A medida obriga as instituições financeiras a anteciparem as ‘provisões’, dinheiro reservado para cobrir os calotes dos clientes. Analistas do mercado financeiro dizem que a norma, que aparenta ser inofensiva, acaba tendo efeito sobre o caixa das empresas, podendo potencialmente reduzir os dividendos dos bancos ao longo de 2025, e não somente do BB.
A nova resolução substitui a normativa 2.682 e visa alinhar as práticas contábeis dos bancos brasileiros às internacionais pelo padrão IFRS 9, exigindo classificação dos ativos e introduzindo o modelo de perda esperada em três estágios. O primeiro estágio é para clientes de baixo risco: a provisão é feita nas expectativas de calotes para os próximos 12 meses quando há um atraso inferior ou igual a 30 dias. No estágio dois, o risco é considerado significativo: a provisão para perdas esperadas é calculada com base na duração do contrato para atrasos entre 31 e 90 dias. Já no terceiro estágio, o cliente é visto com altíssimo risco e deve ter todo o risco de calote provisionado, principalmente quando atrasa acima de 90 dias.
Com esses estágios, a norma obriga que os bancos façam as provisões antecipadamente e não apenas no momento em que ocorriam, como anteriormente. Segundo Gianluca Di Mattina, especialista em investimentos da Hike Capital, essa questão da provisão está em fase de transição desde 2023. Em 2024 os bancos aplicam 60% do impacto, em 2025 passam a aplicar 80%, e a implementação total ocorrerá em janeiro de 2026.
No consenso entre os analistas ouvidos pela reportagem, o Banco do Brasil é a companhia mais impactada pela nova resolução. Para André Vasconcellos, professor da Trevisan Escola de Negócios, o BB foi o mais afetado por uma confluência de fatores estruturais, operacionais e regulatórios. Ele explica que a disparada de 1,85 ponto porcentual na inadimplência em sua carteira de crédito do setor rural, de 1,19% no primeiro trimestre de 2024 para 3,04% no primeiro trimestre de 2025, foi um dos fatores que pesaram negativamente com a entrada em vigor da resolução.
Isso porque o segmento está repleto de empresas em recuperação judicial, o que exige que o banco provisione antecipadamente os possíveis calotes.
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“Em segundo lugar, o Banco do Brasil ainda adotava práticas contábeis mais tradicionais — alinhadas à norma anterior. Enquanto bancos privados como Itaú (ITUB4) e Bradesco (BBDC4) já vinham incorporando, voluntariamente, elementos de perda esperada em seus modelos, o BB teve de realizar um ‘salto regulatório’ de uma só vez em 2025”, diz Vasconcellos.
Em meio às dificuldades, o próprio BB disse, em entrevista coletiva com a imprensa, que vai solicitar ajuda ao Banco Central para tentar reduzir os danos da nova resolução em relação à carteira do agronegócio. “Vamos iniciar essa conversa com o BC para uma proposição de análise dessa carteira de uma forma diferente, considerando as peculiaridades dela, mas esse tema ainda não está avançado com o Bacen. Esse comportamento da carteira do agro é de entendimento e interpretação complexos”, afirmou a presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros, no fim da primeira quinzena de maio.
Esses problemas fizeram o Banco do Brasil perder parte do prestígio que tinha com o mercado, sobretudo após deixar o guidance sem previsão para lucro e provisões. Na segunda-feira, a XP Investimentos reduziu as estimativas dos dividendos do Banco do Brasil de 11,2% para 8,2% para 2025.
“Em conjunto, essas mudanças sinalizam um enfraquecimento do momento da ação, levando-nos a rebaixar nossa classificação para neutro”, relatam os especialistas. Os próximos impactos sobre o BB ainda são uma incógnita para o mercado, visto que o banco ainda não divulgou nenhuma projeção definitiva para 2025.
Quais serão os impactos sobre Bradesco, Santander e Itaú?
