- Os CRIs são alternativas de financiamento que as empresas possuem para conseguir recursos voltados para projetos imobiliários
- Esse "financiamento" é realizado por securitizadoras que compram a dívida e as transformam em valor mobiliários para serem negociados no mercado
- A ausência de imposto de renda (IR) costuma atrair os investidores pessoa física, mas a complexidade da estrutura dos títulos axige atenção redobrada
Os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) trouxeram uma alternativa a mais para as empresas financiarem os seus projetos via mercado de capitais. Com o custo mais barato, as companhias conseguem levantar recursos por meio da emissão de um CRI. Na outra ponta, os investidores se beneficiam com o prêmio oferecido pela empresa e com a isenção de Imposto de Renda (IR).
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Mas, ao contrário de outros títulos de renda fixa, como os Certificados de Depósito Bancário (CDBs), esses instrumentos não contam com Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que prevê o ressarcimento de até R$ 250 mil ao investidor em caso de calotes. Isso significa que a ausência dessa cobertura exige uma atenção redobrada na hora de avaliar os papéis antes de incluí-los na carteira. Sem essa avaliação criteriosa, o retorno tão esperado pelo investidor pode se transformar em um prejuízo no portfólio.
Desde o ano passado, alguns casos de inadimplência de CRIs ganharam notoriedade e até prejudicaram as cotas de fundos de investimentos imobiliários (FIIs) que mantinham esses papéis nas suas carteiras. Como mostramos nesta reportagem, os cotistas dos fundos HCTR11, DEVA11, TORD11 e VSLH11 foram prejudicados no ano passado com a ausência de pagamentos dos CRIs do Grupo Gramado Parks. O calote começou no primeiro semestre de 2023 e a situação foi parcialmente resolvida em outubro último.
O mercado também monitorou de perto o caso da inadimplência envolvendo a Vibra Energia (VBBR3) que decidiu parar de pagar os aluguéis da sua atual sede no Edifício Lubrax, na cidade do Rio de Janeiro, em abril deste ano. Como contou o E-Investidor nesta reportagem, os aluguéis formam o lastro de dois CRIs. O caso mais recente envolve o calote de CRIs vinculados ao Resort Golden Laghetto, localizado em Gramado, no Rio Grande do Sul. A ausência de pagamento dos valores da dívida causou um prejuízo, incluindo multas e moras, de R$ 8,8 milhões.
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Quando observamos toda a indústria, o total CRIs que não honraram com seus pagamentos chega a 105 em 2024, segundo os dados levantados pelo Clube FII e enviados ao E-Investidor. Juntos, as emissões possuem um patrimônio de R$ 7,8 bilhões que representa 3,24% do volume total de todos os títulos emitidos no mercado. “Consideramos os CRIs que estavam vencidos e não repactuados. Ou seja, a dívida não foi paga nem reestruturada”, diz Felipe Ribeiro, diretor de investimentos alternativos do Clube FII e autor do livro Guia Definitivo para entender FII de CRI. “Se compararmos com uma mesa de crédito de um banco, por exemplo, o porcentual pode ser até aceitável”, complementa Ribeiro.
Veja o total de CRIs que deram calote em 2024
Descrição | Número |
Número de CRIs vencidos e não repactuados | 105* |
Somar total das emissões vencidas e não repactuadas | R$ 7,8 bilhões |
Soma total de todas as emissões de CRIs | R$ 284,9 bilhões |
Fonte: Felipe Ribeiro, diretor de investimentos alternativos do Clube FII/Dados até o dia 4 de julho de 2024 |
Veja como se proteger de calotes dos CRIs
Apesar da baixa representativa em comparação ao tamanho do mercado, os casos não retiram o risco do investidor que compra diretamente os CRIs para compor o portfólio. Isso porque esses instrumentos financeiros podem apresentar uma estrutura complexa que exige do investidor uma análise cautelosa sobre operação. Ou seja, não basta olhar apenas para as datas de vencimento e a rentabilidade atrelada à emissão, o investidor precisa entender todos os aspectos da dívida para evitar expor o patrimônio em um título ou em um portfólio de um fundo de investimento com alto potencial de calote.
Com a ausência do FGC, as emissões destinadas para o público geral que inclui os investidores pessoa física precisam estar acompanhadas por um regime fiduciário que determina a segregação do patrimônio relacionado ao CRI com o da securitizadora. A medida busca impedir que o fluxo de pagamento dos investidores não seja afetado caso a securitizadora – responsável pela emissão dos CRIs – vá a falência ou utilize os recursos para outros fins caso apresente dificuldades financerias. No entanto, mesmo com o regime, o risco de calote pode permanecer.
“(O regime fiduciário) Não garante que os recebíveis (o pagamento das dívidas) em questão não possam ficar inadimplentes e resultar em um calote de CRIs “, diz Jefferson Honório, sócio da Brio Investimentos. Isso significa que o instrumento não retira a necessidade do investidor em analisar as condições financeiras da emissão antes de realizar qualquer aporte. Essa avaliação abrange especialmente a capacidade de pagamento do emissor, por meio da divulgação das demonstrações financeiras da companhia nos últimos trimestres.
