O que este conteúdo fez por você?
- Desde 2020, os cotistas do Hard Rock Hotel Fortaleza aguardam o fim das obras do empreendimento que se arrastam há seis anos
- A demora mobilizou mais de 400 processos judiciais contra as empresas responsáveis pela construção dos hotéis
- Além do Hard Rock Hotel Fortaleza, outros dois resorts estão em fase de construção pela Residence Club
Não estava nos planos do médico Carlos Wellington comprar as cotas de multipropriedade do Hard Rock Hotel, mas a oportunidade pareceu ser única quando lhe foi apresentada. Em maio de 2019, ele e a esposa foram abordados na Praia do Futuro, ponto turístico de Fortaleza, no Ceará, por um dos promotores de venda do empreendimento.
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Depois de algumas horas de apresentação, o casal decidiu comprar as cotas do projeto. Cinco anos depois desse encontro, eles tentam recuperar o dinheiro investido em um hotel que está longe de ser entregue – e eles não são os únicos. A Justiça do Ceará possui mais de 400 processos abertos contra as empresas responsáveis pela construção de três resorts que levam o nome da marca. A maioria das ações pede o estorno dos valores investidos. No Reclame Aqui, 800 reclamações também reforçam a frustração dos cotistas com o investimento.
A VCI S/A foi a empresa que encabeçou a iniciativa em trazer a marca de hotéis para o Brasil, mas foi comprada pelo Residence Club no início do ano após uma reformulação dos projetos imobiliários. Procurado pelo E-Investidor, o então sócio da VCI S/A na época, Samuel Sicchierolli, não quis se posicionar sobre o assunto ao afirmar que não teve mais envolvimento com as operações após a venda da sua participação.
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Já a Residence Club – atual responsável pelos projetos desde janeiro de 2024 – afirmou ter um novo plano de execução para concluir as obras dos resorts. A marca Hard Rock Internacional, por sua vez, informou que não responde pela construção das unidades hoteleiras.
Uma fonte próxima às negociações disse ao E-Investidor que as exigências da Hard Rock sobre os projetos imobiliários contribuíram para os atrasos das obras. Itens, como fechadura das portas dos quartos, precisavam ser aprovados pela marca como condição para a abertura do hotel. Em um novo posicionamento, a Hard Rock Internacional rebateu as informações e acrescentou que sempre ofereceu suporte e apoio para que os empreendimentos tivessem o padrão de qualidade da marca global.
“A Hard Rock International sempre ofereceu todo o suporte e apoio para que a VCI pudesse atender ao padrão de qualidade da marca global. As exigências se aplicam a todas as propriedades e são padrões internacionais que têm como objetivo garantir que proprietários e futuros hóspedes sejam atendidos da maneira como é conhecida a experiência diferenciada dos hotéis da marca”, disse a empresa por meio de nota.
O investimento que virou uma dor de cabeça
As cotas compradas por Wellington concedem direito de hospedagem duas vezes ao ano por um período de sete dias no Hard Rock Hotel Fortaleza, localizado na praia de Lagoinha, a 100 quilômetros da capital cearense. O projeto inicial do resort conta com 583 quartos, duas piscinas, além de 3,35 mil metros quadrados de área para eventos. Os prazos de entrega variavam conforme a data de assinatura do contrato. No caso do médico, a previsão que consta no documento é de 30 meses após a compra das cotas. Ou seja, as chaves seriam entregues em novembro de 2021.
No entanto, o E-Investidor teve acesso a outro contrato de compra e venda referente ao mesmo resort, datado em fevereiro de 2020. Nesse documento, o prazo final era outro: dezembro do mesmo ano, podendo sofrer um atraso de até 180 dias após essa data. O contrato cita ainda que os proprietários poderiam disponibilizar o espaço à administração para receber pontos que possam ser utilizados em outro hotel, desde que esteja cadastrado em uma rede de hospedagem afiliada ao resort.
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“No início (da conversa), declinamos porque tínhamos mudado recentemente para Fortaleza, mas eles flexibilizaram as condições para que ficasse dentro do nosso orçamento e aceitamos a proposta”, conta o médico. Os dois deram uma entrada de R$ 8 mil que foi paga à vista com o dinheiro da reserva de emergência, enquanto o restante foi parcelado em 60 vezes no cartão de crédito. “O valor total foi de R$ 44,9 mil e a forma de pagamento não comprometia o limite do cartão porque, a cada mês, eles lançavam uma parcela mensal de R$ 650 na fatura ”, detalhou Wellington.
