Durante a entrevista coletiva realizada no domingo (9), Haddad afirmou que todos os ativos hoje isentos de IR passarão a ter uma tributação de 5%. As únicas aplicações mencionadas nominalmente foram as LCIs e LCAs, mas a declaração deixou espaço para uma abrangência maior.
Segundo fontes da Fazenda informaram nesta reportagem do E-Investidor, a medida provisória vai atingir 11 produtos financeiros que hoje são isentos: Letras Hipotecárias, Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Certificado de Depósito Agropecuário (CDA), Warrant Agropecuário (WA), Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), Cédula de Produto Rural (CPR), Fundos de Investimento Imobiliário (FII), Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), Letras Imobiliárias Garantidas (LIG), Letras de Crédito do Desenvolvimento (LCD), Títulos e valores mobiliários relacionados a projetos de infraestrutura (Lei nº 12.431, de 2011 – debêntures incentivadas).
As mudanças sugeridas serão entregues ao Congresso via medida provisória (MP). Lá, tramitam em regime de urgência, mas precisam ser votadas e aprovadas. Como o IR é anualizado, mesmo que a proposta seja aprovada por deputados e senadores, só passa a valer em 2026. Ou seja, não incide sobre o estoque atual de ativos, nem para emissões realizadas até 31 de dezembro de 2025. Segundo a Fazenda, os detalhes da MP serão divulgados após a reunião com o presidente Lula, provavelmente nesta terça-feira (10).
Segundo Guilherme Almeida, head de Renda Fixa da Suno Research, a lógica anunciada pelo ministro de corrigir distorções tributárias, já indicava que a amplitude da medida seria grande, mesmo sem citação do ministro. Marcos Praça, diretor de Análise na Zero Markets Brasil, compartilha da mesma leitura. “O objetivo do governo é unificar regras e aumentar a arrecadação. A tendência é que todos entrem na conta”, diz o analista.
Medida impacta economia real?
A possível mudança também repercute entre os fundos listados na Bolsa que investem em ativos incentivados, como debêntures de infraestrutura ou certificados do agronegócio. “É bem provável que CRIs, CRAs e debêntures incentivadas sejam foco do estabelecimento dessa alíquota. Indiretamente, outros ativos também podem ser impactados, como os fundos que investem nesses papéis, inclusive os FI-Infra e Fiagros”, diz Almeida da Suno Research. Ele chama atenção para outros fundos de investimentos tradicionais, que alocam recursos em produtos incentivados. Estes também poderão ter que recalibrar suas estratégias.
Praça destaca que o impacto vai além do investidor final. “Se o custo para emissões de crédito sobe, setores como o imobiliário e o agronegócio podem ser diretamente afetados. Isso pode refletir até no custo de obras e no preço dos aluguéis, o que amplia o efeito da medida para a economia real”, avalia.
Essa visão é compartilhada por Marcos Camilo, CEO da Pulse Capital. Segundo ele, o aumento da tributação sobre estes títulos aumenta o custo do dinheiro de forma geral, com os setores produtivos perdendo atratividade e o Brasil, a produtividade. “Boa parte da rentabilidade do capital a investir será direcionado para custeio dos aumentos de gastos do governo federal e não para a atividade produtiva em si.”
LCIs e LCAs perdem atratividade?
Primeiro alvo de Fernando Haddad, as LCIs e LCAs fazem parte da carteira de muitos brasileiros justamente por não pagar Imposto de Renda, uma vantagem que as tornavam mais competitivas frente a outros produtos de renda fixa, como CDBs ou Tesouro Direto. Com a nova tributação, ainda que inferior a dos demais produtos que não são isentos (que varia de 15% a 22,5%, de acordo com a tabela regressiva do Imposto de Renda), esses papéis perdem parte da atratividade.
Rafael Haddad, planejador financeiro do C6 Bank, lembra que a atratividade de um investimento está ligada à sua rentabilidade líquida, ou seja, quanto o investidor de fato recebe após impostos. Por isso, a nova alíquota de 5% sobre LCIs e LCAs levanta dúvidas sobre sua competitividade frente a CDBs. Na sua visão, considerando as taxas atuais, esses papéis ainda fazem sentido em prazos curtos (até 1 ano), mas perdem vantagem em prazos mais longos, como 2 anos ou mais que têm alíquotas de 15% de IR. “Se a medida for confirmada, é provável que os emissores reajustem as taxas para manter a atratividade frente aos demais produtos”, comenta.
Na visão de Almeida, isso pode tende a afetar o funding de LCIs e LCAs, cujo estoque ultrapassa R$ 1 trilhão, e pode desacelerar a captação com esses títulos, hoje atrativos por sua isenção. Além disso, o argumento de correção de distorções também pode ser considerado frágil, pois os títulos privados têm um risco de crédito mais alto em relação àqueles emitidos pelo governo.
Recalculando a relação de risco-retorno
Em outras palavras, o impacto da medida tende a ser mais negativo na percepção do investidor do que positivo em termos de corrigir distorções. O investidor aloca recursos em títulos privados se a relação risco-retorno for mais atrativa do que a dos títulos públicos. Se essa vantagem se reduz, o apelo desses papéis também diminui.
“Ainda que seja uma alíquota competitiva, esperamos algum ruído no mercado e um possível arrefecimento da demanda”, prevê Almeida. “O real impacto só será conhecido quando novos títulos forem lançados com essa nova regra. Aí sim, será possível comparar as taxas e avaliar se os investimentos continuam vantajosos ou não.”
Segundo adiantou Fernando Haddad, uma nova Medida Provisória será editada para substituir a arrecadação que seria obtida com o decreto original do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Entre as medidas previstas está a tributação de 5% sobre investimentos atualmente isentos de Imposto de Renda – que, segundo o ministro permanecerão ‘incentivados’, mas não mais ‘isentos’.
O principal motivo dessa medida é arrecadatório, reforça Praça, da Zero Markets Brasil. “Após o desgaste com o decreto do IOF, o governo busca caminhos politicamente mais viáveis para fechar as contas. Tributar títulos antes isentos gera menos resistência do que mexer no câmbio, por exemplo, e não pressiona tanto a inflação”, afirma.