- Como a maior parte dos assessores está atrelada de alguma forma a uma corretora e o modelo predominante é o de comissões diferentes dependendo do produto investido, o conflito de interesses é um fato
- A Resolução 179, que entra em vigor em etapas, traz mais transparência à relação entre assessor e cliente, mas estudos mostram que isso pode até piorar a qualidade das orientações
- A evolução para um mercado melhor passa pela separação de papéis entre quem recomenda investimentos e quem executa o plano, assim como existe entre o médico e a farmácia
Dia desses recebi a seguinte pergunta de um seguidor no Instagram: “Como contratar um assessor que não tenha conflito de interesses?”. Essa pergunta, pra mim, reflete uma compreensão errada do papel que o assessor de investimentos deve prestar na construção de patrimônio.
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Afinal a maior parte deles trabalha atrelada a uma corretora e é remunerada pela oferta de ativos financeiros – e, mesmo nos arranjos do tipo “fee fixo”, o conflito com frequência ainda permanece, conforme já expliquei nesta coluna.
Diante desse cenário, um investidor falar em contratar um assessor sem conflitos equivale a eu querer encontrar uma vendedora independente na loja de roupas da esquina da minha casa. O conflito de interesses existe. Ponto final.
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Ainda que eu quisesse pagar pelo trabalho dela, a vendedora estaria limitada à oferta selecionada pela loja – assim como seria treinada por ela.
No mercado financeiro, também funciona assim. Bom lembrar que, apesar da evolução recente da regulação para permitir que um assessor trabalhe para diferentes corretoras, muitos têm contratos de exclusividade já assinados e, na prática, isso não ocorre.
O que vemos na realidade é o assessor atuando como uma espécie de vendedor ou filial de uma corretora. O papel dele, segundo o regulador, assim como o do gerente, é prestar informações sobre os produtos oferecidos e sobre os serviços prestados pela corretora ou banco.
Não cabe ao assessor análise e recomendação de investimentos, que são papéis de outros personagens do mercado, validados com outras certificações, como os analistas de valores mobiliários e os consultores.
Quando não são remunerados pela oferta de ativos financeiros, mas sim somente pelos clientes, e não têm qualquer vínculo com corretora ou banco, aí sim esses profissionais se livram do conflito de colocar comissões por produto acima do interesse financeiro de clientes.
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Veja bem, isso não significa que o assessor necessariamente vai cair no conflito, mas ele está ali presente. Dependendo do investimento que o cliente da corretora faz, o assessor ganha mais ou menos comissão.
Então o interesse dele não está alinhado com o de investidores.
Quem já leu “A (Honesta) Verdade Sobre a Desonestidade”, do pesquisador Dan Ariely, teve contato com diversos estudos que mostram que, expostas a conflitos, as pessoas costumam ceder a eles.
Profissionais respondem a estímulos financeiros.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado, tem se preocupado com o tema. A Resolução 179, que tem sido aplicada em fases, é firme sobre a transparência.
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Ela exige, por exemplo, o envio de um extrato trimestral aos clientes com a remuneração recebida pelo intermediário em virtude dos investimentos feitos.
Além do valor ganho pela corretora, deverá estar clara a parcela correspondente à remuneração do assessor. A transparência é um primeiro passo, mas os estudos citados por Ariely despertam outra preocupação.
Em um deles, é preciso acertar a quantidade de dinheiro contida em um jarro com assessoria de alguém com mais tempo e proximidade do que você para examiná-lo.
No experimento, o conselheiro sem conflitos de interesses é o mais eficiente em ajudar, privilegiando o retorno do cliente. E um conselheiro com conflitos escondidos oferece um resultado pior para o assessorado – o que era de se esperar certo?
O inusitado é que um conselheiro com conflitos transparentes, devidamente divulgados, é pior para o cliente do que os outros dois.
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Ariely conclui que as pessoas trapaceiam até o limite suficiente para se sentirem bem com elas mesmas. E a sensação de que estão sendo transparentes, por ser positiva, reduz a culpa e cria um viés maior nos conselheiros, levando-os a fazer indicações ainda piores.
Ou seja, para mim um mercado financeiro melhor para investidores não passa por fazer clientes entenderem os conflitos de seus assessores, mas sim enxergá-los como vendedores da corretora e, portanto, não as melhores pessoas para recomendar investimentos a eles.
Assim como você vai ao médico, pega a receita, e depois vai à farmácia comprar o remédio (onde pode contar com a ajuda do vendedor), você deveria recorrer a uma análise ou consultoria independente a fim de saber onde investir seus recursos. E, somente com essa prescrição, ir à corretora ou banco executar o plano com o auxílio de um assessor ou gerente.
O assessor segue tendo o seu papel, principalmente nos casos de investidores que não se viram tão bem com tecnologia e precisam de auxílio na hora de executar o plano: aqui vão se destacar os profissionais que prestarem informações sobre os produtos e serviços oferecidos da melhor forma.
A falta de clareza sobre o papel do assessor é hoje um problema, porque limita o crescimento do mercado de consultoria e análise independente – tão necessário para garantir investidores que constroem portfólios saudáveis, focados no longo prazo.
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