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- O clima de euforia sumiu, mas isso não reflete apenas as incertezas impostas pela pandemia
- Mesmo assim, existe uma característica comum entre aquele ponto do passado e os dias correntes: a alta no valor das ações. O índice preço/lucro ajustado aos ciclos, compilado por Robert Shiller, da Universidade Yale, está pouco acima de 30
(The Economist) – O fim dos anos 1990 costuma ser desprezado como um período meio bobo. Foi uma época em que muita gente abandonou empregos bem-remunerados para participar da “corrida do ouro” no Vale do Silício. Projetos questionáveis receberam vultosas somas de dinheiro. Mas foi um tempo de esperança. Embora aquele papo de “economia da nova era” fosse levemente exagerado, houve de fato um aumento real da produtividade nos Estados Unidos.
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Hoje, o cenário é outro. O clima de euforia sumiu, e isso não reflete apenas as incertezas impostas pela pandemia. Raras vezes as taxas de juros reais de longo prazo – que, grosso modo, equivalem à perspectiva de crescimento futuro do PIB – estiveram tão baixas (se é que já estiveram em algum momento). O aumento da produtividade vai mal.
Mesmo assim, existe uma característica comum entre aquele ponto do passado e os dias correntes: a alta no valor das ações. O índice preço/lucro ajustado aos ciclos, compilado por Robert Shiller, da Universidade Yale, está pouco acima de 30. O nível atual é um tanto mais alto do que o registrado logo antes do crash da Bolsa de Nova York, em 1929, e mais baixo do que o pico anotado no ano 2000. Na década de 1990, o otimismo em relação ao crescimento justificava, em parte, o elevado valor dos papéis. Agora, o ambiente é de pessimismo – e os preços seguem elevados. Pode parecer paradoxal, mas a situação presente faz mais sentido.
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Um estudo publicado em 2013 por William Bernstein afirma que períodos de mudanças tecnológicas não costumam ser positivos para os acionistas* – haja vista as bolhas das décadas de 1920 e 1990, que acabaram mal. O segundo quarto do século 19 – a era da máquina a vapor, das ferrovias e do telégrafo – também não foi grande coisa.
Os fragmentos de evidências citados por Bernstein sugerem que o retorno oferecido pelas ações estava longe de ser espetacular. Estudiosos da “febre das ferrovias” ocorrida na Grã-Bretanha nos anos 1840 descobriram que os benefícios sociais e econômicos das vias férreas foram imensos, mas os investidores não se saíram tão bem.
O valor de uma ação é estabelecido pelo fluxo de caixa descontado. Considerando o pedaço da equação que se refere ao “fluxo de caixa”, a narrativa sobre os anos 1990 pode até ter lógica: a produtividade aumentou, a economia americana pisou no acelerador – e mais crescimento significa mais lucro. No entanto, Bernstein ressalta que não necessariamente crescimento mais rápido se traduz em mais retorno.
Em períodos de crescimento veloz, as ações são emitidas numa taxa ainda mais vertiginosa do que o aumento nos lucros e dividendos. E a influência de cada ação individual sobre a economia como um todo diminui. Essa diluição pode ser atribuída à obsolescência tecnológica. Quando a economia avança com agilidade, fábricas e locais de produção renovam seus equipamentos e materiais com maior frequência – e os novos ativos são financiados pela emissão de mais capital.
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Porém, é preciso considerar também o pedaço “descontado” da equação que avalia o preço dos papéis. Conforme muitos estraga-prazeres perceberam nos anos 1990, um crescimento sólido do PIB costuma trazer a reboque um aumento na taxa real de juros. Houve um momento, inclusive, em que a taxa real de longo prazo nos Estados Unidos chegou a 4% – o que reduziu o valor dos fluxos de caixa futuros.
Pensando numa combinação específica dessas diferentes influências – crescimento do PIB, diluição e taxas de desconto –, os preços que vemos atualmente começam a fazer sentido. O efeito da diluição é praticamente inexistente.
Antes do surto de coronavírus, as empresas americanas estavam recomprando (e não emitindo novas) ações. As taxas de desconto eram baixas, e despencaram ainda mais com a disseminação da doença. As pessoas parecem estar tão preocupadas com o consumo de amanhã quanto estão com o consumo de hoje. Os preços pagos por veículos como ações de empresas de tecnologia, títulos de dívida pública e outros andam elevados, como forma de transpor o poder aquisitivo de agora para o futuro.
Durante boa parte da história, os retornos mostraram tendência de queda à medida que as sociedades enriqueceram. Um estudo divulgado recentemente pelo Banco Central da Inglaterra concluiu que as taxas reais de juros no mundo caíram ao longo dos últimos cinco séculos**.
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Já Bernstein explica isso fazendo uma experiência de raciocínio. Nas sociedades de subsistência, é preciso contar com toda a colheita para garantir a sobrevivência. Mesmo que seja desejável guardar algum dinheiro para comprar sementes ou pagar por moradia, sobra pouco – por isso, a recompensa quando se opta por passar sem dinheiro hoje para proteger o amanhã (o que equivale ao custo do capital) é alta.
Quando as economias enriquecem, passam a gerar mais capital excedente. As pessoas ficam mais pacientes. Quem está de barriga cheia pode se dar ao luxo de esperar. Um x-burguer amanhã é praticamente tão bom quanto um x-burguer hoje. A taxa de desconto é mais baixa.
Essas tendências podem ser confusas. Há momentos em que as pessoas se preocupam mais com o x-burguer de hoje (no início de recessões, por exemplo). As taxas pessoais de desconto sobem e os ativos arriscados barateiam – como aconteceu, por um breve período, no começo deste ano. Não resta dúvida de que haverá outras oportunidades de comprar ações por preços mais baixos. No entanto, conforme sugere Bernstein, é provável que esses episódios se tornem mais fugazes do que costumavam ser no passado.
(Tradução: Beatriz Velloso)
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* “The Paradox of Wealth” [O paradoxo da riqueza], de William J. Bernstein, Financial Analysts Journal (2013).
** “Eight centuries of global real interest rates, R-G, and the ‘supra-secular’ decline, 1311–2018” [Oito séculos de taxas reais de juros no mundo, R-G, e o declínio ‘supra- secular’, 1311–2018], de Paul Schmelzing, Estudo número 854 (2020) do Banco Central da Inglaterra.