- Na Argentina existem mais de dez cotações definidas pelo governo e pelo Banco Central
- Acordo com FMI levou a aumento das cotações dos chamados "dólar agro" e "dólar ahorro"
- O peso é usado para gastos do dia a dia; despesas de alto custo, como a compra e o aluguel de imóveis, são pagas em dólares
A equipe técnica do Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Argentina chegaram a um acordo, no último dia 28 de julho, que pode garantir ao país vizinho acesso a US$ 7,5 bilhões (R$ 36,6 bilhões). A liberação do valor está condicionada ao cumprimento de metas econômicas pelos argentinos. Para atingir os resultados, o governo anunciou medidas que buscam aumentar as reservas em moedas estrangeiras no país, como o aumento da cotação dos chamados “dólar agro” e “dólar ahorro”.
O governo argentino elevou cotação do “dólar agro”, utilizado em operações de exportação de commodities agrícolas, de 300 para 340 pesos argentinos em exportações liquidadas até o dia 31 de agosto. A medida busca facilitar a entrada de dólares na economia do país, já que um câmbio mais alto estimula as exportações.
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Diferentemente do Brasil, onde o preço da moeda estrangeira varia conforme sua oferta e demanda, sendo as cotações de turismo e comercial as mais comuns, na Argentina existem mais de dez cotações definidas pelo governo e pelo Banco Central.
Segundo Robson Gonçalves, economista e professor de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a variedade incomum de cotações na Argentina é consequência da falta de reservas em moeda estrangeira. Com poucos dólares dentro de casa, o país adota diferentes cotações para estimular a entrada e dificultar a saída desse capital.
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“Países que têm escassez crônica de dólares, como a Argentina, estipulam uma cotação mais favorável, por exemplo, para as importações de produtos considerados essenciais e um câmbio mais desfavorável para importação de produtos considerados supérfluos ou que possuem um similar nacional”, explica o especialista.
Quando estimula a entrada da moeda americana no país, a Argentina dá um sinal ao FMI de que aumentará suas reservas. “O único objetivo de um organismo como FMI é que o país mantenha um bom volume de reservas em moeda estrangeira para honrar seus pagamentos internacionais”, diz Gonçalves.
Acesso ao dólar pela população
Outra medida anunciada na esteira das negociações com o FMI foi a equiparação da cotação do chamado dólar solidário, ou “ahorro”, ao dólar “tarjeta”, utilizado nas operações em dólar no cartão de crédito. Sua cotação costumava ser inferior à do “dólar tarjeta”. Na prática, a conversão de pesos para dólares, nessa modalidade, aumentou.
O dólar solidário é uma das maneiras que os argentinos podem acessar a moeda americana no mercado formal. No entanto, há um limite de até US$ 200 por pessoa e regras que dificultam a compra. Cidadãos que recebem algum tipo de auxílio do governo ou não conseguem demonstrar seus rendimentos, por exemplo, não conseguem acessar a moeda.
“Embora o dólar ‘ahorro’ tenha encarecido ao se igualar ao ‘tarjeta’, temos que recordar que as restrições para acessar o ‘ahorro’ são tais que já não representavam um montante significativo e menos ainda um fator explicativo importante da perda de reservas”, aponta Juan Barboza, economista do Itaú-Unibanco.
Devido à dificuldade em acessar o câmbio pelo mercado formal, a grande maioria da população compra dólares nas chamadas “cuevas”, ou covas, estabelecimentos que negociam o “dólar blue”, nome dado à cotação da moeda no mercado paralelo. Essa cotação informal pode ser até 150% superior ao dólar oficial, aponta Hernan Valdés, consultor do sistema financeiro argentino.
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A rua Florida, em Buenos Aires, concentra a maior parte das covas, mas os estabelecimentos também são encontrados dentro dos bairros. Em qualquer um deles os pesos serão trocados por “dólar billete”, nome dado ao dinheiro retirado em cédulas. Também existem situações em que se faz a operação inversa: trocar dólares por pesos quando a cotação está mais alta.
Há uma alta demanda pela moeda americana no país vizinho porque a população busca proteger o poder aquisitivo contra a inflação. Lá, o índice nacional de preços chegou a 115,6% no acumulado de 12 meses em junho, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec).
Segundo Valdés, apesar de o peso ser utilizado para gastos do dia a dia, como alimentação e viagens dentro do país, despesas de mais alto custo, como a compra e o aluguel de imóveis, são pagas em dólares. “Nós aqui há décadas pensamos em dólar”, diz Valdés.
Cotação dos turistas
Para os turistas brasileiros, as medidas adotadas pela Argentina para honrar o acordo com o FMI não têm grande impacto. Segundo Michael Roubicek, professor de finanças da Fundação Vanzolini, quem viaja para a Argentina normalmente negocia o “dólar blue”, comercializado no mercado paralelo. “A maior parte das pessoas vai continuar vendendo seus dólares na rua, com cambistas, em hotéis, pelo câmbio blue”, diz.
Brasileiros costumam viajar para a Argentina com dólares devido à alta demanda pela moeda americana no país. “Para o argentino, esse dólar é muito mais valioso do que o real, porque ele tem o que fazer com esse dólar depois. Ele troca melhor esse dólar no mercado argentino, tem mais valor”, explica Ricardo Amaral, presidente da Western Union no Brasil.
Os turistas se beneficiam da cotação mais elevada do “dólar blue”, pois a conversão gera mais pesos. Segundo o portal DolarHoy, US$ 1 era convertido a 598 pesos na venda na última terça-feira (8).
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Amaral ressalta que as operações de câmbio no mercado informal podem acarretar em riscos, como golpes ou recepção de notas falsas. Empresas de transferência internacional como a Western Union oferecem serviços de remessa com cotações comparativamente próximas à do “dólar blue”.
Os cartões internacionais também não passam por mudanças depois das negociações da Argentina com o FMI. “Os turistas brasileiras que usam cartão de crédito seguirão vendo os gastos em pesos argentinos convertidos a reais em um tipo de câmbio similar ao dólar financeiro que se opera na arbitragem de títulos argentinos em pesos e dólares”, explica Barboza, do Itaú-Unibanco.