- Nos últimos meses, o dólar saiu ganhando, à medida que a inflação disparou, as taxas de juros subiram e as preocupações com o crescimento se agravaram
- Companhias com sede fora dos EUA viram suas vendas impulsionadas pelo dólar forte. Mas as empresas americanas com grandes operações internacionais estão sendo prejudicadas
- Muitas empresas e governos fora dos EUA tomam empréstimos em dólares, e a força da moeda é um grande problema
(Kate Russell, Joe Rennison e Jason Karaian, The New York Times) – O valor do dólar americano é o mais forte em uma geração, desvalorizando as moedas em todo o mundo e preocupando as perspectivas para a economia global, conforme a moeda altera drasticamente tudo: desde o custo de férias no exterior até a rentabilidade de empresas multinacionais.
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O dólar nivela a economia global. É um dos lados de cerca de 90% de todas as transações de câmbio, sendo responsável por US$ 6 trilhões em atividades todos os dias antes da pandemia, desde turistas usando seus cartões de crédito até empresas que fazem enormes investimentos internacionais.
Como a moeda mais importante do mundo, o dólar muitas vezes sobe em tempos de crise, em parte porque os investidores consideram que ele é relativamente seguro e estável. Nos últimos meses, o dólar saiu ganhando, à medida que a inflação disparou, as taxas de juros subiram e as preocupações com o crescimento se agravaram. “Essa é uma combinação bastante difícil”, disse Kamakshya Trivedi, codiretor de um grupo de pesquisa de mercado do Goldman Sachs.
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A principal maneira de avaliar a força do dólar é indexá-lo contra uma cesta de moedas de parceiros comerciais importantes, como o Japão e a zona do euro. Tomando isso como referência, o dólar está em sua maior alta em 20 anos, depois de subir mais de 10% em 2022, uma grande mudança para um índice que costuma mudar frações minúsculas a cada dia.
Em junho, o iene atingiu seu nível mais baixo em 24 anos em relação ao dólar, e o euro caiu até atingir a paridade, uma taxa de câmbio de um para um, com o dólar pela primeira vez desde 2002. Basta escolher quase qualquer moeda – o peso colombiano ou a rupia indiana, o zloty polonês ou o rand sul-africano – e provavelmente ela perdeu valor em relação ao dólar, sobretudo nos últimos seis meses ou mais.
Os fatores abalando a economia global explicam em parte por que o dólar, de repente, se tornou muito mais forte.
Conforme os banqueiros centrais de todo o mundo tentam controlar a inflação aumentando as taxas de juros, o Federal Reserve está fazendo isso de forma mais rápida e agressiva que a maioria. Como consequência, as taxas agora são visivelmente mais altas nos Estados Unidos do que em muitas outras grandes economias, chamando a atenção de investidores atraídos pelos retornos mais altos mesmo de investimentos quase conservadores, como títulos do Tesouro.
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À medida que o dinheiro entrava, o valor do dólar aumentava.
“É um dólar muito, muito forte”, disse Mark Sobel, ex-funcionário do Tesouro americano que agora atua como presidente dos EUA do Fórum Oficial de Instituições Monetárias e Financeiras (OMFIF, na sigla em inglês), um think tank. A moeda ficou mais forte em apenas três ocasiões desde a década de 1960.
Analistas do Bank of America calculam que mais da metade do aumento do dólar este ano poderia ser explicado apenas pela política relativamente agressiva do Fed.
Os analistas citaram que o status da moeda é como um refúgio em tempos de agravamento das condições econômicas e turbulência no mercado de ações. Eles também disseram que o dólar estava subindo porque os preços altos da energia estavam pressionando as economias dos importadores, inclusive boa parte da Europa, com mais força do que os EUA, que dependem menos da compra de petróleo e gás do exterior.
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“Não apenas os temores no que se refere a uma recessão estão aumentando, mas os EUA também parecem estar em melhor situação do que o restante do mundo”, disse Calvin Tse, estrategista de mercados do BNP Paribas.
Enquanto um dólar mais forte pode ser uma bênção contraditória para pessoas e empresas, uma variação tão grande e rápida no valor da moeda mais usada no mundo pode ter um efeito desestabilizador próprio.
