Logo nos primeiros dias do mês, o índice chegou a superar os 141 mil pontos, apoiado por um clima mais otimista no mercado internacional e pela expectativa de que os indicadores econômicos domésticos viessem mais controlados. Esse movimento atraiu fluxo de capital estrangeiro e deu suporte a ações ligadas a commodities e consumo. No entanto, a trajetória mudou a partir da segunda semana.
O anúncio do governo dos Estados Unidos de que poderia aplicar tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros, incluindo aço e papel, gerou receio entre os investidores. A medida trouxe volatilidade para os mercados e afetou diretamente empresas com perfil exportador, como Vale (VALE3) e Petrobras (PETR4). Especialistas dizem que esse ambiente de tensão reduziu a exposição de estrangeiros à Bolsa brasileira, levando a uma saída líquida de recursos e pressionando o índice.
A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), validando o decreto presidencial que aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), também gerou reação entre investidores. A medida havia sido derrubada semanas antes pelo Congresso Nacional, mas o STF restabeleceu parte dos decretos que ampliaram a cobrança do imposto.
Para completar o quadro, os dados de inflação local contribuíram para a correção no mercado. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), considerado uma prévia da inflação oficial, veio acima das projeções, reacendendo dúvidas sobre a continuidade do ciclo de corte da taxa básica de juros. A Selic, mantida em 15% na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), passou a ter sua trajetória futura reavaliada. Isso afetou setores sensíveis à taxa de juros, como varejo e construção civil, cujas ações registraram queda durante o mês.
Para Arnóbio Durães, professor da FIA Business School, apesar da correção mais acentuada ao longo de julho, com o Ibovespa recuando mais de 8 mil pontos desde o pico do mês, o movimento foi parcialmente revertido nas últimas semanas. A melhora se deu, em parte, com o início da temporada de balanços do segundo trimestre, que trouxe resultados positivos para empresas de segmentos como bancos, energia e serviços. Essa leva de números ajudou a recompor parte das perdas e trouxe alívio para a percepção de risco local.
Outro fator que contribuiu para a recuperação do índice, segundo ele, foi a sinalização do governo brasileiro de que poderia estudar medidas de compensação para empresas atingidas por possíveis restrições comerciais impostas pelos Estados Unidos. Embora sem detalhes claros, essa perspectiva ajudou a conter parte do pessimismo e trouxe alguma previsibilidade para os papéis afetados.
Destaques negativos e positivos da Bolsa em julho
Na análise de Durães, do ponto de vista setorial, os segmentos de educação, financeiro e imobiliário apresentaram bom desempenho em julho. “O setor de educação, em particular, tem se sobressaído ao longo de 2024, com rentabilidade acumulada superior a 90%. O movimento tem sido sustentado por expectativas de consolidação por meio de fusões e aquisições, redução da inadimplência e recuperação da base de alunos, fatores que reforçaram o interesse dos investidores nas principais companhias listadas da área”, diz.
Na direção oposta, o professor anota que o setor industrial registrou o pior desempenho do mês, afetado especialmente pelas empresas com maior exposição ao comércio exterior. A instabilidade no mercado internacional e a ameaça de imposição de tarifas por parte dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros pressionaram os papéis do setor, reduzindo o apetite por ativos ligados à atividade manufatureira e exportadora.
Entre os destaques positivos de julho na Bolsa, a Brava Energia (BRAV3) registrou forte alta com a percepção de que o novo modelo de franquias no segmento de caminhões tem trazido ganhos operacionais e maior eficiência. A Fleury (FLRY3) também avançou após informar que estuda uma possível combinação de negócios com a Rede D’Or (RDOR3), o que elevou o otimismo dos investidores diante da chance de consolidação no setor de saúde.
