- Felipe Ruiz, sócio-fundador da Ações Garantem Futuro (AGF), acredita que os momentos de queda da bolsa são ideias para a compra de novas ações
- "O investidor de ações tem que olhar para o retorno no médio e longo prazo", afirma o sócio da AGF
O “sobe” e “desce” das ações costumam assustar os investidores em momentos de estresse de mercado que passam a ter mais medo de sofrer novos prejuízos. Com os ânimos a “flor da pele”, sair da bolsa de valores para migrar para ativos com menos “adrenalina” e com uma maior previsão de retorno parece ser a decisão mais sensata que surge à mente.
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A atitude pode até fazer sentido quando se tem uma perspectiva de curto prazo. Por outro lado, quando se amplia as projeções em um intervalo de tempo maior, o investidor pode ter perdido uma janela de oportunidade de uma boa remuneração. “O grande erro da maioria das pessoas que entra na bolsa é querer ir atrás daquele ganho rápido”, ressalta Felipe Ruiz, sócio-fundador da Ações Garantem Futuro (AGF).
Desta forma, o olhar do investidor de bolsa, na avaliação de Ruiz, deve estar voltado para o longo prazo e não para as variações do “dia a dia” do mercado. Quando se adota essa estratégia, além da valorização do papel, a remuneração acontece também por meio de dividendos.
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“Um acionista de verdade de uma empresa deveria ser um acumulador de ações. Ele pega aproveita os momentos de baixa (da bolsa) para comprar mais ações com o foco muito mais essa renda de dividendos e enxergando a valorização como algo circunstancial. É muito mais a consequência do que o objetivo”, argumenta.
A estratégia ajuda o investidor a se “blindar” dos movimentos de alta e baixa do mercado e o deixa mais “livre” para focar no desempenho operacional das companhias e como essa performance pode aumentar a margem de lucro das empresas. “Quando olhamos para os gráficos do Ibovespa e do dólar das últimas décadas, eles são crescentes. Mas ao dar um “zoom” nesse gráfico, ele é praticamente um eletrocardiograma”, acrescenta.
Em entrevista ao E-Investidor, Ruiz comentou sobre os riscos em torno do resultado das eleições e como o próximo governo pode afetar as empresas estatais. Confira os principais trechos da entrevista a seguir!
E-Investidor: Na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), a taxa Selic foi mantida a 13,75% ao ano. A decisão não foi unânime entre os dirigentes e pode sinalizar que o fim do ciclo de alta de juros não está tão próximo como se imagina. Como o investidor deve balancear o portfólio com base neste cenário?
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Felipe Ruiz: A gente gosta de manter uma reserva chamada de “oportunidades” em ativos de renda fixa. Na verdade, olhamos para dois tipos de reservas: a de emergência e a de oportunidades. Quando a bolsa está em queda, o que coincide com os momentos de juros em alta, é o momento em que investidor consome a sua reserva de “oportunidade” porque as ações ficam com preços mais “baratos”. Quando a Bolsa começa a subir ou a engatar uma alta mais consistente, é o momento em que você constrói a sua reserva para o próximo ciclo (econômico).
Qual o cenário (macroeconômico) atual? Se você for olhar como a grande maioria dos investidores estão olhando, é uma combinação de juros altos com esse temor generalizado de uma recessão global. Esse contexto tem derrubado ações fora do Brasil e de várias empresas, principalmente as ligadas à commodities, consumo, entre outros setores. No cenário local, temos as incertezas eleitorais que devem persistir por mais um tempo.
Então, sempre que nós olhamos para a bolsa, gostamos do momento em que está todo mundo um pouco desanimado, que ninguém quer comprar ações e que há um certo desequilíbrio entre oferta e demanda.
Com os juros em dois dígitos, ainda faz sentido montar uma carteira voltada para empresas pagadoras de dividendos?
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Ruiz: Sem dúvidas! O que acontece quando você tem esses estresses de mercado, todas as ações caem, independente de ser uma empresa boa ou ruim. Mas geralmente nessas quedas exageradas, as cotações caem mais rápido do que os lucros das empresas e é nessa hora que você consegue comprar um (dividend) “yield” mais barato, que pode se refletir daqui a um ano ou dois anos, aliado a um potencial de ganho de capital pela valorização dos papéis.
