O fundador da Bridgewater Associates, maior fundo de hedge do mundo, fez uma análise quase “premonitória” na última quinta-feira (23), quatro dias antes da nova inteligência artificial da startup chinesa DeepSeek derrubar as ações das trilionárias Big Techs americanas. Em entrevista ao podcast Opening Bid, do Yahoo Finance, Ray Dalio afirmou que os papéis de tecnologia dos EUA estavam muito caros e que o momento parecia com 1998, pouco antes da “bolha do pontocom” estourar.
Na época, o mercado americano estava recheado de empresas de tecnologia que prometiam fornecer serviços ligados à recém-descoberta Internet. A empolgação era tanta que bastava ter um “pontocom” no nome para que a companhia recebesse uma onda de recursos. Em meados de 2000, a bolha estourou e as ações caíram de forma abrupta, levando à quebra de muitas das “promessas” da Bolsa.
“Você pode comprar uma empresa ruim por um ótimo preço e ganhar dinheiro, mas você não pode comprar uma boa empresa por um preço ruim e ganhar dinheiro”, disse Dalio. “Como as de 1998, as companhias de tecnologia são empresas maravilhosas, que poderão ter futuros fantásticos. Não sabemos quem serão os vencedores, mas os preços delas ficaram caros.”
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O possível aumento das taxas de juros nos EUA também é mencionado pelo gestor como um fator de risco adicional para as gigantes de tecnologia. “Já vimos esse cenário antes”, aponta Dalio, em referência ao estouro da bolha da internet.
Gigantes de tecnologia em xeque
Na última segunda (27), as ações da fabricante de chips e líder em computação Nvidia (NVDC34) terminaram o dia com uma queda de quase 17%, o que representa uma perda de US$ 589 bilhões em valor de mercado. Outras Big Techs que integram o grupo conhecido como “7 Magníficas”, como Microsoft, Google e Tesla, também afundaram em meio ao choque provocado pela DeepSeek. Juntas, perderam num só dia US$ 643 bilhões, segundo dados levantados por Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta.
Isto porque a DeepSeek lançou um aplicativo semelhante ao ChatGPT, da OpenAI, mas com um diferencial importante: os custos são supostamente muito baixos de desenvolvimento, de menos de US$ 6 milhões, fora a utilização de chips menos potentes e em menor número. Esse dado colocou em xeque os preços atribuídos às Big Techs americanas, que gastam até US$ 100 milhões para treinar suas IAs.
“A IA chinesa é muito mais barata, eficiente e demanda uma quantidade de chips Nvidia muito menor”, diz Felipe Sant’Anna especialista em investimentos da Star Desk. “A reação do mercado, com uma queda de US$ 589 bilhões só no valor da Nvidia, reflete temores de que o entusiasmo em torno da IA possa estar inflacionando os preços além do justificável”, comenta Paula Zogbi, gerente de research e head de conteúdo da Nomad.
Uma “bolha de IA” nos EUA?
Se antes alguns investidores já questionavam se havia uma bolha de IA no mercado americano, depois da DeepSeek essa dúvida só cresceu. O E-Investidor conversou com oito especialistas de mercado, que se dividiram em relação ao assunto.
Na visão de Valter Bianchi Filho, sócio fundador da Fundamenta Investimentos, a onda atual de IA tem levado as empresas participantes a níveis de preços que “tipicamente” ocorrem em mercados eufóricos. Um ambiente que propicia a formação de bolhas financeiras e que é, sim, semelhante ao de 1998, na bolha do pontocom.
“Em particular, destaco que um número pequeno de empresas atingiu uma participação desproporcionalmente elevada no índice S&P 500, o que historicamente sugere um alerta de euforia”, diz o especialista. Bianchi alerta que, se confirmado, é possível desenvolver uma solução de IA com baixo custo, isto poderá reduzir o capital que circula no ecossistema do setor, no financiamento de processadores, datacenters, pessoal. Também deve atrair um maior número de concorrentes, pressionando os retornos.
