

Mesmo em um ano desafiador, as empresas da Bolsa brasileira foram generosas ao remunerar seus acionistas no 1° trimestre de 2025 – antes do caos no mercado desencadeado pelo anúncio do tarifaço no dia 2 de abril e da guerra comercial deflagrada pelo presidente dos EUA Donald Trump. Levantamento exclusivo da Meu Dividendo, plataforma especializada na antecipação de dividendos, para o E-investidor revela que os pagamentos somaram R$ 110,73 bilhões de janeiro a março, um recorde histórico e um crescimento de 43% em relação ao mesmo período de 2024, quando as companhias desembolsaram R$ 77,60 bilhões.
Foram 94 empresas distribuindo proventos, uma alta de 31% em relação aos três primeiros meses do ano passado, quando 72 companhias pagaram dividendos. Em 2023 e 2022, esse número foi de 94 e 81, respectivamente.
Mas não se iluda, investidor, porque tem pegadinha nessa história. Grande parte desse fluxo veio de anúncios feitos ainda em 2024, ou seja, com base no caixa das companhias no ano passado.
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Se olharmos apenas os anúncios feitos para o exercício de 2025, a situação não anima. Segundo a Meu Dividendo, as empresas listadas na B3 anunciaram proventos de R$ 70,45 bilhões, um tombo de 24% frente aos R$ 93,24 bilhões anunciados no 1° trimestre de 2024.
Para Wendell Finotti, CEO da Meu Dividendo, essa queda tem explicação. Algumas empresas viram seus resultados piorarem e, naturalmente, cortaram dividendos. A Petrobras (PETR4) teve prejuízo de R$ 17 bilhões no 4° trimestre de 2024, quando o mercado esperava lucro de R$ 20,9 bilhões. Minerva (BEEF3), Suzano (SUZB3) e Telefônica Vivo (VIVT3) também desapontaram. A Klabin (KLBN11) até manteve os pagamentos, mas seu lucro líquido caiu.
“O dólar elevado no fim de 2024 pesou sobre empresas endividadas em moeda estrangeira e aquelas que dependem de importação de insumos”, destaca Finotti.
Segundo ele, inflação e Selic elevada ainda não pesam tanto nessa queda, mas terão maior impacto após a divulgação dos balanços do 1° trimestre de 2025. “O efeito nos dividendos será diverso, dependendo do setor em que a empresa está inserida e do perfil de endividamento”, destaca.
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Além dos juros altos, as empresas brasileiras enfrentarão outros desafios, no que se refere à distribuição de proventos. O principal deles são as consequências do tarifaço de Donald Trump, que desatou uma guerra comercial e pode ter como efeito uma recessão econômica.
Desde o dia 2 de abril, quando foram anunciadas as medidas, até o fechamento da terça-feira (8), as bolsas americanas S&P 500, Nasdaq e Dow Jones acumulam queda de 12,14%, 13,26% e 10,85%, respectivamente. No Japão, o índice Nikkei 225 recuou 6,66% e, na China, o índice FTSE China 50, acumula baixa de 13,64%. Enquanto, no Brasil, o Ibovespa apresentou 9,42% de queda acumulada diante do tarifaço. Esse tremor nos mercados não afetou, claro, os dividendos neste balanço do primeiro trimestre – mas o que esperar depois? É o que você verá mais adiante.
Maiores pagadoras de dividendos do 1° trimestre de 2025
A Petrobras (PETR4) segue como líder em pagamento de dividendos no 1° trimestre, com R$ 26,09 bilhões distribuídos entre janeiro e março, alta de 46% sobre o mesmo período de 2024, quando pagou R$ 17,89 bilhões.
Na vice-liderança, está um banco que vem ganhando espaço entre os investidores de dividendos e ameaça o favoritismo do Banco do Brasil (BBAS3). O Itaú (ITUB3; ITUB4) pagou R$ 21,77 bilhões no 1° trimestre, um salto de 31% em relação ao mesmo período do ano anterior. A estratégia de distribuir dividendos adicionais robustos no início do ano tem engordado as remunerações.
Outras companhias se destacaram com crescimento exponencial: a BB Seguridade (BBSE3) pagou R$ 4,61 bilhões no 1° trimestre, alta de 83%. Tradicionalmente, a empresa distribui proventos em fevereiro e agosto, mas em 2025 fez os pagamentos em março.
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O Bradesco (BBDC4), apesar de seu longo processo de reestruturação, elevou os proventos em 84%, chegando a R$ 3,07 bilhões. No mercado, há quem veja essa generosidade como reflexo da falta de melhores oportunidades para alocação de capital.
Já Ambev (ABEV3) e Eletrobras (ELET6), que não haviam distribuído nada no 1° trimestre de 2024, surpreenderam com pagamentos de R$ 6,66 bilhões e R$ 2,43 bilhões, respectivamente, no início de 2025.
