- Além do acesso desigual, o problema se agrava brutalmente quando se olha para os patamares das taxas abusivas de juros
- O desequilíbrio na oferta e nos custos de crédito levanta a questão da desigualdade social
- Os juros cobrados no mês passado, pelo empréstimo consignado a esta população vulnerável, giravam em torno dos 100% ao ano
A desigualdade social no Brasil, acelerada pelo avanço da pobreza, é impactada por um elemento importante do sistema financeiro: a cessão de crédito. Levantamento do Serasa, em julho de 2021, aponta acesso desigual ao crédito entre classes sociais. A pesquisa mostra também que são oferecidos limites de crédito menores a mulheres do que a homens.
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Além do acesso desigual, o problema se agrava brutalmente quando se olha para os patamares das taxas abusivas de juros cobradas em empréstimos bancários e por financeiras.
Em julho de 2022, a Crefisa, empresa de crédito pessoal patrocinadora de time de futebol, esteve em meio a um litígio judicial, no Rio Grande do Sul, devido aos patamares de suas taxas de empréstimo superiores a 800% ao ano.
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O desequilíbrio na oferta e nos custos de crédito levanta a questão da desigualdade social, não somente em território nacional, mas coloca o povo brasileiro em desigualdade perante a população mundial. O Brasil tem o segundo maior spread bancário do mundo, ficando atrás apenas de Madagascar, de acordo com levantamento feito por economistas da LCA Consultores e do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) em 2019.
O Spread bancário é a diferença percentual entre a taxa de juros cobrada pelos bancos em empréstimos e a taxa de juros paga pelas instituições financeiras nos investimentos. Resumidamente, é a margem bruta dos bancos.
Os altos juros cobrados em empréstimos no Brasil são justificados pelos índices de inadimplência e pela dificuldade em recuperação judicial de dívidas no País. No entanto, através dos anos de experiência que tenho, ajudando pessoas por meio da educação financeira, posso afirmar que dificilmente um indivíduo, por mais bem intencionado e esforçado que seja, será capaz de honrar e quitar dívidas superiores a 2% ao mês, equivalentes a 27% ao ano.
Ora, caro leitor brasileiro, se você já contraiu dívidas na pessoa física ou jurídica em algum momento de sua vida produtiva, deve estar pensando que 30% ao ano de taxa de empréstimo seria uma oferta bem atrativa, dado que as taxas no cheque especial e no atraso do pagamento da fatura do cartão de crédito, estão em média, entre 150% e 500%, nas maiores instituições brasileiras.
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Portanto, se a taxa factível para ser paga por um esforçado trabalhador precisa ser inferior a 30% ao ano, como seria possível alguém honrar taxas ao redor de 150% ao ano? E ao redor de 400% ao ano? E de 800% ao ano?
Para os não tão familiarizados com o potencial dos juros compostos, tanto para o bem, se você é investidor, quanto para o mal, se está na ponta devedora, trago o seguinte exemplo: uma pessoa que pega 1 real emprestado durante 20 anos, a uma taxa de 100% ao ano, será devedora, ao final do período, de valor superior a 1 milhão de reais. Isso mesmo! Uma dívida de R$ 1,00 virará mais de R$ 1 milhão em 20 anos, de acordo com as taxas bancárias praticadas no País.
Recentemente o presidente da República sancionou uma lei que permite aos bancos dar empréstimo consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil, programa de transferência de renda destinado às famílias em situação de extrema pobreza. Além disso, não foi estabelecido pelo governo um limite na cobrança da taxa mensal. Os juros cobrados no mês passado, pelo empréstimo consignado para essa população vulnerável, giravam em torno dos 100% ao ano.
O Brasil, por sua enfermidade econômica, figura no ranking das maiores desigualdades em seu sistema financeiro. Está entre os 15 países que mais subiram suas taxas básicas de juros em 2022. Muito embora a inflação seja um fenômeno mundial, e países desenvolvidos, como os Estados Unidos, também tiveram que aumentar juros, nada se compara aos níveis das taxas cobradas em empréstimos no território brasileiro.
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A população americana tem a cultura da dívida arraigada ao comportamento, e grande parte dos americanos tem suas casas hipotecadas, mas a realidade do compromisso orçamentário com custos financeiros é completamente outra. As taxas de empréstimos hipotecários estão girando ao redor de 6% ao ano em um momento de alta dos juros americanos. No Brasil, mesmo no melhor momento histórico da Selic a 2% ao ano, as taxas de empréstimos não cederam significativamente.
Felizmente, vemos algum movimento de mudança no mercado financeiro. O Bradesco decidiu não oferecer empréstimo consignado a beneficiários do Auxílio Brasil. O presidente do banco declarou que a operação, por envolver juros elevados, seria um benefício ilusório a pessoas vulneráveis.
Redução das desigualdades está entre os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da agenda 2030 das Nações Unidas. O primeiro objetivo é a erradicação da pobreza.
Se queremos ser um país sério quanto às metas de desenvolvimento sustentável, quanto às práticas ESG e comprometidos com a proteção da população, precisamos olhar para o desequilíbrio na oferta de crédito. Há, no Brasil, bastante espaço ainda para melhorias nas políticas públicas econômicas e no mercado financeiro quanto ao ESG, principalmente na letra S de Social.
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