Veja como deve ficar as novas faixas de isenção do Imposto de Renda (Foto: Adobe Stock)
A Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (16) o aumento do limite de isenção do Imposto de Renda para aqueles que ganham até R$ 5 mil por mês, a partir do ano que vem. No parecer de Arthur Lira, presidente da Câmara, os que ganham acima desse valor e até R$ 7.350,00 terão redução parcial do imposto, com descontos específicos. Para compensar os gastos, o governo aumentará a taxação sobre os cidadãos que ganham mais de R$ 600 mil por ano.
A proposta, popular entre os eleitores e potencialmente benéfica para milhões de trabalhadores, no entanto, levanta questões sobre seus impactos fiscais, econômicos e sua viabilidade prática.
Segundo Tattiana de Navarro, especialista em direito tributário do escritório Oliveiras Navarro Advocacia, a mudança representa um alívio direto no bolso do trabalhador. “Considerando o valor anual, quem está dentro desse teto de isenção terá uma economia de aproximadamente R$ 4.300,00 ao ano, o que representa cerca de R$ 350,00 por mês. Para o trabalhador brasileiro, esse valor certamente faz diferença, especialmente se for bem administrado”, afirma. Ela observa ainda que esse ganho pode funcionar como uma espécie de “salário extra” distribuído ao longo do ano.
Além do impacto financeiro direto, Navarro destaca que a proposta contribui para a formalização das relações de trabalho. Muitos brasileiros, hoje, têm parte de seus salários pagos “por fora”, como forma de evitar a mordida do leão. Com a isenção, existe mais segurança para que trabalhadores regularizassem integralmente seus ganhos, reduzindo a evasão fiscal.
Contudo, a medida não beneficia apenas os que ganham até R$ 5 mil. A proposta prevê faixas de isenção progressiva — por exemplo, quem ganha até R$ 5.500,00 teria isenção de 75%, o que ainda representaria uma economia relevante. A partir dos R$ 7.350,00, passa a valer a tabela progressiva com alíquotas de 7,5% a 27,5%. Para a advogada, isso melhora a progressividade do sistema, mas não elimina todas as distorções. Ela também adverte que, em um país de baixa educação financeira, há o risco de que esse alívio não seja sentido no cotidiano: “Muitos trabalhadores absorvem rapidamente aumentos de renda no orçamento sem direcioná-los para poupança ou investimento.”
Quem paga mais?
O impacto fiscal, por sua vez, é motivo de preocupação. Mais de 26 milhões de brasileiros deixariam de pagar o imposto, o que gera uma perda bilionária na arrecadação. Guilherme Hakme, coordenador do Conselho Temático de Assuntos Tributários da Fiep, afirma que o governo tem optado pelo “caminho mais fácil” ao buscar compensação por meio da tributação de empresas. “Com a instituição dessa tributação adicional de até 10%, o Brasil eleva sua carga sobre a renda corporativa para quase 41%, enquanto a média da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] é de cerca de 23%”, alerta.
Hakme teme que esse aumento de impostos reduza a atratividade do Brasil para investimentos e gere efeitos colaterais como perda de empregos. Para ele, há alternativas mais equilibradas. “É plenamente possível compensar a isenção com a tributação sobre as bets ou com cortes de gastos públicos”, propõe. Ele também defende ajustes no projeto de lei, como a retirada da retenção na fonte sobre lucros e dividendos, e a atualização anual do valor mínimo de base de cálculo da tributação.
Já sob a ótica operacional e jurídica, Gabriel Santana Vieira, advogado tributarista e sócio do Grupo GSV, ressalta que a medida, embora relevante, ainda não corrige a defasagem histórica da tabela do IR, acumulada em mais de 140% desde 1996. “O ideal seria que a faixa de isenção alcançasse R$ 6.500,00, alinhando-a à inflação acumulada”, pontua. Segundo ele, a proposta atual é um avanço parcial e precisa vir acompanhada de uma reestruturação das demais faixas, além da revisão de deduções e regras que, hoje, geram compressão tributária para quem ganha um pouco mais.
Vieira também explica que a aplicação prática da medida exige regulamentação específica da Receita Federal. “Os trabalhadores só sentirão o alívio no bolso quando as tabelas forem atualizadas na folha de pagamento, o que pode levar de 30 a 60 dias após a sanção”, afirma. O advogado lembra ainda que a isenção atinge apenas a renda do trabalho: rendimentos como aluguéis e investimentos continuam sendo tributados.
Apesar dos desafios, Vieira vê na proposta um possível ponto de partida para uma reforma tributária mais ampla. A correção da faixa de isenção sinaliza a urgência de revisar a progressividade do sistema brasileiro. No entanto, ele adverte que, se essa correção vier isolada e sem medidas estruturantes, “será apenas um alívio momentâneo, sem transformar de fato o sistema tributário”.