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Estudo inédito analisa a derrocada do império de Eike Batista

Volatilidade das ações e falta de transparência foram decisivos para o declínio dos negócios

Estudo inédito analisa a derrocada do império de Eike Batista
Eike Batista (FOTO: ANDRE DUSEK/ESTADÃO)
  • Em 2008, a empresa realizou a maior oferta pública inicial (IPO) primária de ações do Brasil
  • Os registros citados no relatório de AMEC e CFA Society Brazil mostram um vaivém de acentuadas valorizações e desvalorizações nos papéis
  • O relatório também aponta a existência de conflitos de interesse como fator importante para a queda do Grupo X

A combinação entre erros de gestão, problemas de governança e altos e baixos no mercado financeiro criaram uma tempestade perfeita para o declínio do Grupo X, liderado por Eike Batista. É o que aponta um estudo inédito da Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (AMEC) e da CFA Society Brazil, que analisou a trajetória dos negócios do empresário – da ascensão bilionária à derrocada em apenas sete anos.

Apesar de destacar o senso de oportunidade e a ousadia de Eike, o relatório chama atenção para a falta de transparência, o descumprimento de normas no mercado, além do modelo de gestão que resultou em conflitos de interesse e na interdependência das empresas do grupo.

O estudo se aprofunda na OGX. Em 2008, a empresa realizou a maior oferta pública inicial (IPO) primária de ações do Brasil à época e, sozinha, respondeu por 76% do valor de mercado (R$ 98,1 bilhões ou US$ 58,4 bilhões) do Grupo X no seu auge, em 2010. Apesar disso, a companhia pediu recuperação judicial pouco mais de três anos depois.

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A ruína não foi apenas no mercado financeiro. Eike Batista, que alcançou o status de 7º homem mais rico do mundo pela Forbes com uma fortuna de até US$ 35 bilhões, foi condenado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pela Justiça por manipulação de mercado e uso de informações privilegiadas.

A seguir, veja cinco motivos que ajudam a explicar a derrocada do Grupo X, segundo o estudo de AMEC e CFA Society Brazil.

1 – Volatilidade das ações

Com apenas 29 funcionários e nenhum poço de petróleo ou gás, a OGX cravou o maior IPO primário de ações do País ao movimentar R$ 6,7 bilhões (US$ 4,1 bilhões) em junho de 2008.

O momento econômico favorável, com petróleo em alta, otimismo com a exploração no Brasil, ascensão de preços e volumes de negociação no mercado de ações, beneficiou a companhia, que conseguiu captar R$ 15,6 bilhões (US$ 9,6 bilhões) entre novembro de 2007 e março de 2012.

Mas o desempenho promissor não se manteve ascendente. Pelo contrário, os registros citados no relatório de AMEC e CFA Society Brazil mostram um vaivém de acentuadas valorizações e desvalorizações nas ações, em um cenário agravado por problemas de gestão e governança.

Antes do IPO (entre 2006 e 25 junho de 2008), a OGX registrou uma alta de 20,6% no preço da ação, passando de R$ 11,31 para R$ 13,64 em nove pregões. Mas, nos quatro meses seguintes (25 de junho de 2008 a 6 de novembro de 2008), a desvalorização chegou a 81,4% em 102 pregões, de R$ 13,64 para R$ 2,54 – já após o IPO e em um cenário de efeitos da crise financeira internacional.

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A situação se reverteu, entretanto, nos dois anos seguintes (6 de novembro de 2008 até 4 de novembro de 2010). Em meio a estimativas animadoras sobre o portfólio de barris de óleo e uma carteira respeitável de relacionamentos em OGX acumulou valorização de 813,1% em 480 pregões, atingindo o pico de R$ 23,27 por ação e com um valor de mercado de R$ 75 bilhões à época.

Mas este ápice não se sustentou. O movimento de sobe e desce nos papéis continuou até fevereiro de 2012. De lá até 31 de outubro de 2013, a situação se reverteu de forma insustentável até o pedido de recuperação judicial da empresa, com uma derrubada de 99,3% em 405 pregões, mergulhando para R$ 0,13. No mesmo ano, a OGX mudou de nome para OGPar, na tentativa de se desvincular dos escândalos e se renovar.

Mas foi apenas em 2017, quando conseguiu sair do processo de recuperação, que a companhia mudou para o nome que ostenta hoje: Dommo Energia (DMMO3). Nesta reportagem, você vê todos os detalhes sobre a antiga OGX.

2 – Problemas de governança

Entre os erros de governança que levaram à derrocada, o estudo cita a interligação ou sinergia entre as empresas do grupo, que “potencializava o risco envolvido” e provocava uma situação em que “investir num projeto significava sujeitar-se aos resultados dos demais, direta ou indiretamente”.

