Ibovespa vem acumulando uma sequência de recordes este ano. (Imagem: Adobe Stock)
O Ibovespa bateu um novo recorde. A frase, impensável para boa parte do mercado na virada do ano, já foi repetida 18 vezes em 2025, uma sequência que fez o principal índice de ações da B3 superar os 148 mil pontos pela primeira vez na história nesta quarta-feira (29). Antes de maio, o IBOV nunca havia ultrapassado os 138 mil pontos.
O bom desempenho do Ibovespa se deve a uma série de fatores, muitos deles ligados ao exterior. Por causa disso, especialistas têm apontado certo descasamento entre a performance da Bolsa e o humor de investidores locais – boa parte deles, está “de fora da festa”.
Ricardo França, analista da Ágora Investimentos, explica que os brasileiros ainda estão adotando uma postura cautelosa em relação ao investimento em ações, com desafios à frente em um cenário macroeconômico de juros altos que beneficia as aplicações mais conservadoras. Os gringos, por outro lado, têm comprado Brasil dentro de um movimento global, que vem acontecendo há meses.
Com o enfraquecimento do dólar, as Bolsas americanas nas máximas e a taxa de juros dos Estados Unidos começando a cair, o capital internacional está começando a diversificar a alocação, que vinha “sobre comprada” no mercado americano há anos, para outras geografias. Emergentes ganham destaque, incluindo o Brasil.
França destaca que o desempenho do Ibovespa é ainda maior se ajustado pelo dólar. Mas é um movimento que está acontecendo em muitos outros países; Espanha, México, Japão e muitos mercados também têm altas de dois dígitos neste ano.
“Não parece ser uma exclusividade do Brasil, porque dezenas de outros mercados apresentam altas expressivas. Nossa maior convicção é de que se trata de um movimento global de aquecimento do dólar, que tem impulsionado um processo de migração de capital para outras regiões além dos Estados Unidos”, explica o analista da Ágora.
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Apesar da máxima do IBOV, muitas ações continuam sendo negociadas abaixo das médias de preço sobre lucro (P/L), uma das principais métricas de valuation usadas no mercado. Com os papéis “baratos” e o diferencial de juros entre o Brasil e os EUA aumentando – por aqui, a Selic está parada enquanto, lá fora, o Federal Reserve já fez dois cortes nos últimos meses –, o País acaba recebendo maior fluxo internacional.
“Nossa Bolsa é uma das mais baratas do mundo, negociando abaixo de 9 vezes P/L, enquanto os EUA negociam a 23 vezes P/L”, destaca Max Bohm, estrategista de ações da Nomos. “Os estrangeiros estão aportando aqui e devem continuar aportando nos próximos meses.”
Investidor de fora da festa
Apesar da sequência de recordes, o clima entre investidores locais não é “de festa”, apontam muitos especialistas. Boa parte daqueles indicadores tradicionais de um bull market não estão ocorrendo.
A B3 segue sem registar nenhuma operação de abertura de capital desde o fim de 2021; na ponta contrária, cada vez mais empresas têm optado pela saída da Bolsa. Os fundos de renda variável continuam registrando resgates, com saída de R$ 52 bilhões em ações e de R$ 56 bi nos multimercados, segundo dados da Anbima.
E boa parte dos investidores também continuam de fora da Bolsa. Dados da B3 mostram que a participação do investidor pessoa física caiu de 21,4% do todo em 2020 para 12,6% do total este ano. São os estrangeiros que estão segurando o fluxo: em cinco anos, a representação deste grupo subiu de 46,6% para 58,3%. Até a terça-feira (28), os gringos tinham investido R$ 24,3 bilhões na B3 em 2025.
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“A Bolsa ficou com uma quantidade menor de empresas negociando suas ações, tiveram vários fechamentos de capital, várias recompras de ações. Com pouco dinheiro, o estrangeiro já movimenta a Bolsa”, diz Max Bohm, da Nomos.
Para Ricardo França, da Ágora, o investidor estrangeiro é mais pragmático e está comprando Brasil dentro de um movimento maior de investimento em diferentes localidades graças ao enfraquecimento do dólar. Por aqui, ainda há outros gatilhos para levar o investidor pessoa física de volta aos investimentos de risco. Queda da taxa de juros, maior visibilidade em relação ao fiscal, eleições presidenciais em 2026.
“O processo gradual de queda de juros, historicamente, é muito positivo, pois cria condições para que as empresas tenham melhores resultados, com redução da dívida e um ambiente econômico que estimula o consumo. Isso deve permitir que novos investidores entrem ou aumentem sua posição em renda variável”, explica.
Uma dinâmica que deve ficar mais evidente ao longo do próximo ano, para quando o mercado projeta o início do ciclo de cortes na Selic, atualmente em 15% ao ano. Sem essa redução, a renda fixa acaba tomando o lugar nas carteiras do investidor, especialmente a pessoa física. E, sem o varejo, o recorde do Ibovespa não passa a sensação de euforia.
“A sensação de ‘falta de festa’ vem do fato de que a alta é concentrada e pouco participativa. O cenário de juros altos, a ausência de novas ofertas e os resgates em fundos reduzem a liquidez doméstica e mantêm o mercado mais técnico que eufórico”, afirma Gabriel Mollo, analista de investimentos da Daycoval Corretora.
Em resumo, o Ibovespa está em recorde, mas o sentimento ainda é de recuperação silenciosa, não de euforia generalizada, diz.
Recorde em dólares ainda distante
No mercado local, alguns players têm apontado que parte desse descasamento entre o bom desempenho da Bolsa e o sentimento dos investidores locais tem a ver com o efeito cambial. Em dólares, o Ibovespa ainda está bem distante do all time high, mesmo nos atuais 148 mil pontos.
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Dados levantados por Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta Consultoria e colunista do E-Investidor, mostram isso: o recorde do IBOV em dólares foi registrado em 2008, quando o índice superou 44 mil pontos. Hoje, com a conversão cambial, o patamar é de 27 mil pontos.
Isso também ajuda a explicar a baixa euforia no mercado local, afirma Mollo, da Daycoval Corretora. “O descompasso vem, principalmente, do efeito cambial. Embora o Ibovespa esteja em recorde em reais, parte do ganho se perde quando convertido em dólares, já que o real permanece volátil e ainda distante dos níveis de valorização observados em ciclos anteriores”, pontua. “Ainda assim, a máxima em reais é relevante — indica que as empresas voltaram a gerar valor e que há fluxo comprador consistente.”
Mas aquele patamar de 2008 pode não ser o melhor parâmetro, alerta João Daronco, analista CNPI da Suno Research. Ele explica que, naquela época, o Brasil saía como um dos grandes beneficiados de um conjuntura global diferente, de dólar muito fraco e boom das commodities. “É um ponto muito fora da curva que é difícil de se repetir. Não dá para basear como o all time high da Bolsa“, diz.