- Especialistas financeiros dizem que a alta do dólar hoje foi influenciada pelas novas críticas do presidente Lula
- Mercado tem receio de interferências políticas no BC a partir de 2025, quando Campos Neto deve ser substituído por um indicado do presidente
- Cenário tem impacto nas moedas emergentes, incluindo o real, que tem o pior desempenho entre as moedas latino-americanas
Após bater R$ 5,70 na máxima desta terça-feira (2), um novo recorde anual, o dólar fechou o pregão sendo negociado a R$ 5,657, uma alta de 0,06% em relação à segunda-feira (1º). Especialistas financeiros dizem que a alta do dólar hoje foi influenciada pelas novas críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Banco Central (BC) e a promessa de que o governo deve discutir medidas para o câmbio.
Somente em um mês, o dólar subiu 7,32% e, neste ano, acumula alta de 16,11%. No início de junho, a moeda estava cotada em R$ 5,23, mas foi subindo a cada declaração de Lula sobre Roberto Campos Neto, a autonomia do Banco Central, e os gastos públicos. O presidente insiste que não há necessidade de cortar despesas, o que tem preocupado investidores. Para entender o cenário econômico e traçar uma estratégia, o petista convocou uma reunião para discutir a alta do dólar nesta quarta-feira (3).
Hoje, Lula afirmou, em entrevista para a rádio Sociedade, de Salvador, que Campos Neto tem um viés político e que esse perfil não deveria estar à frente da instituição. Lula comentou ainda que, durante seu primeiro mandato, nos anos 2000, o Banco Central tinha “autonomia” mesmo estando sob seu “domínio”. “Eu acho que a minha visão sobre o Banco Central não é teórica, é a visão de um presidente que teve um Banco Central sob meu domínio durante oito anos e com total autonomia”, disse.
O presidente defendeu a prerrogativa de indicar o dirigente do Banco Central, destacando que essa pessoa não deve fazer apenas o que o governo quer, pois a instituição tem uma função específica. “Agora, veja, eu não posso fazer nada, porque ele é o presidente do Banco Central, ele tem um mandato, ele foi eleito pelo Senado, eu tenho de esperar ele terminar o mandato e indicar alguém”, completou.
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O petista reiterou que acredita no funcionamento correto e autônomo do Banco Central, com um presidente que não esteja sujeito a pressões políticas, mas salientou que a instituição não deve servir aos interesses do sistema financeiro e do mercado. Lula também criticou a manutenção da taxa de juros a 10,50%, conforme decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central em 19 de junho.
Críticas recorrentes a Campos Neto
Na segunda-feira (1º), em entrevista à rádio Princesa, de Feira de Santana (BA), Lula afirmou que o correto é que o atual presidente da República indique quem vai comandar a autoridade financeira durante o seu mandato. “Eu estou há dois anos governando com o presidente do Banco Central indicado pelo Bolsonaro. Ou seja, não é correto isso. O correto é que o presidente entre e indique o presidente do BC. Se não der certo, ele tira. Como o Fernando Henrique tirou três”, disse.
O petista também voltou a criticar a decisão do Banco Central de manter a taxa básica de juros (Selic) em 10,50% ao ano, classificando a medida como “exagerada”. “Quem quer o banco central autônomo é o mercado. Eu tive um Banco Central independente, o Meirelles ficou oito anos no Banco Central no meu governo, sem que o presidente se metesse. O que você não pode é ter um Banco Central que não está combinando com o que é o desejo da população. Não precisamos ter política de juros alto neste momento. A taxa Selic de 10,5% está exagerada. A inflação está controlada”, afirmou.
Especialistas dizem que o mercado financeiro encara as críticas de Lula com preocupação. Tal receio se deve a possíveis interferências políticas no BC a partir de 2025, quando Campos Neto deve ser substituído por um indicado do presidente.
Real tem o pior desempenho entre as moedas latino-americanas
O discurso intervencionista do presidente não agradou o mercado, que já lida com incertezas externas, como a taxa de juros dos Estados Unidos. A alta do câmbio é um dos efeitos imediatos dessa estratégia, podendo impactar rapidamente a economia real, desorganizando o planejamento das empresas e pressionando a inflação. Na quinta-feira (27), o governo americano informou que a economia dos EUA cresceu a uma taxa anualizada de 1,4% no período de janeiro a março. Esse foi o menor crescimento trimestral desde o segundo trimestre de 2022, mostrando uma leve melhora em relação à estimativa anterior.