Os americanos que viajarem para o exterior neste verão vão descobrir que seu dinheiro durará mais. “Uma das únicas maneiras pelas quais um americano pode aproveitar as recompensas de um dólar forte é viajando nas férias”, disse Max Gokhman, diretor de investimentos da AlphaTrAI, empresa de gestão de ativos. “Mas, mesmo assim, a passagem aérea será muito mais cara por causa do aumento dos preços do petróleo.”
As empresas com sede fora dos EUA viram suas vendas impulsionadas pelo dólar forte. A Burberry, marca britânica de artigos de luxo, disse na sexta-feira que somaria mais de US$ 200 milhões à sua receita este ano por causa das oscilações na moeda – ajudando a compensar a queda das vendas na China, onde a economia está desacelerando.
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Mas as empresas americanas com grandes operações internacionais estão sendo prejudicadas quando convertem as vendas fora do país em dólares. Os lucros tanto da Microsoft como da Nike, por exemplo, diminuíram recentemente. Mais de 60% das vendas da Apple são para fora dos EUA. A empresa e outras gigantes da tecnologia, que dominam muitos índices de ações, têm mais chances de sofrer com a força do dólar quando divulgarem seus resultados financeiros mais recentes nas próximas semanas.
Ben Laidler, estrategista de mercados globais da eToro, estima que a alta do dólar vai cortar 5% do crescimento dos lucros das empresas do S&P 500 este ano, ou aproximadamente US$ 100 bilhões. Esse é um efeito considerável, dado que os lucros entre essas empresas estão previstos para crescer cerca de 10% este ano, de acordo com a FactSet.
Refletindo o impacto, as empresas que geram a maior parte de sua receita nos EUA tiveram um desempenho melhor que as rivais com maior exposição internacional, de acordo com índices compilados pela S&P Dow Jones Indices.
Muitas empresas e governos fora dos EUA tomam empréstimos em dólares, e a força da moeda é um grande problema. Isso é verdade principalmente para os países mais pobres atraídos pela dívida denominada em dólar como uma alternativa aos mercados locais menos desenvolvidos. Como John B. Connally, ex-secretário do Tesouro, conhecidamente disse a seus colegas em uma cúpula no início dos anos 1970: “O dólar é a nossa moeda, mas o problema é de vocês”.
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Os países onde a dívida em dólar representa uma grande parte de seu produto interno bruto têm mais chance de ser afetados. Pagar juros aos credores tornou-se difícil sobretudo para países com moedas em rápida depreciação, como Argentina e Turquia, principalmente porque as taxas de juros de qualquer nova dívida também aumentarão. Para alguns, entre eles o Sri Lanka, tornou-se, ao que tudo indica, impossível.
No entanto, o dólar não prejudicou todas as moedas este ano. O aumento dos preços da energia e dos alimentos, intensificados após a invasão da Ucrânia pela Rússia, tem sido uma vantagem para as moedas de países como Angola, grande produtor de petróleo; Uruguai, grande exportador de alimentos; e Brasil, que vende muita energia e commodities agrícolas.
O rublo russo, talvez de forma inesperada, tem sido uma das moedas com melhor desempenho em relação ao dólar este ano. Os altos preços do petróleo e do gás, assim como os controles de capital impostos pela Rússia para manter o dinheiro dentro do país, impediram a queda da taxa de câmbio oficial. As pequenas trocas de rublos por dólares que os cidadãos russos comuns podem realizar provavelmente estão com uma taxa mais fraca.
O dólar pode ser parado? A economia dos EUA parece mais instável, porém como a Europa enfrenta uma crise energética, o Japão se opõe a aumentar as taxas de juros, as políticas de lockdown da China contra a covid-19 prejudicam suas cadeias de suprimentos e outros países oscilam sob o peso da alta inflação, a demanda pelo dólar parece robusta. Embora ainda não esteja claro por quanto tempo.
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“Por enquanto, ainda esperamos que o dólar seja negociado com vantagem”, disse Trivedi, do Goldman Sachs. “Pode haver um pouco mais pela frente, mas provavelmente a maior parte da oscilação do dólar pode muito bem ter ficado para trás.”
Os analistas do Bank of America observaram que ficaram “impressionados com as conversas com investidores cujo foco era o que poderia levar a um pico” no valor do dólar, “em vez de o que é preciso para torná-lo 10% mais forte”./Tradução Romina Cácia