Veja abaixo a lista das 10 maiores pagadoras de proventos no 1° TRI25 por valores brutos:
Maiores pagadoras por dividend yield no 1° trimestre
O investidor tem que ter em mente que para identificar uma boa pagadora de dividendos, apenas o valor bruto distribuído em bilhões não é o suficiente. É importante mensurar o que cai efetivamente no seu bolso, com o dividendo por ação, e o retorno em relação ao preço do ativo, pelo dividend yield (retorno em dividendos).
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Diante disso, levantamento de Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta Consultoria, revela quais foram as maiores pagadoras do trimestre pelo dividend yield. Será que os ativos coincidem? Descubra abaixo.
Companhias estão retendo mais tempo os dividendos em caixa
Com os juros altos, as empresas estão segurando mais tempo os recursos em caixa. Segundo a Meu Dividendo, o prazo médio entre o anúncio e o pagamento dos proventos no 1° trimestre subiu de 44 para 48 dias em 2025.
Para Finotti, esse movimento indica uma estratégia de retenção de caixa nas empresas. “O objetivo é ganhar flexibilidade financeira e adiar a captação de recursos diante dos juros elevados. Além disso, as companhias rentabilizam o caixa aplicando esses valores em alguns investimentos”, explica.
Em janeiro, o intervalo entre o anúncio e pagamento dos dividendos foi de 49 dias, caiu para 33 em fevereiro e saltou para 55 em março.
Empresas pagaram menos JCP no período
Entre janeiro e março, a distribuição de juros sobre capital próprio (JCP) foi menor, representando 31% do total de proventos. No 1° trimestre de 2024, essa fatia era de 39%, e em 2020 já chegou a 49%.
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Vale lembrar que os JCP têm cobrança de imposto de 15%, retido na fonte.
Para o CEO da Meu Dividendo, o uso do JCP deve ganhar força nos próximos trimestres. “Esse instrumento gera economia tributária para as empresas, reduzindo a base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)”, diz. Para ele, isso alivia a despesa financeira, então é natural que as companhias recorram mais ao JCP, especialmente em distribuições extraordinárias.
O que esperar dos dividendos em 2025?
Se até aqui a distribuição foi recorde, foi quase um golpe de sorte. A perspectiva para 2025 segue desafiadora. Alguns analistas projetam um volume de proventos semelhante ao de 2024, outros, uma queda.
Milton Rabelo, analista da VG Research, alerta para o risco de desaceleração do PIB (Produto Interno Bruto), que pode reduzir lucros das empresas e impactar os dividendos. Diante dos juros elevados, as despesas financeiras aumentam e pressionam o caixa das companhias e os proventos. “Essa dinâmica é especialmente forte no setor elétrico, um dos grandes pagadores da bolsa”, aponta. No setor bancário, ele vê riscos adicionais devido ao aumento da inadimplência e taxas menores de crescimento.
Já o setor de seguros deve continuar forte, impulsionado pelas receitas financeiras beneficiadas pelos juros altos, diz Rabelo.
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Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, concorda que o PIB pode pesar sobre os dividendos, mas vê outro fator no radar: a reforma tributária. Com a possível entrada em vigor em 2026 e sinais de mudanças na tributação de dividendos, empresas podem antecipar proventos, como já ocorreu no passado. “Aquelas com forte geração de caixa e baixa alavancagem podem adiantar dividendos extraordinários para 2025”, avalia.
Sem antecipações ou distribuições extras, Marco Saravalle, analista CNPI-P e sócio-fundador da MSX Invest, enxerga poucas empresas entregando dividend yields entre 15% e 20% neste ano. Para ele, a maioria das boas pagadoras da bolsa deve ficar entre 10% e 15%, com destaque para bancos, utilities (elétricas e saneamento) e petroleiras.
O cenário fica mais desafiador se a Selic atingir 15%, como prevê o Boletim Focus, do Banco Central. “Superar a Selic com proventos será difícil, muitas empresas terão rentabilidade menor devido ao aumento das despesas financeiras”, avalia Saravalle.
Efeito tarifaço: e agora?
Com as tarifas de Trump e o abalo causada por elas no mercado, o cenário é incerto e os analistas divergem ao dimensionar os impactos das medidas nos dividendos brasileiros. Victor Bueno, sócio e analista da Nord Research, destaca que o mercado está um pouco desafiador para as commodities, com o petróleo brent negociando a US$ 61 o barril e o minério em US$ 100. “Isso pode pressionar o caixa dessas companhias e a distribuição de dividendos“, afirma.
Segundo Bueno, se o minério cair a US$ 90, o fluxo de caixa da Vale vai para 8%. “O espaço ainda é curto, mas, se as incertezas continuarem, teremos um 2° trimestre ruim para as empresas de commodities e seus acionistas“, avalia. O analista lembra que Vale e Petrobras são responsáveis por boa parte dos dividendos da bolsa. Para os dividendos ficarem livres de perigo, o petróleo brent precisaria estar acima de US$ 70 e o minério no patamar de US$ 100 ou mais.
Já setores mais tradicionais como bancos ou outros menos cíclicos não sentem impacto nos proventos.
