Vende ou compra? Análise fundamentalista é a partida para entender se é desconto ou armadilha.
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O Ibovespa empolgou o mercado com uma disparada que já levou o índice acima dos 140 mil pontos em meados de maio. Desde que atingiu o pico, no entanto, o IBOV engatou uma tendência de baixa. Engana-se, porém, quem pensa que as oportunidades se foram.
As small caps— ações de empresas menores e mais sensíveis à economia doméstica — acumulam quase 30% de valorização no ano, segundo o índice SMLL, e seguem oferecendo oportunidades para quem busca valor.
“Muitas small caps continuam negociando a múltiplos muito abaixo da média histórica. Algumas, inclusive, com valuation compatível com estresses macroeconômicos que parecem fora do radar”, afirma João Piccioni, CIO da Empiricus Asset. “É nesse descolamento entre o fundamento e o mercado que enxergamos oportunidades relevantes”, diz, destacando que, para isso, é preciso analisar com cuidado fatores como governança, alavancagem, capacidade de repasse de preços e liquidez das ações.
Werner Roger, sócio e diretor de investimentos da Trígono Capital, destaca que a expectativa de corte dos juros, ainda que não haja consenso no mercado, é o principal fator por trás da recuperação das small caps. Ele comenta que essas empresas, por dependerem mais do crescimento futuro, são impactadas de forma mais direta pelos juros, ou seja, pelo custo do capital. A sensibilidade está implícita na lógica de que uma taxa de desconto menor (juros mais baixos) aumenta o valor presente dos lucros esperados.
“As small caps são empresas menores, com maior crescimento que deriva de duas coisas: a avaliação através da taxa de desconto e fluxo de caixa descontado. Então, quanto menor a taxa de desconto (juros), maior o valor presente”, diz Werner. “Juros menores pressupõem crescimento da economia, crescimento das empresas e maior lucro das companhias”, completa.
Como consequência dessa lógica, explica Werner, os setores que mais se beneficiam disso são construção civil, varejo, educação e energia. As empresas do setor imobiliário já acumulam valorização de 40% no ano, impulsionadas pela expectativa de corte de juros e pela retomada da demanda.
O movimento também se reflete em outros segmentos. Ações de consumo, incluindo varejo, sobem 24%, de acordo com o índice ICON, enquanto o setor elétrico, representado pelo IEX, avança 29%. “O setor de educação também vem se beneficiando do maior poder aquisitivo dos estudantes, programas como o FIES e da expansão do ensino a distância”, afirma o gestor.
Seis ações ainda descontadas
Os especialistas listam seis empresas com potencial de valorização que ainda estão aquém do que poderiam entregar:
Cury (CURY3) – Construtora focada no segmento de baixa renda, é uma das apostas da Empiricus. Segundo Piccioni, combina baixa alavancagem (endividamento), boa governança e forte geração de caixa. O setor tem se beneficiado de subsídios governamentais do Minha Casa Minha Vida e da resiliência da demanda.
SmartFit (SMFT3) – Rede de academias que vem crescendo com bom controle de custos e sem necessidade de capital intensivo. Assim como a Cury, é uma empresa que não está endividada e pode crescer mesmo com os juros altos, diz Piccioni.
Assaí (ASAI3) – Dentro da lógica de consumo ‘não cíclico’, o Assaí aparece como uma pequena posição na carteira da Empiricus. O gestor reconhece a maior sensibilidade a juros do papel por conta de seu nível de alvancagem. O endividamento é um pouco mais alto.
Moura Dubeux (MDNE3) – Construtora nordestina com atuação em imóveis de médio e alto padrão. Tem baixa dívida e está abaixo do valor justo, na avaliação de Werner. Além disso, é pouco coberta por analistas, o que ajuda a manter os preços baixos.
Eucatex (EUCA4) – Produtora de painéis de madeira, tintas e pisos, se beneficia do ciclo de finalização das obras. Exporta para os EUA e possui florestas próprias que, segundo Werner, têm valor quase equivalente ao da própria empresa.
Kepler Weber (KEPL3) – Atua no agronegócio com soluções para armazenagem de grãos, logística e silos. Será favorecida por juros mais baixos, pois seus clientes dependem de financiamento agrícola. É uma empresa centenária, com baixo risco e ligada ao crescimento do agro, diz o sócio da Trígono.
Estão baratas ou são armadilhas?
Para quem teme cair em uma value trap – ações que parecem baratas, mas não sobem nunca – a resposta está na análise fundamentalista. Para isso, é preciso fazer o dever de casa e olhar geração de caixa, qualidade da gestão, estrutura de capital e demanda real pelos produtos de cada uma delas.
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“A análise fundamentalista é a partida para entender quais ações não tiveram alta por serem value trap e quais não refletem o preço justo por outros fatores, como menor liquidez ou cobertura mais baixa de investidores institucionais ou estrangeiros”, afirma Piccioni.
Werner acredita que o mercado ainda está em uma fase de alta puxada por fluxo e expectativa de juros menores, não pela diferenciação de qualidade entre empresas. Ele sugere que o movimento mais seletivo virá, com foco nos fundamentos, momento em que haverá a separação do joio e trigo, ou seja, as empresas que estão baratas daquelas que mercerem estar descontadas. “Em algum momento o mercado vai ser mais seletivo, no movimento fundamentalista de ‘stock picking’, que ainda não aconteceu.”
O que falta para o grande fluxo chegar?
Apesar do interesse crescente de investidores pessoa física e estrangeiros, os institucionais brasileiros – como os fundos de pensão – ainda não voltaram à Bolsa com força. Essa é uma peça fundamental para desencadear um novo movimento de alta mais expressivo nas small caps.
Hoje, os institucionais ainda estão muito concentrados em títulos pós-fixados das Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-Bs) pagando 7,5%. Como a meta atuarial dos fundos gira em torno de 4,5% a 5%, eles estão confortáveis, sem precisar correr risco. Um cenário que pode mudar quando o prêmio desses títulos começar a cair.
“Se a taxa das NTN-Bs cair para 6% ou 5,5%, os institucionais terão de buscar retorno maior e isso deve trazê-los de volta à renda variável”, afirma Werner. Segundo ele, esse movimento pode destravar uma nova onda de valorização das small caps.