Se a companhia não for de capital aberto, que possui uma maior transparência na divulgação de dados financeiros, as notas dadas aos CRIs pelas agências de classificação de risco podem ser um ponto de partida interessante para avaliar o risco do emissor. Segundo Simone Albertoni, especialista de investimentos em renda fixa na Ágora Investimentos, quanto melhor for a nota, maior será a capacidade da empresa pagar e honrar as suas dívidas. “Devem ser considerados ainda outros pontos importantes, como a rescisão de contratos que lastreiam as operações, os possíveis problemas com os imóveis que dão garantias e os riscos de erros em formalizações de contratos de garantia”, cita Albertoni.
Investir em CRI ou em fundos de CRI?
As inúmeras particularidades dos CRIs podem tornar o investimento difícil de decifrar para um investidor pessoa física, ainda mais com a ausência da cobertura do FGC. Por esse motivo, Ribeiro sugere expor a classe de ativos por meio de fundos de CRIs ou em uma carteira administrada de CRI. Uma das vantagens além de delegar a escolha para um gestor profissional é garantir uma diversificação do portfólio. “Um documento de um CRI pode ter 500 páginas. Se ele comprar 10 CRIs, o investidor vai ter habilidade técnica para ler 5 mil páginas?”, diz Ribeiro.
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Nos fundos imobiliários ou em carteiras administradas destinadas a essas emissões, o papel dos gestores é acompanhar de perto as operações para evitar casos de defaults (calote) no futuro e esse trabalho tem início logo na escolha dos papeís. Alessandro Vedrossi, gestor de fundos imobiliários da Valora Investimentos, conta que o processo de análise parte da relação risco-retorno dos títulos. Ou seja, observam se o risco da operação está dentro dos parâmetros aceitáveis da gestora e se a rentabilidade do negócio está compatível com esse risco.
“Uma empresa com um bom histórico de pagamento com um projeto imobiliário ruim não funciona para a gente”, diz Vedrossi. As garantias atribuídas à emissão também entram numa análise criteriosa dos gestores. Pedro Ferronato, analista de crédito estruturado da Brio Investimentos, conta que é preciso avaliar se a precificação do bem ou do ativo descrito como uma garantia está compatível com o tamanho da dívida emitida pela empresa.
Segundo ele, o ideal é que a garantia tenha um valor superior ao do projeto imobiliário para que o emissor faça de tudo para honrar com o pagamento. “Somos muito criteriosos com a formalização das garantias porque precisamos averiguar se aquele bem ou ativo pertence mesmo ao emissor e o que é preciso ser feito para acionar as garantias em casos de inadimplência”, afirma Ferronato.
A atuação do gestor na seleção dos CRIs não retira o risco do investimento, mas simplifica o trabalho de análise do investidor. Caso substitua os aportes em um único ativo por um fundo imobiliário voltado para essas emissões, os investidores precisam entender os riscos assumidos pelo fundo – e também pelo gestor – para avaliar se a estratégia de investimento condiz com o seu objetivo financeiro.
Além disso, os FIIs são obrigados a distribuir 95% do seu lucro semestral aos cotistas, que são revertidos em pagamentos mensais de dividendos. A outra vantagem diz respeito ao investimento mínimo necessário para ter um FII na carteira. Enquanto a maioria das emissões de CRI exige aportes iniciais de R$ 5 mil a R$ 10 mil, os investidores têm a oportunidade de comprar uma cota de um fundo imobiliário por menos de R$ 100 e ter acesso a um portfólio diversificado de imóveis.
Como funciona a estruturação de um CRI?
Os CRIs costumam ser utilizados por empresas do ramo imobiliário, como construtoras, que buscam recursos para a execução ou conclusão de algum empreendimento. Para esses casos, as empresas recorrem às securitizadoras que assumem a dívida e a transformam em valor mobiliário para ser negociado no mercado de capitais.
“A companhia securitizadora precisa ser uma sociedade anônima e essa emissão necessita de registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). E os CRIs precisam possuir um lastro em créditos imobiliários”, afirma Marcela Zanetti Mascarenhas, advogada do escritório Benício Advogados.
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Para a emissão, fica sob responsabilidade das securitizadoras avaliar a viabilidade econômica da operação e qual seria o prêmio compatível com o ativo. Vale lembrar que, quanto maior for a rentabilidade do papel, maior o risco envolvido na operação. “Tudo isso deve ser descrito nos prospectos (documento que detalha a operação) dos CRIs para os investidores ficarem cientes sobre em que eles estão investindo”, ressalta Zanetti.
E assim como as outras modalidades de renda fixa, o CRI possui prazos de pagamentos e remuneração com rentabilidades prefixadas, pós-fixadas e híbridas que podem estar atrelados a indexadores, como o Certificado de Depósito Interbancário (CDI) e ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).