Felipe Guerra é o CIO da Legacy Capital (Foto: Legacy Capital/Diviulgação)
A guerra comercial entre os Estados Unidos e China tem trazido muita incerteza para o mercado global e nacional. Entre os anúncios de tarifas, retaliações e acordos, os mercados acionários e as curvas de juros futuros passam por dias de grandes perdas ou ganhos astronômicos. No entanto, o CIO da Legacy Capital, Felipe Guerra, enxerga uma possibilidade em meio ao cenário conturbado: o prêmio dos juros no Brasil fica atrativo com a desaceleração global causada pela guerra comercial.
Antes com uma visão neutra sobre a renda fixa brasileira, Guerra passou a considerar a classe mais atrativa com a perspectiva de desaceleração da economia global — efeito colateral da guerra comercial. A expectativa de queda nos juros internacionais eleva a atratividade do prêmio dos juros no Brasil, especialmente nos papéis de curto prazo. “Vejo o País como uma alternativa na renda fixa dado o quadro de desaceleração global e a força deflacionária vinda sobre a oferta de bens. Isso torna os juros brasileiros atraentes para os investidores, com foco nos títulos de curto prazo”, disse Guerra em entrevista ao E-Investidor.
Já para os ativos de risco, Guerra recomenda cautela, especialmente nos mercados acionários globais. No cenário doméstico, ele diz que a economia vai bem e, por isso, diz acreditar que o setor bancário brasileiro, por ser resiliente, é atrativo para o investidor. Outros segmentos, como saneamento e elétricas, entram na carteira da Legacy em meio ao cenário difícil para as commodities, que caem no acumulado do ano, justamente devido à estimativa de desaceleração global. Confira os principais trechos da entrevista:
E-Investidor — A volatilidade nos mercados com a guerra tarifária abre oportunidade de compra para os investidores?
Felipe Guerra — Estamos em um momento de incerteza muito elevada com as medidas que Trump colocou em relação às tarifas. Esperávamos que a incerteza pudesse ter sido reduzida no dia do Liberation Day, no começo de abril. No entanto, ele colocou tarifas tão altas que gerou ainda mais confusão, com os países podendo negociar, mas também podendo ter retaliação. Por isso, é muito difícil tentar prever Trump. Enquanto não tivermos uma clareza maior sobre onde essa história vai terminar, vemos uma grande imprevisibilidade para os mercados globais.
Qual será a rota das curvas de juros pelo mundo e pelo Brasil?
O legado de toda essa história com Trump é um crescimento global mais baixo. Apesar de a medida ser inflacionária e fazer com que a inflação [americana] possa sair dos 2,5% para perto dos 4%, ela será temporária, pois, após o choque de preços, deverá retornar para 2,5%. Boa parte do mundo terá espaço para os bancos centrais poderem cortar juros para fazer algum estímulo como contrapartida da desaceleração da atividade provocada pelas tarifas.
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No Brasil, vemos mais uma alta entre 0,25 e 0,50 ponto porcentual na próxima reunião, com a Selic podendo ficar entre 14,75% e 15% ao ano. O Banco Central vai acabar o ciclo de alta após essa reunião e o mercado vai começar a olhar adiante e precificar um ciclo de corte mais intenso a partir do final do ano por conta do cenário internacional e devido ao elevado nível de juro real vigente no País.
Quais ativos de renda fixa é melhor ter nesse momento?
Vemos os países desenvolvidos e os que serão impactados pelas tarifas como os melhores para alocar recursos, como Estados Unidos, México e Europa. Nesses países o ideal pe investir em papéis de curto prazo. Em abril, tinha uma perspectiva neutra para a renda fixa brasileira. No entanto, agora enxergo que o Brasil é uma opção para aplicar, assim como os outros países. Vejo o nosso país como uma alternativa na renda fixa dado o quadro de desaceleração global e a força deflacionária vinda sobre a oferta de bens. Isso deixa o prêmio dos juros brasileiros atraentes para os investidores, com foco nos juros de curto prazo.
Alguma medida do Copom ou do governo pode melhorar a perspectiva fiscal?
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Não esperamos nada positivo do governo em termos de medidas estruturais. O que estimamos, num horizonte mais curto, é que daqui até a eleição o governo deve fazer medidas muito populistas e a intensidade dessas medidas deve prejudicar o ambiente para negócios. Então, dependendo se for muita medida populista, vai prejudicar o ambiente de negócio, vai desorganizar a economia. Se for pouca medida, é possível conviver com isso.
Diante desse cenário, os investimentos em Bolsa no Brasil estão baratos ou caros?
Na Bolsa no Brasil tem boas oportunidades, mas são oportunidades mais específicas. Empresas de setores mais regulados, como saneamento e elétricas, é possível ter um pouco mais de previsibilidade nesse momento de incerteza. O setor bancário também pode ser uma boa opção por ser resiliente. A economia doméstica no Brasil não está mal. A economia está bem, estamos crescendo 2% por ano e o desemprego está baixo. O crédito está crescendo, mas temos um desequilíbrio da inflação por causas dos estímulos dos últimos anos.
Se o governo não inventar e não atrapalhar muito, o cenário do Brasil poderia se diferenciar com relação ao cenário internacional. Todavia, o governo frequentemente adota medidas que dificultam esse equilíbrio macroeconômico. Agora, a Bolsa na totalidade, tirando esses segmentos específicos, é difícil dizer. A Bolsa tem um peso muito grande de commodities e esses produtos estão em queda no mercado internacional. Estamos em um momento que o Brasil tem juros altos e commodities caindo. Esse é um cenário que atrapalha muito a Bolsa, mas isso não quer dizer que não existam boas oportunidades, assim como os juros no Brasil.