O que este conteúdo fez por você?
- Mercado dá como certo que Bolsonaro escolherá ministro que autorize o fim imediato do isolamento, sem o controle da pandemia
- Entendimento que prevalece é que reabertura desordenada provocará disparada no número de contaminados e pode levar a nova interrupção da atividade econômica
- Falta de alinhamento do presidente com ministros, governadores e Legislativo atrasa a recuperação e causa desconfiança no investidor
O pedido de demissão de Nelson Teich do cargo de ministro da Saúde, na manhã desta sexta-feira (15), não chega a ser uma surpresa. Ele não se mostrava disposto a ceder à pressão do presidente Jair Bolsonaro em dois aspectos importantes envolvendo a pandemia do coronavírus.
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O primeiro é o uso da cloroquina no tratamento de pacientes com covid-19. Bolsonaro queria que o ministro alterasse os protocolos da pasta e autorizasse a prescrição generalizada da substância, que não tem efeito comprovado contra a doença, e traz efeitos colaterais.
O segundo são as medidas de isolamento social, que tentam conter a disseminação do vírus. O presidente defende a retomada imediata das atividades econômicas, para se esquivar dos custos políticos de uma provável recessão.
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Enquanto não se chega a um novo nome para ocupar o cargo, a pasta foi assumida interinamente pelo general Eduardo Pazuello – a quem Bolsonaro já ordenou a assinatura de um decreto liberando o uso da cloroquina por todos os pacientes de covid-19. Agora, a aposta geral é que Bolsonaro escolherá um novo ministro que esteja afinado com suas posições.
“O mercado financeiro já tomou isso como dado: o próximo ministro da Saúde será alinhado à visão de Bolsonaro, que ignora completamente a ciência”, afirma Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos. “E isso vem no pior momento da pandemia no País, com expectativa de que o número de mortos suba muito nos próximos dias.”
Saída prematura do isolamento é vista como nociva para a economia
De acordo com a economista, o entendimento que prevalece é que uma saída do isolamento neste momento seria precipitada e atrapalharia a própria retomada da economia.
“Com o relaxamento da quarentena, o número de casos de covid-19 vai aumentar muito e a economia terá de parar novamente, seja por decisão do governo, seja pelas próprias pessoas. A população reage aos fatos, ela terá medo de sair de casa para trabalhar e não voltará a consumir”, acredita Solange.
Ela destaca, ainda, que a retomada gradual esboçada por governos europeus e asiáticos é fruto de um protocolo organizado. Além de já terem conseguido achatar a curva de casos, esses países dispõem de recursos como testes, máscaras e equipamentos de proteção, que o Brasil não possui.
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“Uma retomada agora seria um tiro no pé. O mercado não vê isso como positivo para a economia, e sim como o prolongamento de uma recessão. Sem a confiança de que a situação está controlada, as expectativas de crescimento não vão melhorar, e sim piorar”, resume.
Instabilidade política deixa a Bolsa em zona de congestão
Na opinião de Rafael Panonko, chefe de análises da Toro Investimentos, a instabilidade política é ainda mais preocupante para o mercado do que a posição adotada pelo próximo ministro da Saúde. Ele critica a falta de alinhamento e comunicação do presidente com seus ministros, o Legislativo, os Estados e municípios.
“Isso atrasa a recuperação, as coisas ficam para o ano que vem. E isso tem um custo. O crescimento torna-se pífio, muito aquém do esperado”, ele comenta.
Como consequência, o investidor reage com desconfiança – sendo que o estrangeiro passa a preferir aplicar seu dinheiro em outros países – e a Bolsa entra no que ele chama de “zona de congestão”.
“Não há movimento de fluxo comprador. A Bolsa fica em uma região sem tendência, até que surja uma luz no fim do túnel. Ela sobe dois dias, cai três e pode ficar nisso por muito tempo”, prevê. “Neste momento de crise, Bolsonaro precisa abandonar discursos populistas, atacar os problemas e melhorar sua habilidade de se comunicar”, opina.
Incerteza sobre duração da pandemia dificulta projeção de cenários
Para a economista Camila Abdelmalack, da Veedha Investimentos, os efeitos da falta de diretrizes econômicas e políticas da gestão Bolsonaro já se fazem notar nos preços da Bolsa.
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“Tudo o que estamos vendo nos preços dos ativos domésticos vem dessa falta de coordenação do governo. O alinhamento entre presidente e ministro da Saúde é essencial. Não é o momento para reabrir a economia, isso levaria a um aumento brutal no número de contaminados e mortos”, ela defende.
Ela diz que as incertezas do momento dificultam o desenho de cenários de junho em diante. “Falta clareza para precificar, as projeções estão muito vulneráveis. Mensurar o tamanho da contração da economia dependerá da duração do período de isolamento”, ela explica. “A Bolsa tem muitas empresas boas, prejudicadas pelo cenário econômico, mas nada impede que elas sejam ainda mais descontadas.”
Camila frisa que, além da crise sanitária, aspectos como a política fiscal do governo também pressionam o cenário. “A pandemia deixará efeitos no curto e médio prazo, mas será superada de um jeito ou de outro. Mas questão fiscal pode trazer problemas sérios e duradouros para a economia no longo prazo”, alerta.