- Guru econômico Paul Krugman alerta que a economia dos EUA está em um estágio “pré-recessivo” e pede ação rápida do Federal Reserve
- JP Morgan e Goldman Sachs revisam para cima suas estimativas de recessão nos EUA, destacando a desaceleração no mercado de trabalho como um sinal preocupante
- Em cenários de aversão ao risco, a fuga de capitais de mercados emergentes pode impactar negativamente as ações e títulos de dívida no Brasil
O cenário de tensão nos mercados financeiros globais, impulsionado pelo crescente temor de que a economia dos Estados Unidos possa entrar em recessão, tem deixado os investidores em alerta. A preocupação do mercado cresceu, sobretudo após o relatório de emprego payroll apontar que o desemprego em solo americano está no nível mais alto de 2021.
Leia também
O medo gerou uma forte queda nas bolsas de valores ao redor do mundo e uma disparada do dólar, refletindo a incerteza quanto ao futuro da economia global. Mas como esse cenário internacional impacta os investidores brasileiros?
O E-Investidor conversou com especialistas para entender se ainda é cedo para falar em recessão e qual o melhor caminho, neste momento, para os investimentos. De acordo com os agentes do mercado, os investidores precisam estar atentos aos movimentos macroeconômicos dos EUA que podem afetar setores cíclicos e menos defensivos, além de reduzir fluxos de capital para mercados emergentes, como o Brasil, reduzindo a rentabilidade da Bolsa daqui.
Publicidade
Leia mais: Recessão nos EUA: últimas crises americanas mexeram com bolso dos brasileiros; entenda riscos
Considerado um dos maiores gurus econômicos do mundo, o economista vencedor do Prêmio Nobel, Paul Krugman, expressa preocupação sobre o estado atual da economia dos Estados Unidos. Ele argumenta que o país se encontra em um estágio “pré-recessivo” e que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) precisa agir rapidamente para evitar uma deterioração econômica mais séria. Em sua coluna mais recente no jornal “The New York Times”, Krugman traça paralelos entre o gerenciamento da economia e a saúde pessoal, comparando a economia americana a um paciente pré-diabético que precisa tomar medidas preventivas urgentes.
“Por que digo que a economia parece pré-recessiva? O fator mais importante é a taxa de desemprego, que tem aumentado gradualmente nos últimos meses. Um aumento suficientemente grande na taxa de desemprego é uma forte indicação de que uma recessão começou. Pesquisas privadas e o burburinho geral também apontam para uma economia em enfraquecimento. Nada disso grita recessão, mas aponta para um risco crescente de uma recessão no futuro próximo”, escreve Krugman.
A possibilidade de uma recessão nos EUA até o fim deste ano aumentou consideravelmente não só para o guru econômico, mas também para analistas do JP Morgan e Goldman Sachs. Ambos os bancos apontaram a desaceleração no mercado de trabalho como um dos principais indicadores que elevam o risco de retração da maior economia do mundo.
Publicidade
Em relatório, o JP Morgan revisou para cima suas estimativas de recessão, passando de 25% para 35% a probabilidade de que os EUA enfrentem uma retração econômica. Já os estrategistas do Goldman Sachs aumentaram as chances de uma recessão nos próximos 12 meses em 10 pontos percentuais, para 25%.
Os analistas apontam que o mercado de trabalho, apesar dos dados preocupantes, ainda possui elementos que mitigam o perigo de uma retração severa, como a predominância de demissões temporárias, que não são necessariamente um indicador confiável de recessão. Além disso, a baixa taxa de demissões permanentes sugere que a economia ainda não entrou em um círculo vicioso de perda de renda e redução de gastos.
Agentes do mercado financeiro observam atentamente
Especialistas têm opiniões variadas sobre se esses sinais indicam uma crise iminente ou apenas uma fase de ajustes econômicos. O sócio e diretor de gestão de crédito e multimercado da Rio Bravo, Evandro Buccini, diz que prever a profundidade e o timing de crises econômicas é complexo. Ele acredita que a desaceleração econômica é mais provável do que uma recessão profunda, embora ambos sejam normais em ciclos econômicos.
