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Financiamento, compra e aluguel: veja como a reforma tributária ameaça o mercado imobiliário

Agentes do setor projetam mais custo para imóveis com as alíquotas propostas; governo contesta e diz que não é bem assim

Financiamento, compra e aluguel: veja como a reforma tributária ameaça o mercado imobiliário
Imagem: Adobe Stock
  • Potencial ajuste nas taxas de juros pelos bancos deve aumentar ainda mais os custos para os compradores
  • Corretores aceleram negociações com clientes para evitar os novos custos; outros pensam em mudar de carreira
  • Especialista aponta alternativas como FIIs e aplicações isentas de imposto de renda (CRIs, LCIs) para mitigar o impacto das novas taxas

Se o mercado imobiliário não tiver uma alíquota de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) com desconto de 60% sobre o IVA total na reforma tributária, os imóveis vão ficar mais caros tanto para aluguel como para compra, afirmam especialistas ouvidos pelo E-InvestidorA regulamentação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), enviada ao Senado, estipulou um desconto de 40% na alíquota padrão do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), aplicável aos Estados e municípios, e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), do governo federal, para transações envolvendo bens imóveis, e de 60% para operações de locação.

Conforme análises técnico-econômicas realizadas por especialistas, haverá um aumento na carga tributária sobre todos os tipos de moradia. “Em geral, na média, o aluguel aumentaria em 5% a 10%. Os corretores e o potencial morador vão ver claramente o impacto no produto que vai sofrer aumento de preço. Como consequência, menos famílias vão acessar o aluguel, porque vai ser necessário ter uma renda maior”, diz o presidente executivo do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação ou Administração de Imóveis Residenciais ou Comerciais (Secovi-SP), Ely Wertheim. 

Como consequência direta, as parcelas mensais dos financiamentos imobiliários também tendem a se elevar, tornando o acesso ao crédito no setor mais desafiador, especialmente para famílias de baixa renda e classe média baixa, explicam os especialistas. Adicionalmente, a maior carga tributária pode induzir os bancos a ajustarem suas taxas de juros para compensar o aumento do risco, o que potencializa ainda mais os custos do financiamento para os compradores.

Mas o impacto econômico não se restringe apenas a quem quer assinar a papelada para ter a propriedade. A expectativa é de que a nova tributação deve diminuir a demanda por imóveis, uma vez que muitos potenciais compradores podem não ter capacidade financeira para absorver os custos adicionais, segundo o especialista em finanças Marlon Glaciano.

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“Esse cenário pode desacelerar o mercado imobiliário, afetando tanto as vendas quanto a construção de novos imóveis, e gerar um impacto negativo na economia, visto que o setor é um grande gerador de empregos e investimentos”, diz. “A combinação de aumento de custos, redução de demanda e possíveis ajustes nas taxas de juros pode criar um ambiente desafiador para compradores e investidores, comprometendo o crescimento do mercado imobiliário no País”, completa Glaciano.

O Ministério da Fazenda aponta que uma redução mais próxima de 40% deve equilibrar a carga tributária atual de incorporação imobiliária, e que essa porcentagem proposta na reforma tributária está em linha com o impacto atual das mudanças planejadas, o que é importante para entender como isso afetaria os custos e os preços dos imóveis no mercado.

Reforma tributária complica para quem vende e para quem compra

Não é à toa que o corretor imobiliário Guilherme Ferreira tem acelerado seus clientes para fechar negócio o quanto antes. Ele diz que essa abordagem ajuda os dois lados: o profissional e o cliente. “Eu estou ajudando meus clientes a economizarem dinheiro e guardando meu porcentual de retorno na poupança porque não sei como vai ser depois dessa reforma. Até agora estou me dando bem, mas talvez meu trabalho fique bem mais difícil depois”, diz.

A também corretora de imóveis em São Paulo, Mariana Silva, tem uma visão mais pessimista sobre o futuro do mercado. Com a reforma tributária, ela estima perder clientes que, provavelmente, devem se sentir desencorajados pelos altos custos adicionais. “Tenho recebido ligações de clientes preocupados com os aumentos previstos. Alguns já desistiram de comprar e outros estão reconsiderando”, explica. Diante desse cenário, ela avisa que está pensando em mudar de carreira. “Se antes já era difícil, agora periga ficar impossível. A instabilidade e a pressão financeira estão tornando meu trabalho insustentável. Estou explorando outras áreas, talvez algo fora do mercado imobiliário”, revela Silva.

