Para o economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, o governo acertou ao voltar atrás antes da abertura dos mercados, mas cometeu um erro tático ao anunciar a medida de forma intempestiva. “O anúncio do relatório bimestral, com bloqueio de mais de R$ 31 bilhões, tinha sido bem recebido. Mas o IOF anulou o efeito positivo”, lamentou.
Salto destacou que o aumento de alíquota do IOF para 3,5% nas remessas ao exterior representava um controle de capitais com impacto direto sobre o câmbio e decisões do Banco Central (BC). “Discordo do ministro quando diz que o BC não precisa participar dessas decisões. Se afeta a taxa de câmbio, afeta a política monetária também”, pontuou.
A crítica foi reforçada após Haddad publicar que nenhuma das medidas foi negociada com a autoridade monetária, contradizendo declaração anterior de seu secretário-executivo, Dario Durigan.
Na avaliação do economista-chefe da G5 Partners, Luis Otávio Leal, a revogação da alíquota elevada “tirou o bode da sala”, mas não elimina os efeitos negativos da estratégia do governo. “A abertura do mercado hoje era para ser muito pior, com o EWZ em queda de 4% e expectativa do dólar rasgando para cima. Colocar IOF sobre qualquer investimento brasileiro em fundos no exterior praticamente inviabilizaria os aportes”, afirmou. Para ele, aumentar o IOF para empresas em meio a juros altos é temerário e só agrava o custo de financiamento, sem contribuir com a política monetária. “É uma medida meramente arrecadatória”, disse.
Essa leitura é compartilhada por Flavio Serrano, economista-chefe do Banco BMG. Ele vê o recuo como uma correção parcial de um erro inicial. “As ações anunciadas ontem têm impacto relevante em muitos setores. O governo segue fazendo ajuste fiscal pelo lado da receita, sem enfrentar o crescimento das despesas”, afirmou.
Serrano alertou ainda que esse custo adicional de 3,5% na entrada e saída de recursos pode inibir investimentos estrangeiros no País e aumentar o prêmio de risco dos ativos brasileiros.
Crítica estrutural e uso arrecadatório
A Oriz Partners foi mais dura. Para o ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, o uso do IOF extrapolou sua função regulatória: “Estamos diante de uma sanha arrecadatória. O imposto está sendo desvirtuado”, disse Kawall, que considerou confiscatória a nova alíquota de 5% para aportes superiores a R$ 50 mil mensais em previdência privada. “É absurdo. No ponto de partida, o investidor já perde 5% do capital.”
Já o economista Marcos De Marchi, da mesma gestora, apontou perda de credibilidade na narrativa de justiça tributária: “As decisões parecem emergenciais e improvisadas. Isso mina o horizonte de previsibilidade para quem pensa em investir”, diz.
As dúvidas do mercado se refletiram no desempenho das ações dos grandes bancos, que abriram o pregão de hoje em queda. Por volta das 11h, os papéis do Bradesco recuavam 2,61% (ON) e 2,59% (PN), enquanto Banco do Brasil caía 1,08%, Itaú Unibanco 2,15%, Santander 1,95% e BTG Pactual liderava as perdas com baixa de 3,41%. O Ibovespa também operava no vermelho, em queda de 1,37%, aos 135.395 pontos.
Incompatibilidade com FMI e OCDE
As críticas não ficaram restritas ao mercado local. Externamente, a medida foi vista como contrária a compromissos assumidos pelo Brasil com organismos multilaterais. Fontes ouvidas pelo Broadcast alertaram que o IOF no câmbio pode configurar violação ao Artigo 8 do FMI, que veda restrições a transferências para transações correntes e práticas discriminatórias. Ao aplicar alíquotas distintas dependendo do tipo de operação – como transferências ou uso de cartão – o Brasil corre o risco de ser interpretado como praticando câmbio múltiplo, o que é criticado tanto pelo Fundo quanto pela OCDE.
O Código de Liberalização da OCDE também preconiza a redução de barreiras ao fluxo de capitais. Em 2022, o Brasil se comprometeu com a eliminação gradual do IOF sobre câmbio até 2029, mas a atual gestão optou por manter margem de manobra. “Havia uma orientação de redução, sim. Mas o Brasil usará suas ferramentas conforme os interesses nacionais”, disse o secretário da Receita, Robinson Barreirinhas.
Perspectivas para o PIB e Selic dividem bancos
Apesar das turbulências, o BTG Pactual manteve projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 1,7% para 2025, mas adicionou viés de alta. Em 2026, reduziu de 1,7% para 1,5%, citando riscos fiscais crescentes e desaceleração esperada da atividade. “A disputa entre política monetária contracionista e política fiscal expansionista tende a ser vencida pela primeira, mas por margem estreita”, observou o economista-chefe Mansueto Almeida.
O banco também manteve a expectativa de Selic em 14,75% até o fim de 2025, com início dos cortes apenas em 2026. A inflação deve se manter em 5,6% este ano e 4,5% no próximo, com composição alterada: alta nos preços de serviços e alívio em itens comercializáveis.
Morgan Stanley se mostrou mais otimista com o crescimento em 2025 (2,3%) e 2026 (2,0%), mas reiterou preocupação com o cenário fiscal. Apesar do congelamento de R$ 31,1 bilhões, o banco americano aponta que a meta fiscal segue frágil e que o aumento de IOF não é suficiente sem reformas estruturais. “O Brasil está melhor do que outros emergentes, mas 2026 – ano eleitoral – preocupa. Esperamos aumento dos gastos”, alerta o relatório.
Credibilidade em jogo
Embora o ministro Fernando Haddad tenha afirmado nesta manhã que conversa frequentemente com o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, ele disse que as minúcias do decreto não passaram pela autarquia. Em publicação nas redes, Haddad também negou que as medidas tenham sido negociadas previamente com o BC. O mal-estar aumentou após o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, ter afirmado o contrário em coletiva.
Para Salto, da Warren, a estimativa do governo de arrecadar R$ 20,5 bilhões com a mudança era otimista, e a reversão deve impactar menos de R$ 2 bilhões dessa conta. Mesmo assim, ele acredita que o cumprimento da meta fiscal de 2025 não deve ser comprometido, dada a revisão mais realista das expectativas de receita.
A sucessão de anúncios, recuos e descompassos dentro da equipe econômica acendeu alertas nos agentes de mercado e nos organismos internacionais. O gesto técnico de contingenciar gastos foi ofuscado por um movimento percebido como arrecadatório, mal calibrado e, em alguns casos, potencialmente incompatível com compromissos multilaterais.
O desafio do ministro Fernando Haddad, agora, é reconstruir pontes com o mercado, com o Banco Central e com as instituições internacionais – sem abrir mão de sua agenda de consolidação fiscal. “O governo não vai conseguir resolver da noite para o dia todos os ruídos gerados. Mas precisa, com urgência, mostrar que aprendeu com eles”, afirma Salto.
Com informações do Broadcast