Buccini diz que a inflação e as taxas de juros elevadas estão impactando o crescimento econômico, mas os dados atuais não sugerem uma crise iminente. “Caso uma recessão mais profunda ocorra, praticamente todos os setores serão afetados. Os movimentos bruscos nas taxas de câmbios são oriundos de diferentes momentos de cada país – aqueles que podem cortar juros antes provavelmente verão suas moedas se desvalorizarem em relação aqueles que terão que manter juros mais altos por mais tempo. Empresas mais alavancadas ou que dependem de taxas de juros muito baixas para justificar sua baixa geração de caixa (como as startups) poderão ter problemas se as taxas de juros ficarem mais altas por mais tempo”, explica.
O economista e presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Codecon/SP), Pedro Afonso Gomes, destaca que a recente volatilidade nos mercados internacionais não indica uma crise econômica iminente. Segundo Gomes, a atual turbulência reflete uma fase de ajuste nas políticas monetárias, em vez de um sinal claro de uma crise global.
Publicidade
Ele ressalta que, apesar da volatilidade, os fundamentos econômicos de muitos países ainda estão relativamente sólidos. Para ele, o fortalecimento do dólar pode ser atribuído a uma maior aversão ao risco por parte dos investidores e a uma série de fatores, incluindo a política monetária nos EUA e no Japão.
A atual volatilidade é um fenômeno temporário e não um sinal de crise iminente, argumenta o estrategista da RB Investimentos, Gustavo Cruz. O especialista, que tem visão semelhante ao do presidente da Codecon, explica que o fortalecimento do dólar e a recente instabilidade no mercado japonês são reflexos de mudanças nas políticas monetárias globais.
Cruz observa que, enquanto alguns países estão reduzindo as taxas de juros para estimular a economia, outros, como o Japão e o Brasil, ainda enfrentam desafios relacionados à política monetária e à taxa de câmbio. No entanto, ele acredita que esses fatores não são indicativos de uma crise global iminente, mas sim de uma fase de ajuste nas condições econômicas globais.
Cristiane Quartaroli, economista-chefe do Ouribank, também se mostra cautelosa em relação à ideia de uma crise econômica iminente. Ela aponta que a atual volatilidade nos mercados financeiros é mais uma manifestação de incertezas e ajustes econômicos do que um sinal claro de uma crise. Quartaroli destaca que a economia global ainda apresenta fundamentos relativamente fortes, apesar dos desafios enfrentados por algumas economias desenvolvidas, e menciona que o fortalecimento do dólar pode estar ligado à incerteza nos mercados financeiros e à busca por ativos mais seguros, mas não necessariamente a uma crise iminente.
“Movimentação nos últimos dias dos mercados foi bastante exagerada e pessimista”, diz especialista
Apesar da desaceleração econômica global, não há sinais claros de uma crise iminente, diz o analista de inteligência de mercado da Stonex, Leonel Mattos. Ele observa que a volatilidade recente é uma parte natural dos ciclos econômicos e não deve ser confundida com uma crise global. Destaca ainda que a inflação global está moderando e que, apesar das preocupações com o crescimento, os fundamentos econômicos ainda são relativamente sólidos.
Publicidade
“O mundo está passando por um momento em que a maioria dos países agora mostra os efeitos dos apertos monetários, fruto daquele aumento das taxas de juros feitos lá em 2021 a 2023 para controlar a inflação crescente. O efeito é um crescimento mais lento, com um mercado de trabalho um pouco mais fraco, e com a inflação caindo também globalmente”, começa o analista. “Mas eu diria que o mundo ainda tem um desempenho positivo, longe de uma recessão econômica mundial.”
O economista da CM Capital, Matheus Pizzani, também enfatiza que o fortalecimento do dólar e a atual volatilidade não indicam uma crise econômica iminente. “É importante distinguir uma crise econômica de outro processo que deverá ocorrer ao longo do segundo semestre deste ano, que é a desaceleração do nível de atividade, produto do efeito dos juros elevados mundo afora sobre o comportamento da economia. É um movimento que causou acentuada deterioração nas condições financeiras de empresas e famílias, e deve levar ao arrefecimento do nível de demanda agregada global por conta do menor nível de consumo privado”, argumenta.
Recessão americana: onde entra o investidor brasileiro nesta história?