Se para quem vende o setor deve complicar os negócios, quem pretende comprar também já se diz assustado com o que está por vir. É o caso do motorista de aplicativo Carlos Almeida, de 43 anos. Em sua lista de objetivos na vida, conta, está o sonho de sair do aluguel e ter a casa própria. Almeida diz que até tem guardado parte do dinheiro para dar entrada no imóvel, mas está lutando para conseguir um financiamento que caiba no bolso. Endividado, resta ao motorista pagar as contas e tirar o nome dos órgãos de proteção ao crédito para que tenha mais chances de conseguir o subsídio.

Só que ele diz que o problema está justamente aí: só vai conseguir terminar de pagar essa dívida em 2028, quando a reforma tributária já estiver sido aprovada. “Tenho visto os preços dos imóveis subirem e, com os novos impostos, temo que nunca vou conseguir financiar meu apartamento”, desabafa. Carlos já foi aprovado para um financiamento, mas, com os novos custos previstos e as altas taxas de juros, ele não consegue fechar o negócio. “Estou com medo de que, se eu esperar mais, os preços vão ficar ainda mais inacessíveis”, lamenta.

O Ministério da Fazenda discorda do alarde dos especialistas e diz que, atualmente, a compra e venda de imóveis por pessoas físicas que possuem um ou dois imóveis, de maneira ocasional, não é tributada, e afirma que esse modelo continuará da mesma forma no novo modelo tributário. Ou seja, a transação imobiliária realizada por pessoas físicas, que não fazem disso uma atividade principal, permanecerá isenta de tributação.

Construtoras precisam ser ágeis, diz tributarista

A reforma tributária também vai trazer mudanças para as construtoras imobiliárias, especialmente no que diz respeito ao Regime Especial de Tributação (RET) e outras modalidades simplificadas de pagamento de impostos federais, projetam tributaristas.

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Atualmente, as incorporadoras podem optar pelo RET, conforme estabelecido pela Lei 10.931, de 2004. Esse regime, conforme especialistas, permite que a empresa constitua um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) específico para cada empreendimento imobiliário. Sob o RET, o imposto é calculado como 4% da receita mensal recebida, compensando o Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Contribuição Social devidos pelo empreendimento.

Alternativamente, as incorporadoras podem optar pelo lucro presumido, em que o Imposto de Renda (IR) é calculado com base em uma margem presumida de lucro.

As normas da Reforma Tributária definem a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que em conjunto formarão o Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Este imposto substituirá os cinco tributos atualmente aplicados ao consumo: Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto sobre Serviços (ISS).

Diante das mudanças, o tributarista Francisco Lisboa Moreira afirma que os contribuintes, especialmente as incorporadoras imobiliárias que se beneficiam de regimes específicos como o RET, precisam se preparar para uma transição complexa. “Elas [as incorporadoras] vão precisar ou ter uma maior celeridade nos lançamentos ou vão ficar presas com unidades que foram construídas no regime anterior e vão ter que ser vendidas no regime novo. E a gente ainda tem uma tendência grande de uma série de situações cuja regulamentação desse período de transição ainda vai ficar dependente”, analisa. 

Para os compradores de unidades imobiliárias, Moreira também acredita que haverá um aumento no valor dos imóveis e uma possível elevação nos custos de financiamento, já que o impacto tributário será incorporado nos preços finais. Isso pode resultar na necessidade de financiamentos mais altos para cobrir esses novos custos tributários.

Entretanto, o Ministério da Fazenda esclarece que na incorporação imobiliária atualmente as empresas pagam a contribuição para o PIS/Pasep, que pode variar de 3,65% no regime cumulativo até 2,08% no regime especial de tributação. No entanto, as incorporadoras não têm direito a recuperar créditos desses impostos. Isso significa que quando compram materiais de construção ou contratam serviços de construção que já incluem tributos, elas não podem deduzir esses valores pagos dos impostos devidos. Consequentemente, o impacto total dessa tributação é significativo, representando aproximadamente 8% do preço final do imóvel, de acordo com estimativas do setor.

