- Em 2012, o investidor Álvaro Maia comprou 90 cotas do fundo imobiliário BB Progressivo II (BBPO11) a um preço unitário de R$ 100
- Hoje, após acusações de fraudes financeiras contra o fundo, o fundo deixou de acompanhar o desempenho do IFIX e permanece com a mesma cotação de 12 anos
- A experiência do investidor traz lições para quem mantém posição em FIIs ou pretende se expor a classe de ativos pelo pagamento mensal de dividendos e isenção de impostos
Rever o histórico de investimentos se transformou em um hábito a ser evitado para o advogado Álvaro Maia. O trauma ocorreu por causa da compra de 90 papéis do fundo imobiliário BB Progressivo II (BBPO11) – FII que continua com uma cotação semelhante à de 12 anos atrás. Hoje, ele aguarda pacientemente uma valorização do fundo a fim de resgatar algum lucro que compense a inflação dos últimos 12 anos. A experiência negativa levou Maia a decidir por não incluir novos fundos imobiliários em seu portfólio. Mesmo com a isenção de impostos e a distribuição de dividendos mensais, a classe de ativos perdeu o “brilho” que tinha antes para o investidor.
Leia também
Maia era um investidor extremamente conservador. Mantinha o seu patrimônio aplicado em títulos de renda fixa e na caderneta de poupança. A decisão de adicionar mais risco na sua carteira surgiu após uma indicação de um gerente do Banco do Brasil. “O gerente do banco disse que seria uma boa porque eu teria uma rentabilidade mensal e isenta de imposto de renda. Eu tentei comprar R$ 9 mil em cotas, mas o banco só liberou 90 cotas. Tentei colocar quase todo o meu patrimônio”, relembra Maia.
O fundo foi criado em 2012 e possui uma estratégia de investimento focada na locação de imóveis para o Banco do Brasil (BBAS3). Quando houve o lançamento, o advogado conta que comprou as cotas por um preço unitário de R$ 100. Hoje, os papéis do mesmo fundo são negociados a R$ 101,19, o que corresponde a uma diferença de R$ 1. “Nos primeiros anos, o fundo sempre devolveu um dividendo acima do CDI. Sempre teve uma performance muito boa”, afirma o advogado.
Publicidade
O grande problema surgiu em 2021 com a quebra dos contratos atípicos (ou seja, não podem ser alterados) de 58 dos 64 imóveis que faziam parte do portfólio do fundo. Na época, mais de 340 investidores minoritários entraram com uma ação contra a Votorantim Asset Management, gestora responsável pelo FII, na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para investigar o caso. O argumento utilizado pelo grupo era de que a Votorantim havia dado um desconto ao Banco do Brasil sobre os valores dos aluguéis dos imóveis antes do vencimento dos contratos.
A Associação Brasileira de Investidores (ABRADIN) também entrou com um processo contra a gestora do fundo na CVM. Segundo Aurélio Valporto, presidente da Abradin, as negociações em questão representaram um verdadeiro caso de conflito de interesse que trouxe prejuízos aos investidores. “Por esse motivo, a ABRADIN fez uma denúncia ao regulador (CVM) e nāo uma mera reclamação”, informou Valporto.
O grupo também denunciou a situação do fundo, no fim de 2021, para o Ministério Público Federal (MPF) para investigar os prejuízos causados à sociedade e aos investidores lesados com a quebra de contratos. O caso também segue sob investigação da Polícia Federal (PF) que conta com a ajuda da ABRADIN na apuração dos fatos. A expectativa é que os responsáveis pela gestão do fundo sejam denunciados por crimes contra os investidores do BBPO11 e contra o mercado de capitais.
Todas essas tratativas repercutiram no desempenho do BBPO11. Até novembro de 2020, as cotas acompanhavam a performance do IFIX, o índice da B3 que reúne os principais FIIs da bolsa, e eram negociadas acima de R$ 120. Já em janeiro de 2021, quando a gestora informou ao mercado sobre as negociações dos contratos atípicos com o Banco do Brasil, as cotas entraram em declínio e passaram a ser negociadas abaixo dos R$ 100 no fim do mesmo ano.
Em outubro de 2023, o BB Progressivo II passou a ser chamado de “Tivio Renda Imobiliária FII”. O código de negociação na bolsa de valores também mudou de BBPO11 para TVRI11. As alterações foram aprovadas em assembleia geral extraordinária no dia 31 de agosto de 2023. Já em relação ao seu desempenho, as cotas parecem ter deixado para atrás o período nebuloso. Hoje, acumulam uma valorização de 10% em 2024, mas continuam sendo precificadas com um preço semelhante ao de 2012, quando Maia decidiu investir.
Publicidade
“Como o ativo não se valorizou mais depois das denúncias de fraudes, o fundo deixou de acompanhar o IFIX. Se eu tivesse aplicado na poupança, eu teria tido um lucro de R$ 93,79 por cota”, afirma o advogado.
Veja a performance do antigo BBPO11 e do IFIX nos anos de 2020 e 2021
Fundo | Retorno em 2020 | Retorno em 2021 |
BBPO11 | -21,28% | -14,67% |
IFIX | -10,24% | -2,28% |
Fonte: Economatica |
O E-Investidor entrou em contato com a CVM que informou por meio de nota que acompanha e analisa as informações do mercado de capitais para tomar medidas cabíveis caso seja necessário. Por outro lado, não iria comentar sobre casos específicos. Já o MPF e a PF informaram que a investigação ocorre sob sigilo. O Banco Votorantim e a Tivio Capital, atual gestora do fundo e que foi criada após a venda do Votorantim Asset para o Bradesco em 2022, também foram procuradas pela reportagem, mas decidiram não se posicionar até o momento. Reforçamos que o espaço segue aberto.