As consecutivas altas do dólar ocorrem em meio a uma aceleração dos ganhos da moeda americana no exterior e novas máximas nos retornos dos treasuries de 10 e 30 anos, títulos de dívida emitidos pelo governo dos EUA. Esse cenário tem impacto nas moedas emergentes, incluindo o real, que tem o pior desempenho entre as moedas latino-americanas.
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Na segunda-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou acreditar que o câmbio deve se estabilizar e que a situação do dólar vai se reverter à medida que as decisões sobre os gastos do governo forem concluídas. No entanto, a expectativa do mercado é diferente. De acordo com o Boletim Focus desta semana, economistas elevaram as projeções da cotação do dólar para o final deste ano e para os próximos. A previsão para 2024 subiu de R$ 5,15 para R$ 5,20, na terceira alta consecutiva. Um mês antes, estava em R$ 5,05.
O que vai acontecer com o dólar neste mês?
O estrategista-chefe da Avenue, William Castro Alves, observa que a economia dos EUA mostrou um crescimento nos primeiros meses do ano, especialmente no primeiro trimestre, o que atraiu investimentos diretos e fortaleceu o dólar.
“Embora sinais de desaceleração tenham surgido em abril e maio, a economia americana ainda avança mais que outras, como a europeia”, afirmou Alves. Esse crescimento superior em relação a outras economias continua a atrair capital estrangeiro para os Estados Unidos. Além disso, o estrategista analisa que a instabilidade geopolítica global também leva investidores a buscar segurança no dólar, considerado uma reserva de valor. Diz ainda que conflitos geopolíticos recorrentes aumentam a demanda por dólares como um meio de proteção.
Para o sócio da WMS Capital, Marcos Moreira, as medidas e discussões em torno das contas públicas continuarão no radar do mercado financeiro. Ele observa que as recentes declarações do presidente da república, focando mais na arrecadação do que na gestão eficiente das despesas, geram preocupações ao mercado. “Se as medidas fiscais adotadas forem vistas como insuficientes para atingir a meta de zerar o déficit em 2025, isso pode levar a uma desvalorização maior do real frente ao dólar”, afirma.
As decisões de política monetária também são aguardadas pelo economista da XP Investimentos, Rodolfo Margato, especialmente em relação à “Super Quarta”, no final de julho (30 e 31 de julho), quando o Fed nos Estados Unidos e o Comitê de Política Monetária (Copom) no Brasil devem anunciar suas decisões de cortes de juros.
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Margato observa que, antes dessas decisões, as sinalizações dos membros dessas instituições serão cuidadosamente monitoradas pelos agentes de mercado, o que também deve influenciar na cotação. “A nossa expectativa é de manutenção dos juros nos Estados Unidos, no intervalo de 5,25% a 5,5%”, diz ele.
No entanto, o economista ressalta que haverá atenção especial ao comunicado que acompanha a decisão do Fed, que pode reconhecer um progresso adicional no processo de desinflação. “Se novos dados de inflação forem benignos, pode haver uma sinalização de início de um ciclo de corte de juros para setembro, embora o cenário base da XP preveja o início desse ciclo apenas em dezembro”, explica Margato.
Em relação ao real, o analista da Empiricus Research Matheus Spiess diz que o patamar de R$ 5,50 parece muito sobrevendido. “Não é que não possa piorar, mas já piorou tanto ao longo dos últimos meses que me parece ser mais um ponto de inversão do que qualquer outra coisa”, diz. Ele acredita que, a menos que o governo brasileiro estoure a corda do fiscal, há sinais positivos no horizonte.
No âmbito doméstico, Spiess vê com bons olhos a manutenção de um tom conservador por parte do BC, o que seria positivo para o real, assim como uma inevitável revisão de gastos pelo governo. “Não acredito que este governo vá estourar a corda a ponto de estressar ainda mais o câmbio”, aposta ele.
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Spiess argumenta que, com aqueda de juros no exterior e uma pacificação do índice do dólar americano (DXY), indicador que mede o desempenho do dólar em relação a outras moedas estrangeiras, há espaço para que julho possa ser um momento de inversão.
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