Esse cenário também criava uma dependência grande da OGX. “Quando o primeiro poço esguichou menos óleo do que o projetado, a queda foi célere. E como a OGX era o axis mundi do Grupo X, levou consigo as demais empresas”, diz o relatório.

No caso da OGX, o conselho de administração era composto por 10 membros, sendo sete conselheiros independentes ditos “notáveis”. Entre o grupo, haviam empresários, ex-ministros de estado e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, o que não garantiu uma atuação eficiente e independente para questionar o plano estratégico da diretoria executiva e a sua execução, segundo o estudo.

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Os autores observam ainda que, por mais que hoje práticas como a acumulação de cargos de presidente do conselho e diretor presidente não sejam mais permitidas, a sobreposição de administradores entre as empresas do Grupo X e a política de remuneração baseada em planos de opção de compra de ações “deixaram de funcionar como importante sistema de freios e contrapesos, tão caro às boas práticas de governança corporativa”.

3 – Conflitos de interesse

Os conflitos de interesse também contribuíram para a queda do Grupo X. O levantamento mostra que isso se deu por acumulação de cargos, participação cruzada de conselheiros e diretores em companhias do grupo e remuneração baseada em desempenho também aplicável aos membros do conselho de administração.

Muitos profissionais acumulavam ou se revezavam nos assentos dos diversos conselhos de administração das empresas do grupo.

Considerando só as quatro companhias do Grupo X que efetuaram IPO (MMX, MPX, OGX e OSX), Eike Batista presidia o Conselho de Administração de todas elas, acumulando a função de diretor-presidente na MMX. O seu pai, Eliezer Batista, também integrava o conselho de administração das quatro companhias – na época, o Novo Mercado não vedava a acumulação entre esses cargos pela mesma pessoa, o que só entrou em vigor em 2011.

Também havia problemas com os conselheiros independentes, diz o relatório, citando que era comum a presença de ao menos um deles em mais de uma das companhias do grupo – em alguns casos, um mesmo conselheiro era considerado independente em três empresas.

Outro detalhe ponderado era a presença de diretores executivos de algumas companhias nos conselhos de administração de outras. Um exemplo é que o diretor-geral da MMX era membro do conselho da MPX e da OGX, sendo também diretor-presidente da OGX e diretor-presidente e diretor de relações com investidores da OSX.

4 – Falhas de transparência

A queda do Grupo X passou por “falhas graves de transparência”, de acordo com o estudo. A análise destaca situações comuns de desrespeito aos direitos dos acionistas minoritários.

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A OGX fazia “costumeiramente divulgações otimistas” sobre a capacidade dos campos de petróleo, como ao anunciar que havia sido encontrado hidrocarbonetos, o que não significava que havia sido achado petróleo; ou ao informar aos investidores sobre uma produção potencial de bilhões de barris sem garantia de que a exploração seria viável.

“Adicionalmente, no caso da OGX e outras empresas do grupo, os acionistas não dispunham de canal institucional de acesso e fiscalização da administração da companhia, como o conselho fiscal, que apesar de previsto no seu estatuto social, não foi instalado”, diz o estudo, também mencionando que a atuação dos chamados gatekeepers externos (bancos de investimento, assessores legais e auditor independente) pode ter induzido os investidores a erro.

5 – Infrações a normas e leis

AMEC e CFA Society Brazil salientam que houve descumprimento de normas e leis durante a gestão de Eike Batista à frente do Grupo X.

O relatório menciona que o empresário foi condenado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pela Justiça por manipulação de mercado e uso de informações privilegiadas. Ele soma penas de quase três décadas de prisão.

Dos cinco processos administrativo instaurados pela CVM, ele foi punido em três: por usar informações privilegiadas na Bolsa de Valores e manipular o preço das ações da OGX; não agir com cuidado ao manifestar concordância com Fatos Relevantes divulgados entre 2009 e 2012 e por não adotar providências para assegurar que as demonstrações financeiras evidenciassem informações relevantes aos acionistas.

Segundo o estudo, o que levou a autarquia a julgar Eike foram duas operações de venda de ações ordinárias da OSX, em abril de 2013, e da OGX, entre o fim de maio e o início de junho do mesmo ano. Com os fatos relevantes em mãos, o empresário usava sua conta pessoal no Twitter para incentivar os acionistas e investidores a manter a ação na carteira, “omitindo a verdadeira dimensão das dificuldades, problemas e perspectivas que comprometiam o futuro das duas empresas”, diz o relatório.

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O relatório ainda observa que, só no processo que apurou a responsabilidade por suposto uso de informações privilegiadas, em 2019, Eike foi multado em R$ 536,5 milhões. Ele também foi vetado de exercer o cargo de administrador ou de conselheiro fiscal de companhias abertas pelo prazo de sete anos.

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