- A mentalidade da escassez é definida por pesquisadores como a sensação subjetiva de se ter mais necessidade do que recursos
- Ela pode ser aplicada tanto ao dinheiro quanto ao tempo, mas os efeitos psicológicos que ela causa são iguais
- O conceito ajuda a entender a pobreza e a desmontar as limitações da meritocracia
Você já ouviu falar em mentalidade de escassez? Dois autores que trabalham com ciências comportamentais propuseram o conceito como uma forma de entender cientificamente os mecanismos psicológicos que a escassez de recursos ou de tempo causam nas decisões humanas.
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Sendhil Mullainathan, professor de Computação e Ciência Comportamental na Universidade de Chicago, e Eldar Shafir, cientista comportamental da Universidade de Princeton, propuseram esse debate no livro Escassez: uma nova forma de pensar a falta de recursos.
Usando uma densa base teórica da Psicologia, Economia e das Ciências Sociais, os autores problematizaram ideias muito difundidas, como a de que os pobres não conseguem melhorar sua situação por falta de educação financeira.
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Partindo de estudos de caso, os cientistas afirmam que a escassez de tempo e de dinheiro afeta a capacidade de tomada de decisões racionais e de planejamento a longo prazo.
O que é mentalidade da escassez?
Na obra, a escassez é definida como “uma sensação subjetiva de ter mais necessidades do que recursos”. Então, não é exclusiva para pessoas com dificuldade financeira.
Alguém sujeito a mentalidade da escassez está constantemente pensando e agindo para sanar um problema ou alcançar uma conquista para a qual lhe faltam instrumentos.
Essa escassez cria um superfoco no ponto do problema, no objetivo a ser alcançado, e, em um primeiro momento, a concentração pode parecer boa. Shafir e Mullainathan apresentam estudos que comprovam como a falta de tempo e a aproximação de prazos fazem que as pessoas fiquem mais atentas e sejam mais produtivas.
Porém, a longo prazo, a hiperconcentração é insustentável e leva a problemas para raciocinar de forma isenta de emoções. Além disso, faz que o sujeito ignore outros problemas que podem ser importantes e até urgentes.
Escassez e pobreza
A dinâmica é pior para pessoas em situação de pobreza. Quando a escassez é de itens básicos que garantam a sobrevivência, como alimento, moradia, água e sustento da família ou das relações sociais, o nível de pressão psicológica é infinitamente maior e compromete a capacidade de tomada de decisões financeiras mais razoáveis.
Os autores apresentam como exemplo o caso de agricultores que, apesar de terem vários incentivos e descontos para contratar um seguro da sua lavoura, optam por não o fazer por medo de comprometer a renda voltada para questões básicas.
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Outro exemplo é do enorme número de endividamento das parcelas mais pobres da população em diferentes países, que contratam empréstimos com juros altíssimos para sanar dívidas urgentes (como o aluguel) e entram em uma bola de neve de cobranças porque não conseguem pagá-los.
Assim, segundo os autores, a escassez aumenta o custo dos erros financeiros e também as possibilidades de cometê-los, já que qualquer gasto precisa ser feito com muita atenção e pressão.
Como a mentalidade de escassez afeta a vida financeira?
A teoria da mentalidade da escassez pode ser aplicada a qualquer pessoa em relação a tempo e a dinheiro, como também às organizações. Saiba como essa condição pode impactar sua vida financeira.
1. Viver apagando incêndios
Quando se está cheio de contas e dívidas emergenciais, resta pouco a fazer no sentido de planejar a vida financeira, a não ser vender o almoço para pagar a janta.
O mesmo ocorre na gestão do tempo, quando tudo era para ontem, só se consegue realizar o que é urgente. Então, com a mentalidade de escassez, muitos aspectos importantes podem ficar de lado.
2. Fica difícil arrumar a mala
Os autores usam a metáfora do orçamento como uma mala sendo arrumada para a viagem.
Quem tem a mala pequena precisa ter muito cuidado ao fazer qualquer escolha e, portanto, cada decisão pode gerar mais ansiedade. Quem tem a mala maior pode se dar ao luxo de não ter que fazer tantas escolhas e não precisa se preocupar tanto.
3. Não resta uma folga no orçamento para os sustos
Segundo os autores, a maioria dos empréstimos e outras decisões financeiras ruins é tomada por “sustos” que não são tão imprevisíveis assim. Em um estudo citado na obra, muitos ambulantes indianos tiveram as dívidas pagas, mas logo contraíram outras.
A justificativa eram os “sustos” que surgiam. O detalhe é que os sustos eram, na maioria, situações previsíveis (como o pagamento das contas de um parto ou da mensalidade escolar).
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Por isso, os autores ressaltam a importância de uma reserva emergencial e da previsão de gastos “incomuns”, mas que não são tão imprevisíveis assim. Apesar disso, entendem o problema que a pobreza impõe para que as pessoas consigam criar uma reserva.
4. Deixa-se de planejar
O problema óbvio de focar em ter dinheiro para pagar as contas imediatas é deixar de planejar adequadamente o futuro.
Se essa mentalidade de escassez não for alterada, mesmo que hajam períodos de abundância, os comportamentos vão continuar se repetindo e vai ser cada vez mais difícil sair desse ciclo.
Uma das soluções citadas é praticar a vigilância, criar mecanismos que obriguem a pensar várias vezes antes de tomar uma decisão por impulso, como a de fazer uma compra ou de contrair um empréstimo.
Além disso, os autores demonstram estudos que comprovam que mesmo pessoas em dificuldade financeira têm uma tendência maior a guardar dinheiro quando são lembradas (por notas ou mensagens dos empregadores ou dos bancos).
Uma sugestão, portanto, é deixar notas em lugares visíveis que “forcem” a guardar um pouquinho.
5. Acaba a sua “largura de banda”
Os autores usam o conceito de largura de banda como a capacidade mental dos indivíduos que vai sendo empregada conforme ele precisa agir e pensar em diversas situações.
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Quando se está sujeito à mentalidade da escassez é normal tomar atitudes como trabalhar exaustivamente ou ficar tão focado nos problemas que não sobra tempo para nada.
Estudos já demonstraram que a exaustão leva à queda da produtividade e, portanto, à dificuldade em criar soluções e ser produtivo.