Rodgerson defende a união dos negócios das duas companhias aéreas como um instrumento de crescimento das marcas e do mercado brasileiro de aviação. “A Azul pode andar sozinha, a Gol pode andar sozinha, nós fizemos isso desde 2014 e o mercado não cresceu, isso é um fato. Acreditamos que juntos teremos habilidade para brigar mundialmente”, afirmou o executivo.
A fusão das empresas surge em meio à espiral negativa que o setor aéreo brasileiro vive nos últimos anos, com alta na cotação do dólar, volatilidade do petróleo e as medidas restritivas da pandemia de covid-19. As duas principais companhias aéreas enfrentam dificuldades de apresentar ganhos.
A Azul não registra lucro anual desde 2019. Em 2020, o prejuízo da companhia no ano chegou a R$ 10,1 bilhões. Em 2021, foi de R$ 4,7 bilhões, em 2022 o prejuízo chegou a R$ 1,3 bilhão e em 2023 outro prejuízo, desta vez de R$ 700 milhões. No acumulado de 2024, até o terceiro trimestre, a companhia soma perdas de R$ 4,6 bilhões. A Gol segue o mesmo caminho: no acumulado de 2024 até o fim do terceiro trimestre, a empresa registrou prejuízo de R$ 951 milhões.
Devido aos números negativos, as empresas passaram a renegociar suas dívidas com credores. O CEO da Azul lembra que a empresa conseguiu reduzir suas dívidas em R$ 11 bilhões e disse que a Gol deve sair da recuperação judicial menos endividada. “Não estamos juntando a Gol de hoje com a Azul de ontem. Estamos fazendo uma nova Azul com uma nova Gol. O que buscamos é uma fusão de crescimento”, argumentou Rodgerson.
O executivo também falou sobre como devem ficar os preços das passagens aéreas e revelou um número que considera “factível” para as sinergias geradas na fusão entre as duas empresas. Confira os principais trechos da entrevista:
E-Investidor — A Azul encerrou o terceiro trimestre com uma dívida total de R$ 30,2 bilhões e a Gol com uma dívida bruta de R$ 29,4 bi. Como a união das duas empresas pode transformar a nova companhia em uma organização financeiramente saudável?
John Rodgerson — A Azul converteu quase R$ 11 bilhões de dívida para capital (equity). A Gol está em um processo de recuperação judicial e vai sair menos alavancada dele. Não estamos juntando a Gol de hoje com a Azul de ontem. Estamos fazendo uma nova Azul com uma nova Gol. O que buscamos é uma fusão de crescimento, é uma oportunidade para crescer o mercado brasileiro.
A Azul amarga prejuízos desde a pandemia, qual é o plano para reverter esse cenário com a fusão?
O investidor deve entender que esses prejuízos são puramente contábeis. No ano passado, o câmbio desvalorizou 30%, por exemplo, e a nossa dívida é dolarizada, mas nossos ativos são na moeda brasileira. Com a alta do dólar, a dívida cresce, mas a aeronave em si fica no mesmo valor. Por isso, o melhor é ver a operação em si. A operação da Azul gera caixa, está indo super bem e temos um dos números mais altos de lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) do mundo. Por isso, sigo confiante com a empresa, visto que a dívida é dolarizada, mas eu não posso ajustar meus ativos pela regra contábil.
Se está tudo bem, por que a fusão é necessária? A Azul poderia caminhar sozinha ou ela precisa da Gol?
É uma oportunidade que existe para crescer o mercado brasileiro. A Azul pode andar sozinha, a Gol pode andar sozinha, nós fizemos isso desde 2014 e o mercado não cresceu, isso é um fato. Nossos concorrentes globais são subsidiados pelos seus respectivos governos. A TAP [de Portugal] recebeu um aporte governamental de US$ 3,2 bilhões. Nos Estados Unidos, há empresas que receberam aportes de US$ 50 bilhões, então, quando a Azul vai para Miami, eles são nossos concorrentes. Acreditamos que juntos teremos habilidade para brigar mundialmente. Vamos criar uma empresa aérea brasileira que pode concorrer com qualquer um.
O mercado começa a precificar os valores da fusão entre Azul e Gol. Analistas do BTG Pactual estimam que a fusão deve gerar US$ 500 milhões em sinergias. Vocês concordam o número ou possuem estimativas diferentes?
Eu acho que sim. O número de US$ 500 milhões é bem factível. A fusão entre Azul e Gol deve gerar mais conectividade entre a malha, com a Gol operando em grandes cidades e a Azul com voos para as cidades mais interioranas. Um exemplo seria uma pessoa que busca sair de São Paulo e chegar em Caruaru, no interior do Pernambuco. O cliente pegaria um voo de São Paulo para Recife pela Gol e depois pegaria um voo de Recife para Caruaru pela Azul. Essa conectividade da malha deve ser um dos fatores para atingirmos esse número factível de US$ 500 milhões em sinergias.
A passagem aérea vai ficar mais cara ou mais barata?
É bem possível a passagem ficar mais barata. A fusão vai trazer mais oferta, pois vamos colocar os aviões que estão parados para decolar. E uma das determinantes de preço é sempre a oferta no mercado. Portanto, se nós botarmos mais oferta no mercado, o que vai acontecer? O preço da passagem aérea cai!
E se a medida pressionar a margem de lucratividade de vocês. A nova empresa não se importaria de ter uma margem menor para um preço de passagem mais competitivo?
Como qualquer empresário, nossa meta é maximizar a receita. Talvez, se colocarmos mais oferta, nós crescemos e vamos diluir nossos custos fixos e isso pode ser benéfico. Entretanto, se a demanda não está acompanhando, nós podemos crescer menos. Mas isso é uma coisa que fazemos todos os dias. Sendo assim, independentemente de uma fusão, isso é o que qualquer empresário tem que fazer com seu negócio.
Como você vai convencer o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e o governo de que a fusão não vai acarretar um aumento geral no preço das passagens aéreas, visto que a nova companhia vai deter mais de 60% do mercado doméstico?
O Brasil é um país que exige custo de capital muito alto para o setor aéreo. Temos falta de peças, as quais os custos acabam sendo em dólar. Como o setor aéreo brasileiro tem andado de lado por uma década, esperamos aumentar a capacidade do mercado com a fusão entre Azul (AZUL4) e Gol (GOLL4). É isso que o consumidor quer, mais opções para viajar. A concentração de mercado é muito maior em outros países, como Chile, Canadá, Colômbia, Peru e França, acima dos 60%. O País tem suas particularidades com o combustível mais caro do mundo e a falta de acesso ao crédito, que são o câncer do Brasil. Então, quando falamos com o governo, a gente cita essas coisas. E o governo quer a mesma coisa que nós. Um Brasil que cresce e que tem mais empregos.