Especialistas alertam que a primeira consequência de uma recessão americana seria um impacto negativo nas bolsas de valores globais. A desaceleração da demanda interna americana, característica de períodos de recessão, tende a pressionar negativamente os mercados acionários e os resultados empresariais.
Investidores com ações em empresas americanas, especialmente em setores cíclicos e menos defensivos, podem enfrentar algumas perdas. Esse impacto não se limita às bolsas dos EUA, mas também afeta bolsas ao redor do mundo e ativos de risco, como ações no Brasil. A aversão ao risco resultante pode reduzir fluxos de capital para mercados emergentes, promovendo uma preferência por investimentos mais conservadores.
Por outro lado, segundo o especialista de investimentos da Ágora, Gabriel Tossato da Silva, uma recessão pode trazer benefícios para investimentos em renda fixa, especialmente para títulos públicos. O fechamento da curva de juros, que pode ocorrer se o Fed reduzir as taxas de juros, pode ser vantajoso para investidores em títulos de curto prazo. Essa redução nas taxas futuras pode oferecer oportunidades para investimentos em renda fixa.
Publicidade
“A situação para títulos de mercado privado pode ser mais complexa. Mesmo com o fechamento da curva de juros, pode haver um aumento nos spreads de crédito [diferença entre os rendimentos de títulos corporativos e os de títulos do governo], afetando negativamente investimentos em dívidas corporativas. A elevação desses spreads pode aumentar os riscos associados a esses investimentos”, diz.
A recessão americana poderia resultar em desaceleração econômica global, afetando a demanda por produtos brasileiros, especialmente commodities, afirma o analista da Ouro Preto Investimentos, Sidney Lima. Isso pode prejudicar a balança comercial do Brasil e reduzir a entrada de dólares no país, levando à desvalorização do real.
Outro ponto que os investidores devem ficar alertas é que a aversão ao risco durante uma recessão pode provocar uma fuga de capitais dos mercados emergentes, incluindo o Brasil, impactando negativamente as ações e títulos de dívida. “Nesses cenários, os investidores devem considerar aumentar a exposição a ativos mais defensivos. Acho válido manter uma parcela de investimentos em dólar, como forma de proteção cambial, já que a moeda americana tende a se valorizar em períodos de crise. Acrescido disso, vale olhar para setores da economia que são menos dependentes do ciclo econômico global, como o setor de utilidades públicas e consumo básico, que podem oferecer oportunidades mais estáveis”, aponta.
Em alguns períodos, como nas décadas de 1970 e 2000, o Brasil teve um desempenho positivo apesar das dificuldades americanas, lembra o sócio da Fundamenta Investimentos, Valter Bianchi Filho. É por isso que, para ele, o impacto de uma recessão nos EUA pode variar. “No momento atual, os EUA estão com um endividamento historicamente elevado, e um câmbio bastante valorizado, e tem atraído muito capital por ser o epicentro do boom ligado à tecnologia, como a inteligência artificial”, analisa.
Publicidade
Se a recessão nos EUA resultar em uma desvalorização do dólar e um ajuste fiscal, conforme Filho, pode beneficiar os exportadores de commodities, como o Brasil. No entanto, um cenário de estagflação, com inflação alta e aumento dos juros pelo Federal Reserve, poderia elevar os juros no Brasil e pressionar as commodities, gerando efeitos negativos.
Por outro lado, o sócio fundador da HCI Invest, Luccas Fiorelli, observa que a recessão americana pode levar à retirada de capital dos mercados emergentes, pressionando ainda mais o real. Com o aumento da aversão ao risco, investidores podem buscar ativos mais seguros, prejudicando o mercado brasileiro.
“Nos últimos anos, com o aumento dos juros nos Estados Unidos, vimos que a bolsa brasileira permanece barata, com ativos precificados em níveis de pandemia. Isso representa uma oportunidade, mas acreditamos que a recuperação do mercado brasileiro depende também de um ajuste fiscal adequado e de um compromisso maior do governo com a responsabilidade fiscal. Caso essas condições sejam atendidas, e o Fed inicie o corte de juros, poderemos ver uma recuperação mais robusta dos ativos no Brasil”, diz.