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A última parcela foi paga em maio deste ano, mas até hoje os dois não usufruíram dos benefícios. “Em um primeiro momento, o sentimento é de frustração. Depois, vem aquela sensação de que fomos enganados“, acrescentou o médico. Sem informações sobre o cronograma das obras, Wellington solicitou o estorno de todo o valor investido. A Residence Clube atendeu a requisição e enviou a proposta de distrato do contrato com a cobrança de uma multa de 25%, mais o pagamento de taxa de corretagem em torno de 6% sobre os valores pagos.
Isso significa que, dos R$ 44,9 mil investidos desde maio de 2019 até hoje, o cotista receberia R$ 30,9 mil após 180 dias da assinatura do termo de distrato. O médico recusou o acordo e diz que vai entrar na Justiça para reaver o dinheiro.
Reclamações e brigas judiciais
Em janeiro deste ano, o Ministério Público do Estado do Ceará (MP-CE) multou em R$ 12 milhões a VCI S/A, antiga empresa responsável pelo Hard Rock Hotel Fortaleza, pelo atraso para a entrega do empreendimento. A empresa também era responsável pelos empreendimentos Hard Rock Hotel Ilha do Sol, localizado no Paraná, e o Hard Rock Hotel Jericoacoara, localizado na Vila de Jericoacoara, também no Ceará. Assim como o de Fortaleza, ambos se encontram em fase de construção e também são citados nos processos judiciais movidos pelos cotistas.
No início do ano, com a Residence Club assumindo a responsabilidade das obras dos três hotéis da marca Hard Rock no Ceará, a companhia também virou alvo de reclamações de ações judiciais movidas por consumidores. A reportagem apurou que a Justiça do Ceará possui 25 processos abertos contra a nova empresa. A maioria das pautas envolve rescisão de contratos. No Reclame Aqui, a situação é similar. Nos últimos seis meses, há 143 queixas, sendo quase metade relacionada à quebra de contratos.
Ao E-Investidor, a Residence Club diz que realizou uma análise dos empreendimentos e estabeleceu um novo plano de execução para as obras. “Uma das medidas adotadas para o empreendimento do Ceará foi a contratação da WR Engenharia, construtora referência no Estado e com grande experiência local, que está formatando conosco o cronograma de obras para o empreendimento”, informou a empresa, em nota.
A companhia diz ainda que tem como premissa o cumprimento das cláusulas contratuais estipuladas e obedece a legislação vigente, além de entender a importância dos órgãos públicos para a manutenção de boas práticas comerciais e de relacionamento com os consumidores. Já a marca Hard Rock esclareceu que não tem responsabilidade sobre a construção e comercialização dos imóveis. A atuação da companhia acontecerá após a conclusão das obras com foco na operação.
O que o investidor deve fazer?
A demora e a ausência de previsões sobre a conclusão das obras dos empreendimentos de multipropriedade abrem brechas na Justiça que podem ser favoráveis aos cotistas. O promotor de Justiça Hugo Vasconcelos Xerez, que atua como secretário-executivo do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon), do MP do Ceará, explica que esses casos são enquadrados no artigo 43-A da lei de nº 13.786/2018.
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O texto estabelece a rescisão dos contratos sem a cobrança de multas para os casos de atrasos superiores a 180 dias corridos da data estipulada no acordo para a entrega do imóvel, se a construtora ou empresa responsável pelo empreendimento não fornecer uma justificativa para o atraso. Nestas situações, os valores pagos devem ser restituídos em até 60 dias. “Todos os cotistas que procuram um órgão administrativo de defesa do consumidor e buscam a rescisão do contrato por inadimplência da construtora estão garantidos por esse direito”, pontua Xerez.
Já a cobrança das multas, como ocorreu com Wellington quando solicitou o reembolso dos valores investidos, só deve ser aplicada se a decisão pela quebra do contrato for motivada por outros fatores inerentes ao projeto, como a perda do interesse do consumidor pelo investimento. “Essa pode ser até de 20% porque a partir desse porcentual já pode ser considerada elevada ou abusiva (a depender do modelo de negócio)”, diz Bruno Boris, sócio e fundador do Bruno Boris Advogados.
Por outro lado, se as técnicas de convencimento na venda ultrapassar os limites éticos, as negociações podem ser canceladas sem prejuízo algum para o consumidor. “Oferecer bebidas alcoólicas no ato da contratação, por exemplo, pode anular os contratos”, ressalta Boris. Para esses casos, o consumidor precisa comprovar que houve a oferta durante o ato de contratação e entrar com uma ação judicial logo após a assinatura do contrato das cotas de multipropriedade.