- Ilija Batljan é um refugiado de guerra iugoslavo que se tornou um magnata do setor imobiliário sueco com império de US$ 13 bilhões
- A empresa dele, SBB, porém, está cambaleando depois de um rebaixamento de classificação e uma pilha de dívidas de US$ 8 bilhões
- O mercado residencial da Suécia está na linha de frente da crise imobiliária que se desenrola na região. Isso significa que a situação da SBB é um possível prenúncio do que está por vir para seus concorrentes
Um refugiado de guerra iugoslavo que se tornou um magnata do setor imobiliário sueco está rapidamente ficando sem opções para estabilizar o seu império de US$ 13 bilhões, e as consequências disso terão um efeito dominó por todo o setor na Europa.
Ilija Batljan começou a acumular uma carteira com mais de dois mil imóveis em 2016, comprando moradias populares e prédios de governos quebrados e alugando-os de volta. A ideia era combinar crescimento constante com retornos estáveis proporcionados por inquilinos confiáveis e de longo prazo – mas a realidade foi um apetite por dívidas que era grande demais para o mercado sueco.
A empresa dele, a Samhallsbyggnadsbolaget i Norden – mais conhecida como SBB –, agora está cambaleando depois de um rebaixamento para a classificação de “junk”, e o prazo para controlar uma pilha de dívidas de US$ 8 bilhões está acabando. A lista limitada de opções para Batljan, 55 anos, tem apenas escolhas difíceis: levantar capital com descontos altos; vender propriedades a preços extremamente reduzidos e colocar em risco as avaliações; ou vender uma participação na empresa que ele construiu do zero a um investidor externo.
Como inúmeros outros proprietários em toda a Europa, a SBB tomou muitos empréstimos de investidores ávidos por rendimentos em uma época de taxas de juros ultrabaixas. O que diferencia a empresa é a escala dos empréstimos e a sua exposição à Suécia – lar de uma das piores situações do setor imobiliário no mundo. Isso significa que a SBB enfrenta uma pressão de reestruturação mais cedo do que seus concorrentes, tornando-se um possível prenúncio do que está por vir.
Enfrentando uma queda de 20% nos preços da habitação, o mercado residencial da Suécia está na linha de frente da crise imobiliária que se desenrola na região. As atividades também estão prejudicadas no setor comercial, onde os proprietários do país devem rolar uma dívida de US$ 40,8 bilhões nos próximos cinco anos, um quarto do total vencendo este ano. Mas com os rendimentos dos títulos e, consequentemente, os custos dos empréstimos subindo para níveis exorbitantes, as tradicionais rotas de refinanciamento para as empresas com avaliações de risco baixas praticamente sumiram.
“Essas coisas com frequência começam como um incêndio local que não é considerado uma ameaça sistêmica, mas depois se espalham rapidamente como um raio e se tornam um problema gigante”, disse Per Jansson, vice-governador do Riksbank da Suécia, em um seminário em Estocolmo. “Precisamos monitorar isso de perto.”
Como fundador, CEO e acionista majoritário da SBB, Batljan está no olho do furacão. A tensão está crescendo antes de uma assembleia geral extraordinária, programada para 14 de junho, para aprovar medidas emergenciais nas finanças, e o empresário estará sob pressão para apresentar um plano confiável para se seguir.
“Ele terá que responder por declarações anteriores sobre o quanto a empresa era sólida e estável”, disse Sverre Linton, consultor jurídico da Associação Sueca de Acionistas. “Foi criado um culto em torno dele e da SBB. Mas agora a auréola está um pouco torta.”
Com as ações 90% abaixo de seu pico e os títulos sendo negociados em níveis fortemente depreciados, Batljan tem que se mexer depressa para recuperar a confiança, e há menos espaço para manobras. A empresa com sede em Estocolmo abandonou um plano de emitir 2,6 bilhões de coroas suecas (US$ 245 milhões) em novas ações depois que elas caíram para menos da metade do valor de subscrição após o rebaixamento em 8 de maio pela S&P Global Ratings.
A mudança foi um baque e tanto. Ela aumentou os custos de financiamento da SBB em 285 milhões de coroas suecas – o equivalente a 13% do fluxo de caixa do ano passado. Também mostrou que Batljan estava desatualizado. Poucos dias antes do rebaixamento, ele se gabou por a SBB atender a “todos os critérios” para que a S&P retirasse sua perspectiva negativa.
“O nível de classificação de crédito tem sido a base para o modelo de negócios da empresa”, disse Louis Landeman, analista de crédito do Danske Bank. “A rápida expansão não teria sido possível se a SBB não tivesse essa classificação.”
Ao construir seu império, a bravata de Batljan e a promessa de aumentar os dividendos durante “um século” conquistaram seguidores leais entre os investidores de varejo. O apoio tem cambaleado por causa da queda do preço das ações e a credibilidade do CEO foi prejudicada depois que a SBB propôs adiar o pagamento prometido após o rebaixamento.
Além de economizar dinheiro, a SBB levantou fundos vendendo uma participação na incorporadora imobiliária JM AB por 2,8 bilhões de coroas suecas. Batljan disse que a transação “permite um foco no negócio principal da empresa e um fortalecimento maior da posição financeira da SBB”.