Finotti não prevê efeito algum nos dividendos dos próximos trimestres, mesmo com guerra comercial. Ele destaca que os setores que mais pagam proventos no Brasil – energia elétrica, gás e petróleo, saneamento, bancos, seguros e mineração – são compostos majoritariamente por empresas com demanda local estável ou contratada, que tendem a manter margens mesmo em cenários externos adversos. “É diferente de economias com maior exposição a bens de consumo e cadeias globais, como países asiáticos. O impacto direto sobre as principais empresas pagadoras de dividendos no Brasil tende a ser limitado”, reforça o CEO da Meu Dividendo.
TOP3 maiores pagadoras
Petrobras (PETR4)
A Petrobras ainda deve alegrar investidores nos próximos trimestres, já que costuma distribuir vários dividendos ao longo do ano. Até agora, há pagamentos agendados para maio e junho.
João Zanott, analista da EQI Research, lembra que, após o prejuízo no 4° trimestre de 2024 e a queda das ações, surgiram dúvidas sobre a capacidade da petroleira de manter os dividendos. Mas, para ele, nada mudou estruturalmente. “Mesmo investindo mais que o esperado, a Petrobras mantém forte geração de caixa. Nossa principal preocupação é a tendência de queda nos preços do petróleo”, observa.
Zanott destaca que, se o Brent negociar perto de US$ 65, mesmo com tarifaço de Donald Trump e aumento de produção da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), a estatal ainda continuaria como uma das principais ações para uma carteira de dividendos. “Após a queda nos preços do petróleo, a ação da Petrobras se desvalorizou. Mesmo que ocorra um impacto parcial na capacidade de geração de caixa, o dividend yield da companhia deve se manter elevado”, diz o analista da EQI Research. Desde o começo do tarifaço em 2 de abril, a Petrobras já perdeu R$ 75,43 bilhões em valor de mercado.
Arbetman, da Ativa, projeta dividendos regulares de R$ 4,60 por ação para PETR4 e extraordinários de R$ 1,40, resultando em um dividend yield de 16%. Já Saravalle, estima proventos entre 12% e 14%, mais próximos do teto.
Itaú (ITUB3; ITUB4)
Para Bruno Oliveira, analista do Vida de Acionista, 2025 será um ano interessante para o Itaú, que opera de forma altamente eficiente, com receita robusta e controle de gastos. O banco investe bilhões em tecnologia, o que reduzirá custos à frente. “Diante desse cenário, não vejo qualquer motivo material que justifique a queda do lucro para 2025”, afirma.
Oliveira acredita que, apesar do cenário econômico desafiador, o Itaú segue forte e pagando bons dividendos. Ele sugere que investidores definam um preço limite de compra para garantir pelo menos 8% de retorno, o que seria um preço-teto de R$ 31,37. Segundo cálculos do analista, as ações ITUB3, mais baratas, devem entregar dividendos líquidos de R$ 2,51 por ação em 2025. Com os papéis a cerca de R$ 28, o dividend yield gira em torno de 9%.
Bueno também prefere ITUB3 e projeta um dividend yield de 10% para o ano. Ele considera o Itaú essencial em uma carteira de dividendos de longo prazo, destacando seu crescimento anual de lucro entre 12% e 15% e rentabilidade superior à de outros bancos privados. “Carteira de crédito crescente, boa visibilidade, boa gestão. Tem bastante potencial para uma carteira de dividendos”, avalia.
Bueno acredita que o Itaú figurará entre as maiores pagadoras de 2025, mas alerta que o maior pagamento já ocorreu no início do ano. A tendência é de valores menores nos próximos trimestres, com proventos mensais e alguns complementares. Um novo pagamento elevado só deve ocorrer no início de 2026, seguindo a estratégia recente do banco de ter dividendos adicionais.
Vale (VALE3)
A Vale costuma pagar dividendos duas vezes ao ano, em março e setembro, por isso Bueno acredita que o pagamento do segundo semestre será ainda mais robusto, dependendo do preço do minério de ferro. Segundo ele, no patamar entre US$ 100 e US$ 110 a tonelada, a mineradora ainda gera muito caixa.
Bueno destaca as vantagens competitivas da Vale, como a qualidade superior do minério que vende, com maior pureza e valor agregado, reduzindo sua dependência das oscilações da commodity.
Desde o anúncio do tarifaço de Trump, a companhia perdeu R$ 32,99 bilhões em valor de mercado. No entanto, Bueno ressalta que as tarifas de 10% sobre produtos brasileiros não afetam diretamente a Vale, já que ela não vende para os Estados Unidos. “Pode mexer na dinâmica do minério, mas acima de US$ 100 a companhia gera muito caixa e paga dividendos”, observa.
A possível ampliação das exportações do Brasil para a China também tem impacto limitado para a mineradora no curto prazo, segundo Bueno, que projeta um dividend yield entre 8% e 9% para 2025.
Arbetman projeta dividendos de R$ 5 por ação para a Vale, com um dividend yield de 8,8%. “A companhia tem um programa de recompra de ações aberto, o que pode aumentar a remuneração do investidor”, diz.