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Essa também é a visão de Marcelo Boragini, sócio e especialista em renda variável da Davos Investimentos. “Se analisarmos mais friamente, as empresas menores vão adotar o modelo da DeepSeek”, diz. “Os valuations das empresas de tecnologia parecem muito esticados. Houve um exagero, uma forte alta nos últimos anos. E se realmente as empresas precisarem de menos chips para fazer o sistema funcionar, então, sim, a ameaça é real para a Nvidia.”
Já Zogbi, da Nomad, vê sinais de bolha no setor de tecnologia americano, inflacionada pela empolgação com a inteligência artificial, mas é difícil cravar essa situação. Para ela, o saldo dessa “corrida” está longe de estar claro e pode ser que os altos valuations acabem se justificando à medida que o mercado de IA se desenvolva.
“Os preços atuais só se justificam caso o crescimento acelerado dessas empresas continue. No entanto, não me parece improvável que isso aconteça”, diz Zogbi. “O lançamento do DeepSeek R1 é um grande sinal de eficiência em uma das tecnologias viabilizada por IA, mas há um imenso potencial para outras inovações ainda mais disruptivas e complexas. A própria redução nos custos de desenvolvimento pode ampliar a adoção da IA, sustentando a demanda por chips da Nvidia e outros componentes essenciais.”
Diferenças fundamentais
A outra metade dos analistas rechaça a possibilidade de bolha de IA nos EUA. Pedro Carvalho, analista de tecnologia da Empiricus Gestão, não vê esse tipo de movimentação especulativa acontecendo hoje. O especialista ressalta que, diferentemente de 1998, a alta dos papéis de empresas de tecnologia é sustentada por uma demanda orgânica por soluções de inteligência artificial. Já no “pontocom”, muitas das companhias não tinham produtos consolidados; foram inflacionadas apenas por excesso de otimismo, sem fundamentos.
Ainda assim, é esperado um grande impacto da novidade lançada pela DeepSeek nas grandes empresas de tecnologia – mas não será necessariamente um abalo negativo. “Acreditamos que a eficiência do DeepSeek aumentará a demanda por soluções de infraestrutura para IA, incluindo serviços, hardware, software e energia. Por isso, consideramos a reação de ontem exagerada”, afirma Carvalho.
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Jhonata Emerick, cofundador e CEO da Datarisk, segue a mesma linha de raciocínio. “Diferentemente da era pontocom, as principais empresas do setor já possuem produtos validados e receitas expressivas. Microsoft, Nvidia, Meta e Alphabet formam um conglomerado com modelos de negócio consolidados, contrastando com a alta fragmentação e instabilidade das startups dos anos 90”, afirma ele, que aponta que IAs já estão sendo utilizadas para melhorar a eficiência de múltiplos setores, como saúde, logística, energia e manufatura.
Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, por sua vez, coloca em questão a confiabilidade dos dados chineses. Apesar da DeepSeek apontar menor uso de chips e economia de recursos para treinar a IA, não é possível ainda verificar essas informações. Por esse motivo, Cruz considera as quedas nos papéis da Nvidia como exageradas.
“A verdade é que existe um bloqueio, feito pelos Estados Unidos, na quantidade de chips que podem ser vendidos para a China. Então, as empresas chinesas não podem falar o valor real empregado, muito provavelmente porque se fizerem isso eles estariam admitindo que a China não está cumprindo o acordo comercial com os Estados Unidos”, aponta Cruz.
Investidores das Big Techs de olho no futuro
Como comentou Ray Dalio, o mercado ainda não tem visibilidade sobre quem serão os grandes campeões dessa corrida tecnológica. O fato é que a inteligência artificial deve impactar o cotidiano das pessoas de forma substancial. Mesmo com os analistas se dividindo sobre a possibilidade de existir uma bolha ou não, a recomendação unânime é de que os investidores dessas grandes empresas de tecnologia acompanhem de perto o desenvolvimento da área e os impactos para cada player.
“A volatilidade do setor de tecnologia decorre de ciclos de inovação rápidos, mudanças regulatórias e alta dependência de tendências de consumo. Para avaliar empresas do setor, é crucial analisar indicadores como crescimento de receita, investimento em pesquisa e desenvolvimento, vantagem competitiva e exposição a mercados em expansão”, conclui Gerson Brilhante, analista da Levante Inside Corp.
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