Então, por mais que você compare com a taxa Selic em relação ao dividend yield de outras empresas, pode parecer que não está tão atrativo assim. Por outro lado, estamos sempre buscando os ganhos nesta combinação de retorno por meio do fluxo de caixa gerado pelos dividendos, aliado a valorização dos papéis. Agora, o investidor de ações tem que olhar para o retorno no médio e longo prazo. Se ele quiser comparar com renda fixa a curto prazo, naturalmente as ações vão acabar perdendo.
Como o investidor deve delimitar o tempo de investimentos em cada classe de ativos?
Ruiz: Eu acho que talvez o grande erro da maioria das pessoas que entra na bolsa é querer ir atrás daquele ganho rápido. Você compra a R$ 10 e espera que a ação valorize 20%. Quando tiver a 12%, vende o papel e parte para a próxima. Esse é um movimento muito mais especulativo do que o de um investidor de verdade. Um acionista de verdade de uma empresa deveria ser um acumulador de ações. Ele aproveita os momentos de baixa para comprar mais ações visando muito mais essa renda de dividendos e enxergando a valorização como algo circunstancial. É muito mais a consequência do que o objetivo.
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Quando olhamos um gráfico do Ibovespa e do dólar nas últimas décadas, eles são crescentes. Mas ao dar um “zoom” nesse gráfico, ele é praticamente um eletrocardiograma. O índice sobe e desce o tempo todo. Então, quem está olhando a curto prazo acaba virando muito mais refém dessa volatilidade do que a pessoa que mira a longo prazo.
Ainda não vemos grande volatilidade em função das eleições presidenciais. Esse comportamento tende a mudar a partir de outubro?
Ruiz: A partir do momento em que se tem uma decisão sobre algo, naturalmente parte da volatilidade vai embora. Talvez, a pior coisa para um investidor estrangeiro que está olhando para o Brasil é trabalhar com incertezas. Às vezes, o investidor prefere uma notícia ruim do que uma incerteza. O investidor sabe precificar a notícia. Já a incerteza nem sempre.
Mas temos outros fatores que podem aparecer no meio do caminho que trazem volatilidade. Você vê agora, por exemplo, toda essa discussão de uma possível guerra envolvendo armas nucleares e envolvendo a Rússia também. É algo que há pouco tempo não se falava, por mais que se falasse sobre o conflito com a Ucrânia. Então, é algo que levado muito temor a muitos investidores. Os novos fatores podem ser incorporados e trazer volatilidade. Mas para o investidor de longo prazo, é fundamental enxergar a volatilidade como algo bom porque é justamente isso que vai permitir que bons preços apareçam.
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Na eventual entrada de um novo governo em 2023, o investidor deve esperar turbulências ou o mercado já está precificando essa possibilidade?
Ruiz: Eu acho que certamente ainda existem incertezas e um exemplo disso é o fato do candidato e ex-presidente Lula não ter apresentado seu plano de governo completo. Parte do plano de governo a ser apresentado irá acontecer depois das eleições e pode trazer novidades que não estavam precificadas. A escolha da equipe econômica é sempre um fator de preocupação para os investidores.
Eu acho que, dentro na nossa estratégia que prega sempre a compra de boas empresas a bons preços e com bons dividendos, e dentro daqueles setores mais blindados da economia (bancos, energia, saneamento, seguros e telecomunicações) independente dessas incertezas que possam aparecer no meio do caminho, são empresas mais imunes a eventuais “solavancos”.
Quando você olha o dia a dia, os contratos que essas empresas possuem de longo prazo e a forma que os clientes acabam consumindo seus produtos e serviços, o investidor naturalmente por meio dessas empresas tem um pouco mais de proteção do que outras que acabam sendo suscetíveis às decisões do dia a dia ou aspectos econômicos.
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Como ficam as ações das estatais neste contexto político?
Ruiz: Apesar de muitas estatais estarem em setores mais previsíveis e perenes, naturalmente, existe algum temor se alguma intervenção possa surgir em cima delas maior do que vem sendo executada. Algumas medidas de governança atuais conseguiram blindar muito mais as estatais em relação a alguns anos.
Mas as empresas não estão completamente imunes às interferências. Não sabemos o que pode acontecer, se a política de preço dos combustíveis da Petrobras (que desde 2016 acompanha a cotação do petróleo no mercado internacional) pode sofrer algum tipo de alteração. O estatuto da empresa tende a blindar, mas acredito que, se quiserem interferir, vão conseguir. Isso é inevitável.