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No novo modelo proposto, que está em discussão no Senado, o Ministério da Fazenda afirma que as incorporadoras terão a capacidade de recuperar créditos de impostos sobre materiais de construção e serviços contratados. Segundo o órgão, isso representa uma mudança  em relação ao sistema atual, onde esses créditos não são recuperáveis.

Além disso, o imposto incidirá sobre o valor da venda do imóvel, deduzindo um redutor de ajuste que corresponde ao custo do terreno onde será construído o empreendimento. Para imóveis populares, há um redutor adicional chamado redutor social, de R$ 100 mil por unidade, o que impacta a tributação para esse segmento. Em contrapartida, a alíquota aplicada será reduzida em 40% em relação à alíquota padrão sobre o custo, segundo o Ministério da Fazenda.

As estimativas sobre o impacto no preço dos imóveis variam entre os setores envolvidos. Enquanto o Ministério da Fazenda projeta uma redução de cerca de 4% nos preços de imóveis populares e um aumento de 3% a 4% nos imóveis de alto padrão, o setor da construção civil estima que esse impacto pode ser um pouco maior, refletindo diferentes suposições e cenários considerados.

Como a reforma tributária vai afetar investidores imobiliários?

Qualquer mudança nas políticas tributárias pode ter um impacto nos investimentos imobiliários, afetando diretamente a rentabilidade dos investidores, afirma o sócio e especialista da mesa de renda fixa da One Investimentos, João Ferreira. De acordo com ele, se aprovada, a nova alíquota de desconto de aproximadamente 40% para ganhos de capital em imóveis deve implicar em uma tributação final em torno de 15%, modificação que se reflete na rentabilidade calculada tanto para transações de compra e venda quanto para receitas de aluguel.

Para o especialista, a projeção de rentabilidade sob esse novo panorama apresenta desafios, dada a ampla variação nos tipos de imóveis e nos segmentos de mercado específicos. Imóveis de diferentes padrões e preços de aquisição podem alterar os resultados finais para os investidores. Para contextualizar, Ferreira aponta as taxas de tributação em investimentos financeiros tradicionais, como ações e renda fixa, que geralmente variam em torno de 15%, com fundos de investimento sujeitos a porcentuais que podem alcançar até 22,5%.

O impacto da tributação também se estende à comparação entre investir em imóveis e outras formas de aplicação financeira, segundo o especialista. Investimentos isentos de Imposto de Renda, como Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), Certificados de Recebíveis Agrícolas ou Imobiliários (CRAs), Letra de Crédito Imobiliário (LCIs), Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) e debêntures incentivadas, podem se mostrar como alternativas mais atrativas, oferecendo aos investidores uma vantagem competitiva em termos de rentabilidade líquida. “Vai depender um pouco da circunstância e do contexto. Eu acho que mais atraente do que um imóvel no atual contexto são as aplicações isentas de Imposto de Renda, porque, de novo, o objetivo aqui é fugir dessa tributação”, analisa Ferreira.

Diante desse cenário, estratégias para minimizar o impacto das novas taxas da reforma tributária incluem o direcionamento para fundos de investimento imobiliário (FIIs), que continuam a oferecer dividendos isentos de Imposto de Renda para pessoas físicas. “Para aqueles investidores que gostam do setor, mas querem alguma coisa mais com perfil de renda fixa, aí pode-se optar pelas CRIs ou pelas LCIs. Só que um é um ativo bancário e o outro é um ativo de crédito corporativo, mas que também o investidor vai contar com esse benefício fiscal de isenção tributária”, aconselha.

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O estrategista-chefe da RB Investimentos, Gustavo Cruz, analisa que limitar o uso do FGTS para a compra de imóveis usados, medida proposta para a reforma, deve incentivar mais investimentos em imóveis novos. Isso, segundo ele, pode afetar tanto investidores quanto consumidores, potencialmente reduzindo os preços de imóveis usados e tornando os novos mais competitivos no mercado. “É importante notar que fundos imobiliários geralmente não investem em imóveis usados, focando em outros segmentos do mercado imobiliário. Essa mudança tributária pode, portanto, ter um impacto diferenciado dependendo do tipo de investimento imobiliário considerado”, diz.