Bruno Benassi, analista de Ativos da corretora Monte Bravo, explica que Santander (SANB11) e Bradesco (BBDC4) também devem sentir os impactos da mudança da norma, mas em uma escala muito menor, com efeitos mais limitados nos dividendos. Segundo ele, o Santander, que tem uma carteira de agronegócio significativa de R$ 55,4 bilhões, deve sentir o mesmo problema pelo qual o Banco do Brasil está passando, mas em proporções bem menores. Isso porque essa fatia equivale a 8,1% da carteira de crédito do banco, de R$ 682,29 bilhões. O número é muito menor que a carteira de crédito do agronegócio do BB, que equivale a 33,4% de toda a carteira expandida da companhia.
Fernando Camargo Luiz, sócio fundador da Garoa Wealth Management, diz que no caso do Bradesco a reestruturação pode pesar ainda sobre o risco do mix de produtos oferecidos pela empresa. De acordo com Camargo Luiz, isso deve ficar mais claro com a piora do cenário de crédito no segundo semestre de 2025, quando a Selic elevada e a inflação acima do teto da meta devem surtir efeito sobre os tomadores de crédito, com uma possível elevação da inadimplência do varejo.
O Itaú tende a ser menos penalizado que os concorrentes, diz Gianluca Di Mattina, especialista em investimentos da Hike Capital. O banco tem crédito de melhor qualidade e maior capacidade de gestão de risco, explica Di Mattina. Isso é reflexo do foco do Itaú na concessão para a alta renda, setor resiliente em momentos de maiores solavancos de juros e inflação.
André Vasconcellos, da Trevisan, lembra ainda que Itaú, Santander e Bradesco ainda podem ser impactados por já terem adotado a resolução em seus balanços. A norma permite diluir o impacto inicial da adoção ao longo de três anos (2025 a 2027). “Isso significa que parte do efeito da mudança ainda não apareceu completamente nos resultados de 2025. Em 2026 e 2027, novas parcelas do ajuste patrimonial inicial ainda serão absorvidas gradualmente, com impacto no capital contábil e nos indicadores regulatórios (como o Índice de Basileia)” afirma.
Dividendos dos bancos podem ser reduzidos pela nova norma do CMN?
O Índice de Basileia, como apontado por Vasconcellos, pode ser impactado ao longo dos próximos anos. O indicador é o capital do banco empregado nos empréstimos: uma companhia com basileia em 13% tem cerca de 13% de seu capital em empréstimos para os seus clientes. No Brasil, o índice deve ficar em pelo menos 11% – caso ele fique acima desse patamar, o banco fica com o caminho livre para pagar dividendos com o excesso.
No entanto, com a nova resolução, a situação dos dividendos pode dificultar. Bruno Benassi, analista de Ativos da corretora Monte Bravo, diz que a medida não obriga os bancos a reforçarem sua base de capital. Porém, como ela pode acelerar o provisionamento das instituições, ela pode impactar os lucros dos bancos, o que acabaria por prejudicar a base de capital, principalmente daqueles que têm uma base mais apertada.
Com base nessas premissas, os quatro analistas possuem estimativas de que os proventos dos bancos devam ficar abaixo dos dois dígitos ao longo de 2025. Para o Itaú, as projeções vão de um rendimento de 3,57% até 8%. Para o Banco do Brasil, as perspectivas são de dividendos entre 7% e 11%. No caso do Bradesco, as projeções são de um rendimento entre 5,7% e 8,5%. Para o Santander, os especialistas esperam um rendimento em proventos de 4,5% a 7,5%.
Em resumo, os analistas estimam que as maiores instituições financeiras do Brasil devem ser afetadas pela medida até o término da transição. No entanto, uma das companhias é mais bem preparada – o Itaú. Segundo os analistas, a ação do banco é a melhor para o investidor ter na carteira agora. “O banco combina rentabilidade, medida pelo ROE (Retorno sobre o Patrimônio), de 23% com balanço resiliente, menor sensibilidade à resolução n. 4.966”, argumenta Fernando Camargo Luiz, da Wealth Management, ao recomendar o Itaú, em linha com os demais analistas consultados pelo E-Investidor após estimarem os dividendos do bancos.