

Mesmo com um endurecimento no discurso contra a China, o ex-presidente Donald Trump poderia, sim, voltar atrás nas tarifas anunciadas. A afirmação é de Thiago de Aragão, diretor de estratégia da Arko Advice, durante live realizada nesta segunda-feira pelo E-Investidor.
Na visão de Aragão, que também é colunista do E-Investidor, o movimento não seria uma resposta ao pânico que a guerra tarifária vem gerando nos mercados. Desde o anúncio de quarta (2) o S&P 500, o principal índice da bolsa dos EUA, já caiu mais de 10%. Esse possível recuo de Trump poderia estar atrelado a pressões eleitorais, inflacionárias e de financiadores da campanha republicana.
“Existe essa possibilidade, sim [de recuo de Trump sobre as tarifas]. A pressão de pesquisas, de pessoas próximas e das eleições de 2026 pode forçar Trump a rever as medidas. O que mais impacta é a política”, disse Aragão. Em 2026 haverá as eleições de meio de mandato em que os americanos renovam a composição da Câmara e até 1/3 das cadeiras do Senado. As duas casas hoje têm maioria republicana.
Publicidade
Invista em oportunidades que combinam com seus objetivos. Faça seu cadastro na Ágora Investimentos
A fala ocorreu após rumores de um possível adiamento de parte das tarifas, que chegaram a animar os mercados brevemente antes de serem desmentidos pela Casa Branca.
Dólar e inflação pressionados
Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, o outro convidado da live do E-Investidor, esse cenário de incerteza provocado pela política errática de Trump tende a manter o dólar pressionado. “Eu não consigo ver o câmbio ceder nos próximos meses. A tendência é de o dólar rodar perto de R$ 6, com picos e recuos de curto prazo”, afirmou. Segundo ele, a combinação de riscos externos com a fragilidade fiscal brasileira deve sustentar a volatilidade no câmbio ao longo de 2025 e 2026 neste patamar.
Sem ceder, o câmbio também ajuda a pressionar a inflação, que poderia ser ainda mais forte sobre os alimentos, no caso de a China reduzir a dependência dos Estados Unidos como fornecedor de itens como soja, milho, trigo, carne suína e bovina. “A inflação de alimentos já está pressionada, e qualquer aumento adicional da demanda externa pode piorar esse quadro”, lembrou.
Diante disso, Vale projeta um ciclo mais longo de juros, com a Selic em 14,75% por boa parte de 2025 e 2026, num cenário de risco de recessão nos EUA e eleições turbulentas tanto lá quanto no Brasil. O economista também avalia que o Brasil deverá crescer 1,8% em 2025 — quase metade do registrado em 2024, com o agronegócio sendo o principal motor da atividade, numa expansão entre 7% e 9% este ano.
Prós e contras para o Brasil
Na avaliação de Aragão, o País pode até colher ganhos pontuais com a escalada da guerra tarifária, mas os riscos também são altos. De um lado, o agronegócio poderia ampliar mercados, ocupando espaços deixados por exportadores barrados pelos EUA na China. De outro, a disputa entre Washington e Pequim poderia redirecionar o excesso de produção chinesa — inclusive com práticas de dumping — para mercados como o brasileiro, criando dificuldades para a indústria local. “As bugigangas que não forem mais para os EUA precisarão ir para algum lugar. E o Brasil vira um alvo fácil”, afirmou.
Sergio Vale também falou sobre os riscos para o Brasil de responder às tarifas americanas com medidas semelhantes, como previsto na recém-aprovada Lei de Reciprocidade Econômica no Congresso Nacional. Na sua avaliação, impor tarifas a produtos importados neste momento poderia agravar ainda mais a inflação doméstica, que já está acima do teto da meta. “Falar em sobretaxar importações agora é adicionar pressão inflacionária sobre uma inflação que já está elevada. Não temos margem para isso”, afirmou.
Publicidade
Segundo ele, o ideal seria intensificar a via diplomática e buscar contrapartidas comerciais, como maior acesso ao mercado de açúcar nos EUA em troca da abertura para o etanol americano, evitando um efeito dominó de retaliações que acabaria punindo a própria economia brasileira.