação – e essa é a prioridade, em especial a dos Estados Unidos – os membros passaram a aplicar “doses altas” na taxa de juros. O problema é que começou a se discutir o risco dessa elevação colocar o mundo todo em recessão, o que pode ser pior do que a inflação. Lembrando que os países estão extremamente endividados por causa do período da Covid-19.
Então, acreditamos que a inflação vai começar a baixar, mas esse processo vai ser duradouro. O grande risco do mercado atual está no caso dos bancos centrais não subirem o suficiente a taxa de juros e, como consequência, teríamos uma euforia do mercado. Mas em alguns meses, a inflação pode voltar a subir e o BC ser obrigado a elevar novamente (a taxa de juros). Em geral, quando os bancos centrais param de subir a taxa de juros, o corte vem no próximo passo.
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E como fica o Brasil? O Banco Central deve iniciar os cortes da taxa de juros a partir de 2023?
Cantreva – O Banco Central brasileiro deve priorizar atingir a meta da inflação e manter a taxa de juros elevada por mais tempo com a mudança do governo. O Banco Central está muito focado na inflação. Se o Banco Central do Brasil tiver que fazer uma escolha, ele vai escolher por manter a taxa de juros mais alta por um período mais longo. E o que a gente tem visto foi uma manutenção da taxa de juros e não parece haver uma preocupação de cortes de forma rápida para a economia decolar.
Caso tenhamos uma expansão monetária e a inflação ainda estiver alta no restante do mundo, o Banco Central vai manter a taxa elevada por mais tempo. Estamos em uma situação muito dependente do que acontecer no mundo e no Brasil. Os membros do BC vão esperar os fatos para reagir.
Neste cenário de alta de juros, quais são os investimentos nos Estados Unidos que devem ser priorizados?
Cantreva – Isso vai depender bastante do horizonte de investimento do investidor. Quando a gente fala de um horizonte mais curto e se confirma a tendência de que o Fed (Federal Reserve, a autoridade monetária dos EUA) pare com a elevação da taxa de juros, pode ser que o mercado de ações suba e ainda tenha mais espaço para novos avanços. Numa visão de longo prazo, pode haver uma oportunidade para comprar empresas de boa qualidade que não estão muito alavancadas e possuem grandes chances de sobreviver em momentos de crise.
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A China é a segunda maior economia do mundo, mas a reeleição de Xi Jinping trouxe instabilidade. Ainda faz sentido estar posicionado no país?
Cantreva – Para você investir na China, precisa ter um horizonte mais longo. A China é segunda maior economia do mundo. Seria um risco muito grande não estar posicionado na China, mas o investidor precisa ter um cuidado muito grande. Acompanhamos o caso da Evergrande (construtora que faliu e causou uma crise no segmento imobiliário), por exemplo.
A gente identifica bons gestores locais (da China) para fazer ter exposição voltada para o mercado local de consumo. Se o Xi Jinping conseguir aumentar a renda da população chinesa, acreditamos que isso deve elevar o consumo local e, por isso, enxergamos como uma oportunidade. Mas esses aportes devem ser realizados com muito cuidado porque o que o Xi Jinping irá fazer no seu terceiro mandato é uma grande incógnita.