Para mitigar o impacto das novas alíquotas, investir em empresas multinacionais ou exportadoras pode ser uma estratégia eficaz porque, de acordo com Cruz, elas são menos afetadas pela tributação nacional devido às suas operações globais. Outra estratégia do analista é diversificar a carteira de investimentos para reduzir a dependência de um setor específico, como imobiliário, bancário, petróleo ou mineração para maximizar oportunidades em diferentes mercados.

Investir em ativos internacionais, como fundos de ações globais ou renda fixa global, também pode ser uma forma de se expor a mercados externos e diversificar ainda mais os investimentos, reduzindo a exposição às mudanças fiscais locais, de acordo com Cruz.

Em contrapartida, o Ministério da Fazenda diz que não há o que temer nos negócios imobiliários. Aponta que, sob o novo modelo tributário, os investidores que operam através de empresas e constroem vários imóveis para aluguel poderão recuperar 100% dos créditos de impostos pagos na construção desses imóveis. Isso representa uma mudança em relação ao sistema atual, em que os créditos não são recuperáveis. Afirma também que pequenos investidores que possuem um ou dois imóveis para alugar e operam como pessoa física não terão impacto após as mudanças, já que eles não recuperam créditos e geralmente não enfrentam tributação sobre o aluguel.

O órgão diz ainda que os investidores imobiliários poderão recuperar imediatamente os créditos de impostos na construção dos imóveis novos. Para investidores com imóveis mais antigos, pode haver um pequeno aumento na tributação, mas esse aumento seria marginal e não tão relevante.

Impacto

  • Segundo as estimativas do Ministério da Fazenda, a reforma tributária poderia resultar em uma pequena redução de cerca de 3% a 4% no preço dos imóveis populares. Por outro lado, os imóveis de alto padrão poderiam ter um pequeno aumento nessa faixa de 3% a 4%;
  • Essas projeções não consideram os efeitos positivos adicionais que a reforma poderia ter na produtividade do setor imobiliário, como o estímulo ao uso de estruturas pré-fabricadas, que são mais eficientes em termos de custo de produção. A recuperação total de créditos de impostos sob o novo modelo incentivaria as incorporadoras a adotar práticas mais eficientes, o que poderia reduzir os custos econômicos de produção;
  • O setor da construção civil, no entanto, argumenta que o impacto real nos preços dos imóveis pode ser ligeiramente superior ao estimado pelo Ministério da Fazenda, sugerindo um aumento de cerca de 3% além das projeções do governo.

Como fica o aluguel de imóveis

  • Aluguel por pessoa física: não haverá tributação para pessoas físicas que alugam um, dois ou três imóveis. O aluguel continuará isento de impostos nesses casos;
  • Aluguel por pessoa jurídica: para imóveis residenciais alugados por pessoas jurídicas, está prevista uma redução na alíquota de 60% em relação à carga tributária atual. Além disso, haverá um redutor social de R$ 400,00 por mês. Isso significa que a tributação será significativamente reduzida para esses casos;
  • Recuperação de créditos: atualmente, no modelo vigente, o aluguel de imóveis paga PIS/Cofins, sem possibilidade de recuperação de créditos para a empresa que aluga o imóvel. Com o novo modelo, as empresas poderão recuperar 100% dos créditos sobre despesas relacionadas à construção e manutenção dos imóveis alugados. Isso inclui não apenas os custos de construção, mas também os de manutenção;
  • Impacto para empresas e pessoas físicas: a alíquota reduzida de 10,6% (60% da alíquota padrão) será aplicada para empresas que alugam imóveis. Se o imóvel for alugado para uma empresa que é contribuinte, essa companhia poderá recuperar créditos, o que reduzirá o custo final do aluguel. Para aluguéis residenciais de valores mais baixos, o redutor social também terá um efeito positivo, reduzindo a carga tributária.

 

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