O aprendizado sobre o investimento
A experiência negativa de Maia resultou na seguinte mudança: mudar a alocação do seu capital. Decidiu retirar os FIIs do portfólio e destinar o seu patrimônio para outros fundos de investimentos e títulos de renda fixa. “Eu tenho menos de 10% em fundos de ações e de multimercado. O resto está tudo aplicado em renda fixa. Estou investindo em CDBs, LCIs e LCAs”, comenta o advogado.
O relato do investidor traz um recado importante aos investidores: ficar atento às estratégias de investimentos e aos respectivos riscos dos fundos imobiliários. Segundo Lucas Fürst, operador de renda variável da Manchester Investimentos, o erro mais comum cometido por investidores iniciantes é decidir investir no FII com base apenas nos comentários de influenciadores de finanças sem ao menos entender se a proposta do fundo está adequada ao seu perfil de risco.
“Outro erro que vejo é investir no fundo pelo dividend yield (DY). Às vezes, o fundo paga 1,5% ao mês e o investidor compra sem entender o porquê desse rendimento”, afirma Fürst. O especialista explica que o bom desempenho pode refletir em um pagamento não recorrente ou pode até mascarar algum problema do fundo. O relato de Correa também reforça a necessidade de conhecer o histórico das gestoras por trás dos FIIs para averiguar se há alguma acusação de conflito de interesse por outros investidores e para entender o trabalho de alocação.
“O investidor pode buscar os relatórios gerenciais que os FIIs divulgam mensalmente. Indicadores como alavancagem do fundo, estratégia da gestão e perspectivas de distribuição de dividendos para os próximos meses são relevantes para identificar possíveis riscos de desvalorização das cotas”, afirma Jaqueline Kist, especialista em mercado de capitais e sócia da Matriz Capital. A outra dica é priorizar portfólios mais diversificados para mitigar os riscos em casos de inadimplência, com o atraso de aluguel de imóveis ou das parcelas de CRIs.
Como mostramos nesta reportagem, as cotas do fundo imobiliário Mogno Hotéis (MGHT11) desabaram cerca de 11% no fechamento do pregão desta terça-feira (9) com a repercussão sobre o anúncio do atraso de aluguéis de hotéis e dos CRIs. Os ativos correspondem a mais da metade do portfólio do FII e poderá ter um impacto de até R$ 0,57 por cota caso a situação não seja regularizada.
Publicidade
O poder do reinvestimento dos proventos também não pode ser subestimado pelos investidores. Segundo os cálculos da Elos Ayta Consultoria, se Maia tivesse aplicado os proventos do BBPO11 teria tido, mesmo com as crises, um retorno de 210%. Ou seja, a cota no valor de R$ 100 valeria hoje R$ 310. Sem a aplicação desse método, a rentabilidade cai para 0,88% durante o mesmo período.
Perdi dinheiro com FIIs. O que fazer?
Os fundos imobiliários são ativos que oferecem riscos ao investidor, assim como outros instrumentos financeiros tanto da renda variável quanto da renda fixa. Além disso, os FIIs também são suscetíveis ao ambiente macroeconômico que podem pressionar os desempenhos das cotas. Isso significa que o prejuízo do investidor pode estar mais atrelado ao cenário desfavorável para o setor imobiliário do que pelo fundamento de investimento do FII.
“Para casos de oscilação negativa, antes de qualquer movimento precipitado, é preciso entender se os motivos que o fizeram investir no fundo permanecem ou se há algum risco identificado pelo mercado no fundo em si”, diz Kist. O outro ponto a ser observado em caso de depreciação do papel é o fluxo de pagamento dos dividendos dos FIIs. Fürst orienta que esses rendimentos mostram a capacidade do fundo de gerar lucro. Ou seja, se o fundo tiver um lucro menor, ele vai pagar menos dividendos. “O cotista precisa entender os porquês”, reforça o analista da Manchester.
O que esperar dos fundos imobiliários para o 2º semestre?
O ambiente econômico deve continuar desafiador para a indústria dos fundos imobiliários ao longo do próximo semestre diante das incertezas do ambiente fiscal e juros ainda altos. Em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), interrompeu o ciclo de queda de juros e manteve a Selic no patamar de 10,50% ao ano. A decisão sinalizou ao mercado uma preocupação da autoridade monetária com a trajetória da inflação que pode ganhar força em meio ao desequilíbrio das contas públicas.
Apesar do cenário desafiador, o Santander avalia que os fundos com portfólios com ativos de qualidade vão continuar entregando rendimentos mensais sem surpresas nos próximos meses. “As cotas no mercado secundário seguirão sensíveis e marginalmente mais voláteis, com uma potencial apreciação dependendo do corte de juros e conjuntura macroeconômica mais positiva”, informou o banco em relatório.
Caso haja uma continuidade da queda dos juros até o fim deste ano, isso pode estimular a recuperação das cotas e também atrair novos investidores para a indústria ao passo do mercado encerrar 2024 com mais de três milhões de cotistas, de acordo com as estimativas do Santander. Até o primeiro trimestre deste ano, cerca de 2,6 milhões de investidores possuem posição em fundos imobiliários, segundo os dados da B3. O volume é 25% superior ao mesmo período do ano passado.