A Embraer (EMBR3) subiu mais de 10% em um pregão após sinalizações de apoio do governo e, em seguida, após escapar do tarifaço de Trump. Já o Grupo Pão de Açúcar (PCAR3) subiu com a expectativa de monetização de ativos e eventuais movimentos estratégicos, como fusões ou vendas, além do apelo defensivo da companhia. No setor de siderurgia, a CSN (CSNA3) e a Gerdau (GGBR4) se valorizaram apoiadas pela alta do minério de ferro no exterior, pelo câmbio favorável às exportações e por sinais de melhora na demanda chinesa, principalmente nas áreas de infraestrutura e construção.
Na ponta negativa, o setor de consumo cíclico foi o mais penalizado. A Natura (NATU3) teve forte queda diante da frustração com a recuperação das margens e o elevado nível de endividamento, mesmo após a venda da marca Aesop. A Azzas 2154 (AZZA3) recuou com força diante da baixa liquidez e da falta de eventos relevantes que pudessem atrair interesse do mercado. A Yduqs (YDUQ3) caiu após divulgar resultados abaixo das expectativas e adotar um discurso mais cauteloso para o segundo semestre.
A Smart Fit (SMFT3) foi afetada pela alta de custos e sinais de desaceleração na abertura de novas academias. Já a Cosan (CSAN3) sofreu com pressões no setor de combustíveis e logística, em meio ao debate sobre a política de preços da Petrobras e margens apertadas na Rumo.
A WEG (WEGE3) esteve entre os piores desempenhos do mês, após a divulgação de resultados trimestrais considerados abaixo do esperado pelo mercado. A empresa sinalizou desaceleração nas encomendas internacionais, especialmente em mercados importantes para a companhia, o que acentuou a percepção de menor ritmo de crescimento à frente. O desempenho fraco das exportações e o ambiente global mais instável contribuíram para a correção nas ações, que fecharam o mês em queda.
O que esperar do Ibovespa em agosto
As projeções das principais casas de análise para o desempenho do Ibovespa em agosto são mais cautelosas. O mercado deve permanecer sensível à divulgação dos resultados do segundo trimestre, que ganham força nas próximas semanas, e à evolução do ambiente macroeconômico, ainda marcado por pressões relevantes. Na ausência de balanços corporativos acima do esperado ou de um alívio no ambiente externo, segundo Felipe Papini, sócio da One Investimentos, o índice tende a permanecer sem fôlego para retomadas mais firmes.
“Se a temporada vier positiva, pode ajudar a destravar valor em vários papéis descontados, principalmente small caps e setores mais sensíveis ao ciclo econômico, como consumo e construção. Por outro lado, se os resultados frustrarem, o mercado pode manter o viés mais defensivo, priorizando empresas mais resilientes e com geração de caixa forte”, diz.
Um dos fatores que tem gerado maior atenção entre os investidores é a elevação das taxas de juros de longo prazo, tanto no Brasil quanto nos EUA. Esse movimento, explica Papini, pressiona a curva de juros e afeta diretamente setores da Bolsa mais dependentes do crédito ou que operam com margens apertadas, como varejo, construção civil e tecnologia. Também há um efeito direto sobre o fluxo estrangeiro, que tende a migrar para ativos considerados mais seguros diante da deterioração das taxas de retorno relativas.
Sobre a relação comercial, João Marcos Vicente de Souza, líder de operações na Blue3, avalia que, com a exclusão de companhias-chave das tarifas, a expectativa para agosto se tornou mais positiva do que se desenhava anteriormente. Segundo projeções iniciais, empresas de setores como siderurgia e energia, que possuem forte peso no índice e menor exposição às exportações para os EUA , devem puxar o desempenho do Ibovespa nas próximas semanas.
“A grande incógnita, porém, está na resposta oficial que o governo brasileiro deve dar às medidas impostas pelos EUA. Caso a diplomacia mantenha o tom firme adotado por Lula nos últimos episódios, o risco de escalada permanece, mas a exclusão de setores estratégicos pode ser interpretada como um recuo por parte dos norte-americanos, o que tende a aliviar o ambiente”, diz.
Por ora, analistas veem espaço para uma retomada no otimismo do Ibovespa, desde que o conflito não se intensifique.