Para um homem consagrado como o empresário do ano da Suécia em 2022, segundo a EY, as coisas azedaram depressa. Sua ausência na esfera pública tem sido notada nas últimas semanas, e os representantes da SBB não responderam aos pedidos de posicionamento para esta reportagem.
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A trajetória de Batljan como líder no setor imobiliário começou em Montenegro. Para escapar das guerras nos Bálcãs, ele se mudou para a Suécia em 1993 e se integrou rapidamente, graduando-se em economia pela Universidade de Estocolmo e, mais tarde, concluindo um doutorado em demografia e planejamento para cuidados de idosos.
No início dos anos 2000, ele entrou na política local e subiu na hierarquia dos social-democratas da Suécia, tornando-se prefeito da cidade costeira de Nynashamn e depois vice-presidente do conselho do condado de Estocolmo. O serviço público foi um trampolim importante para entrar no setor imobiliário, dando-lhe conexões fundamentais e conhecimentos sobre as finanças locais.
Depois da derrota de seu partido nas eleições gerais de 2010, Batljan optou por não atuar na oposição. Um ano depois, deu o primeiro passo na gestão imobiliária ao se tornar vice-CEO da Rikshem, uma empresa imobiliária de propriedade de fundos de pensões. Durante seu atribulado mandato de quatro anos, Batljan e o CEO da Rikshem foram criticados pelas remunerações generosas atreladas a empréstimos conversíveis. Ele foi demitido em 2015 por alegações de ter realizado aquisições pessoais paralelamente sem informar o conselho – uma investigação posterior o inocentou da maioria das acusações.
Em 2016, Batljan fundou a SBB e a empresa em pouco tempo adquiriu uma casa de repouso para idosos no sul da Suécia. A empresa tornou-se em pouco tempo uma especialista em contratos de sale-leaseback. Os municípios recebiam dinheiro, enquanto a SBB recebia um fluxo de receita e um ativo em seu balanço, dando-lhe a chance de pedir mais dinheiro emprestado. A casa de repouso serviria como um modelo para centenas de transações posteriores.
“Investimos no que são os ativos mais seguros do mundo”, disse Batljan poucos meses após a primeira aquisição da empresa. “O estado de bem-estar social nórdico é a contrapartida mais segura que se pode ter.”
No início de 2022, a fórmula estava funcionando tão bem que a SBB comprou imóveis na Noruega, na Finlândia e na Dinamarca e os ativos aumentaram para quase 160 bilhões de coroas suecas. Os recursos crescentes da empresa motivaram uma enxurrada de aquisições – sendo a maior delas a compra da Hemfosa Fastigheter por US$ 2,4 bilhões em 2019. Antes das taxas de juros começarem a subir no ano passado, a meta era praticamente dobrar a carteira para 300 bilhões de coroas suecas até 2026.
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Os problemas começaram a surgir no início do ano passado, quando a Viceroy Research, do vendedor a descoberto Fraser Perring, divulgou uma série de relatórios mordazes levantando dúvidas a respeito das finanças do CEO. Batljan revidou, alegando intenção criminosa. Em uma sinalização do quanto a questão era pessoal, ele usou o nascimento de um neto em outubro como uma oportunidade para chamar os vendedores a descoberto de “parasitas”.
O combustível para o crescimento estonteante da SBB era a dívida com grau de investimento. Durante um período de três anos, iniciado em 2019, a empresa vendeu o equivalente a US$ 7 bilhões em títulos, tornando-se um dos emissores mais prolíficos da Europa na época. Tendo crescido demais para o mercado interno de coroas suecas, ela vendia cada vez mais papéis em euros. Em 2021, 93% de sua emissão de US$1,9 bilhão estava na moeda – expondo a SBB aos riscos da queda de valor da coroa sueca no processo.
O excesso de novas emissões também incluía o uso profundo de títulos híbridos – títulos subordinados com vencimentos muito distantes ou inexistentes. Eles recebem tratamento favorável das agências de classificação de risco ao calcular os índices de endividamento, mas, junto com instrumentos como os swaps de retorno total, aumentam a complexidade financeira da empresa, o que desde então alimentou o ceticismo dos investidores.
“Parte do problema é a falta de transparência, combinada com um balanço complexo”, disse Landeman.
Além disso, a influência desproporcional de Batljan – controlando 31,6% dos direitos de voto, fora sua função executiva – fez soar sinais de alerta. A S&P advertiu no ano passado que a dependência da SBB de seu fundador cria “um risco maior de conflitos de interesses” do que sob uma estrutura de governança mais diversificada.
A SBB abriu o caminho com as iniciativas para vender ativos e levantar capital, e suas concorrentes europeias, como a Vonovia e a Aroundtown, estão começando a seguir o exemplo. Mas o foco de Batljan nos edifícios municipais e blocos de apartamentos com teto de valor para o aluguel pode tornar os imóveis da SBB mais difíceis de se vender em um momento no qual os compradores podem ser exigentes.
“Os investidores imobiliários devem aprender lições com a história da SBB”, disse Edoardo Gili, analista da empresa de pesquisa e consultoria imobiliária Green Street. “Quando os tempos difíceis chegam – como um ambiente de rendimentos crescentes –, a alavancagem e a governança tornam-se os fatores mais importantes.”