- Na tradicional carta aos acionistas, Buffett diz que gostaria de pagar mais impostos na próxima década
- Ele também criticou a contabilidade criativa das empresas, e afirmou que empresas podem alterar o lucro líquido por meio de manobras contábeis
- Na carta, Buffett não toca no assunto de sua aposentadoria, que era aguardado pelos investidores
Nada sobre desinvestimentos polêmicos ou quanto à possibilidade de passar o bastão. Em sua tradicional carta anual a acionistas, o CEO da Berkshire Hathaway, Warren Buffett, manteve o otimismo sobre a economia dos Estados Unidos e teceu críticas à ‘contabilidade criativa’ adotada em algumas empresas, um alerta importante em meio a escândalos como as crises da Lojas Americanas (AMER3) e do ressegurador IRB Brasil Re, às vésperas da pandemia e que envolveu a holding. Prestes a completar 93 anos, o ‘oráculo de Omaha’, como ficou conhecido, enfatizou ainda o desejo de pagar mais impostos na próxima década.
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Publicada na manhã deste sábado, a carta de Buffett a acionistas da Berkshire tem sido escrita há cerca de seis décadas e se tornou uma espécie de tradição, lida por investidores em todo o mundo. No documento de 11 páginas, o bilionário faz uma defesa ao desempenho da Berkshire, sediada em Omaha, no Nebraska, nos Estados Unidos, e que investe em nomes parrudos como Coca-Cola, Apple e American Express, e analisa investimentos bons, mas também as apostas que não deram tão certo como a participação no banco de investimentos Salomon Brothers.
“Ao longo dos anos, cometi muitos erros… Em alguns casos, também, más jogadas minhas foram resgatadas por doses muito grandes de sorte”, escreveu Buffet.
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O bilionário decepcionou expectadores, porém, ao não mencionar o polêmico desinvestimento da Berkshire na fabricante taiwanesa de chips TSMC, anunciado há dez dias. O movimento ocorreu cerca de três meses após a holding ter relevado a compra de cerca de US$ 4 bilhões em ações da empresa.
Apesar da expectativa do mercado quanto à novidades sobre sua aposentadoria, Buffett também não escreveu uma linha sequer sobre o assunto. Prestes a completar 93 anos, Buffett fez um “aviso importante” ao criticar a ‘contabilidade criativa’ adotada por algumas empresas e a forma como executivos, analistas e a própria imprensa lidam com o tema.
O megainvestidor alerta para o fato de que o lucro operacional das empresas pode ser facilmente manipulado e que adulterações nos números costumam ser consideradas “sofisticadas” por CEOs, diretores e seus consultores. Por outro lado, repórteres e analistas também aceitam sua existência. “Superar as ‘expectativas’ é anunciado como um triunfo gerencial. Essa atividade é repugnante”, critica o oráculo. “Não é necessário talento para manipular números: é necessário apenas um profundo desejo de enganar”, acrescenta.
Seu recado ocorre em meio à crise da Lojas Americanas, que tem o trio Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles como acionistas de referência. Juntos, eles lideram a 3G Capital, com a qual Buffet detém negócios. O oráculo não fez referências ao trio, mas deixou seu recado sobre o que pensa para quem se aproveita da contabilidade, o que, na sua visão, é uma das “vergonhas” do capitalismo. Em 2017, Buffet disse que os sócios da 3G seguiam a “fórmula padrão capitalista”, em entrevista à emissora de televisão ‘CNBC’.
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Outro caso contábil que respinga na gigante Berkshire é a crise do IRB Brasil Re, deflagrada às vésperas da covid-19. A derrocada do ressegurador teve início por conta de uma carta da gestora carioca Squadra, que identificou inconsistências nos números da companhia, em fevereiro de 2020. A situação se agravou com o uso de informações falsas envolvendo a Berkshire Hathaway. Apesar de o IRB divulgar a analistas de mercado que Buffett era investidor no ressegurador, o bilionário veio a publico desmentir a afirmação.
Para Buffet, confiança e regras são “essenciais” às grandes empresas e, no caso da Berkshire, o segundo ponto é o principal ainda que alguns considerem suas exigências “extremas”. “As decepções são inevitáveis. Estamos entendendo sobre erros de negócios; nossa tolerância para má conduta pessoal é zero”, escreve o “Oráculo de Omaha”, na carta.
O bilionário também usou o documento para reforçar a sua disposição em pagar mais impostos na próxima década. Sua sinalização ocorre em um momento que os Estados Unidos atravessam um embate quanto à ampliação do teto de sua dívida. O limite de US$ 31,4 trilhões foi atingido em 19 de janeiro. Desde então, o Tesouro norte-americano passou a adotar medidas extraordinárias para tomar empréstimos e continuar honrando suas obrigações sem violar o teto da dívida.
Na década encerrada em 2021, o Tesouro dos Estados Unidos recebeu cerca de US$ 32,3 trilhões em impostos, enquanto gastou US$ 43,9 trilhões, segundo dados mencionados por Buffett. Nesse período, diz, a contribuição da Berkshire foi de US$ 32 bilhões, cerca de um décimo de 1% de todo o dinheiro arrecadado pelo Tesouro.
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Em seu discurso do Estado da União, no começo do mês, o presidente dos EUA, Joe Biden, defendeu que os bilionários paguem mais impostos.
“Na Berkshire, esperamos pagar muito mais impostos durante a próxima década”, diz Buffet, na carta.
Ao justificar o desejo de pagar mais impostos, o bilionário enalteceu a economia norte-americana e pediu que os investidores sejam pacientes. Ele credita os resultados da Berkshire ao vento de cauda dos EUA e afirma que, embora tenha parado de tempos em tempos, sua “força propulsora sempre voltou”. Apesar dos temores quanto ao desempenho da maior economia do mundo, com muitos prevendo uma recessão à frente, o oráculo afirma que não vê sentido em reforçar o coro dos pessimistas.
“Eu tenho investido por 80 anos – mais de um terço da vida do nosso país. Apesar da propensão – quase entusiasmo – de nossos cidadãos à autocrítica e à dúvida, ainda não vi um momento em que fizesse sentido fazer uma aposta de longo prazo contra a América”, analisa Buffet.
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Quanto ao desempenho da Berkshire, disse que a holding teve um “bom ano” apesar do resultado no vermelho. A companhia reportou prejuízo de US$ 22,819 bilhões em 2022, revertendo o lucro líquido de R$ 89,795 bilhões no ano anterior.
O bilionário também reafirmou o seu caso de amor com o mercado de seguros ao enaltecer os negócios neste segmento, dentre eles, a compra da seguradora Alleghany Corporation, feita em 2022. Com a aquisição, o fluxo de caixa gerado pela atividade securitária, o chamado ‘float’ no jargão de mercado, avançou de US$ 147 bilhões para US$ 164 bilhões.
Segundo Buffet, desde a compra da primeira seguradora da Berkshire, em 1967, o float saltou 8.000 vezes. O ativo é uma importante fonte de resultados. Isso porque como as seguradoras cobram antes de prestar serviços, acumulam muitos recursos que podem render antes de terem de fazer frente a indenizações. “Esse float tem sido um ativo extraordinário para a Berkshire”, chancela o oráculo de Omaha.