

A semana do maior mercado de investimentos do mundo está sendo marcada por uma pauta que parecia pertencer apenas aos emergentes: risco de interferência política no Banco Central americano.
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A semana do maior mercado de investimentos do mundo está sendo marcada por uma pauta que parecia pertencer apenas aos emergentes: risco de interferência política no Banco Central americano.
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As críticas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao trabalho do Federal Reserve e seu presidente, Jerome Powell, não são novas. Em sua rede social, Truth Social, o executivo vem chamando Powell de “too late” desde meados de junho; uma forma de dizer que o Fed estaria atrasado no ciclo monetário. Ele já chegou a dizer que o presidente do Fed deveria renunciar, chamou-o de “tolo” (“fool” em inglês, que também poderia significar idiota ou bobo); e clamou pela queda de juros.
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Esta semana, no entanto, o assunto voltou a rondar investidores globais depois que Trump demitiu Lisa Cook, diretora do Fed, por supostas alegações de impropriedade em empréstimos hipotecários.
Otávio Araújo, consultor sênior da ZERO Markets Brasil, explica que as críticas públicas do presidente americano à instituição monetária já vinham gerando ruído, mas a demissão de Cook foi o estopim para que o receio de uma interferência política e de ameaça à independência da instituição voltassem ao radar.
“O mercado global, e mesmo o norte-americano, está precificando uma ameaça à independência do Fed, até porque, tradicionalmente, o Banco Central norte-americano sempre foi visto como um pilar de independência institucional e é justamente essa credibilidade que sustenta a confiança dos investidores, no dólar e nos treasuries”, explica Araújo. “Porém, esse cenário vem mudando com a atuação abusiva do Trump.”
Em geral, especialistas explicam que ataques à independência de um banco central, com possibilidade de interferência política nas decisões, fazem o mercado cobrar um prêmio de risco maior para investir naquele país, o que se traduz em uma abertura na curva de juros, oscilações no câmbio e baixas nos ativos de renda variável. Essa é uma história que investidores brasileiros conhecem bem.
2023, primeiro ano deste terceiro mandado do presidente Lula (PT), foi marcado por embates públicos entre o Executivo e o então presidente do Banco Central, Robeto Campos Neto. As críticas começaram direcionadas ao patamar da taxa Selic, à época a 13,75% ao ano. Depois, o discurso acabou personificado na figura de RCN.
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Com a troca no comando do Banco Central no fim de 2024, o mercado reagia mal a todos os embates, e passou a colocar na conta a possibilidade de que o então futuro presidente do BC – Gabriel Galípolo, que assumiu a cadeira este ano, mas na ocasião ainda era apenas o favorito à indicação – pudesse tomar decisões menos independentes. Leia-se: cortar os juros antes da hora para aliviar a economia e favorecer a popularidade do governo, sem que a inflação tenha permitido um movimento de afrouxamento monetário.
Lá fora, quando Trump ameaça Powell ou discursa pelo corte de juros, ele deseja coisa semelhante.
Mas isso não tem feito muito impacto em investidores globais, como aconteceu no Brasil entre 2023 e 2024, por uma série de outros motivos.
“Os membros do Fed estão sendo bastante firmes ao dizer que as decisões vão continuar sendo técnicas, se recusando a sofrer essa interferência política”, destaca Paula Zogbi, estrategista-chefe da Nomad. “Ao mesmo tempo, o mercado também tem dado muito benefício da dúvida para medidas do Trump. Não se espera nenhum movimento realmente anti institucional e que derrubem tanto assim a credibilidade dos Estados Unidos.”
As atenções estão voltadas ao corte de juros, mas pelo motivo certo. O mercado já vinha precificando havia alguns meses que o ciclo de afrouxamento monetário dos EUA finalmente começaria em setembro, mas a participação de Jerome Powell no simpósio anual de Jackson Hole na última semana aumentou as expectativas.
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“A inflação está caminhando rumo a meta, ainda que lentamente, e a precificação desse corte de juros tem sido benéfica para os mercados de risco. Os movimentos recentes estão mostrando que essa crise institucional do Fed não está tirando o apetite por risco dos investidores”, explica Zogbi.
O que não significa, no entanto, que o tema esteja superado. Os especialistas reforçam que possíveis interferências de Trump no Fed vão continuar a ser monitoradas. E que, se a tensão escalar, isso pode sim começar a causar impactos mais significativos nos mercados, incluindo no Brasil.
“O fluxo estrangeiro para a bolsa e para a renda fixa local depende muito do diferencial de juros e da confiança nos Estados Unidos como o centro da estabilidade. Se a percepção de perda de independência do BC americano ganhar força, o efeito tende a ser contrário: aumento da volatilidade, fuga de capitais e um prêmio de risco mais alto exigido pelos investidores globais”, pontua Otávio Araújo, da ZERO Markets Brasil.
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