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Investimentos

Fundos imobiliários: modo de usar

Entenda como funcionam, quais os riscos e veja se eles são para você

Fundos imobiliários: modo de usar
(Foto: Denise Andrade/Estadão)
  • Ao comprar cotas, investidor está aplicando o dinheiro no mercado imobiliário. A compra de imóveis que serão alugados e a construção de um empreendimento são alguns exemplos. O valor arrecadado é repartido entre os investidores
  • Desempenho do FII flutua com a maré econômica. Portanto, há riscos para o investidor, que pode ver o valor das cotas oscilarem para baixo. Volatilidade, no entanto, é menor que a das ações
  • Investimento em FII é mais seguro que a compra de imóveis. Pulverização do risco, administração do gestor e liquidez imediata são algumas das vantagens. Horizonte de ganhos é de médio e longo prazo

Se você já se interessa por finanças pessoais há algum tempo, deve ter percebido que, de 2019 para cá, muita gente começou a falar – e investir – em fundos imobiliários (FII). Com os sucessivos cortes na taxa básica de juros, hoje em módicos 3,75% ao ano, o retorno das aplicações em renda fixa foi sendo achatado. Isso forçou o investidor a buscar alternativas que permitissem preservar a rentabilidade de sua carteira. E muitos viram nos fundos imobiliários uma opção interessante, capaz de entregar ganhos mensais consistentes.

Em pouco mais de um ano, o número de investidores dos FII passou de 200 mil para os atuais 762,4 mil. Esse salto foi impulsionado justamente pelo investidor pessoa física, que hoje responde por 76,15% das cotas e 71,72% do volume negociado na Bolsa de Valores de São Paulo. São 228 fundos negociados na B3, com um patrimônio líquido de R$ 94,5 bilhões.

A migração em massa de egressos da renda fixa nem sempre foi acompanhada das informações necessárias sobre a natureza, o funcionamento e os riscos desse tipo de investimento. O pagamento de dividendos mensais feito por grande parte dos FII os aproxima, nesse aspecto, de algumas aplicações de renda fixa. Mas as semelhanças param por aí. A possibilidade de oscilações bruscas no valor das cotas, típica da renda variável, assustou muitos investidores que pensavam estar entrando em um produto de baixo risco.

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“A gente escutou muito por aí que ‘fundo imobiliário é uma renda fixa turbinada’, mas isso é mentira. O valor da cota pode cair como o de qualquer ação da Bolsa”, avisa Daniela Casabona, sócia da FB Wealth.

Para não ser pego de surpresa no caminho, é fundamental entender bem onde o seu dinheiro está sendo investido. Veja o que você precisa saber para investir em fundos imobiliários com tranquilidade.

Como funcionam

Ao comprar cotas de um FII, você está entregando seu dinheiro para que ele seja aplicado, junto com o de outros investidores, no mercado imobiliário. Esse investimento pode ser feito em ativos de vários tipos, como veremos a seguir. O resultado financeiro da exploração desses ativos será repartido entre você e os demais participantes, como em um condomínio.

A legislação determina que os fundos distribuam pelo menos 95% dos lucros aos cotistas, uma vez a cada semestre. Mas a maioria paga dividendos todo mês. Essa é uma forma de atrair mais investidores, para quem é interessante contar com uma renda mensal. Nesse caso, o gestor do fundo faz uma estimativa de quanto será o lucro no semestre, reparte esse valor em seis parcelas mensais e, ao longo do período, vai fazendo os ajustes necessários nos pagamentos seguintes, conforme essa projeção se confirme ou não.

O que tem dentro da carteira? Depende!

Os FII mais comuns, entre 60% e 70% do mercado, têm em seu portfólio imóveis físicos: por isso, são chamados informalmente de “fundos de tijolo”. Podem ser lajes corporativas (andares de escritórios), shopping centers, galpões logísticos, hospitais, hotéis. O que for arrecadado com a locação ou arrendamento desses imóveis será a receita do fundo, distribuída entre todos.

Outros fundos têm na carteira títulos de renda fixa com lastro em imóveis (em geral, certificados recebíveis imobiliários, os CRIs). Nessa modalidade de crédito privado, o dinheiro do comprador do título é emprestado a uma empresa, que oferece um imóvel em garantia. Se ela não pagar a dívida, esse imóvel será leiloado pela securitizadora. Esses fundos, que respondem por pouco mais de 20% dos FII, são os “fundos de papel”.

Há ainda os fundos de desenvolvimento, mais raros. Neles, o fundo fica sócio de um projeto de incorporação imobiliária. O dinheiro dos cotistas é usado para comprar o terreno, erguer o prédio, vender os apartamentos e auferir o lucro dessa incorporação.

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Por fim, há os fundos de fundos, que trazem no portfólio cotas de outros FII. Se antes de escolher um FII o interessado precisa analisar com cuidado vários aspectos (o perfil dos imóveis na carteira, se eles tendem a ganhar ou perder no cenário atual), ao adquirir cotas de um fundo de fundos ele delega essa escolha ao gestor da carteira. É o mesmo raciocínio por trás dos fundos de ações: em vez de escolher uma empresa e fazer uma aposta nela, comprando suas ações na Bolsa, ele deixa que alguém mais experiente monte uma cesta de ações, e apenas compra um pedaço dessa cesta, diluindo o risco.

“O gestor tem acesso a informações que a pessoa física ou não tem, ou pagaria caro demais para ter. Nós ficamos olhando fatos relevantes o tempo todo, para fazer trading (negociações diárias) e buscar ganho de capital”, explica o diretor executivo da Ourinvest Real Estate, Rossano Nonino. “Com a enxurrada de novos investidores vindos da renda fixa, a quantidade de fundos de fundos cresceu exponencialmente, porque esses investidores não conhecem bem os FII e não têm condições de monitorar o mercado como alguém mais qualificado.”

Os riscos dependem da maré econômica

O desempenho de um FII não é linear como o de um produto de renda fixa. Ele flutua ao sabor da maré econômica. O fundo de tijolo tem os riscos de vacância e inadimplência, velhos conhecidos de quem investe em imóveis. Um imóvel desocupado não gera receita, e um inquilino em dificuldades financeiras pode não pagar o aluguel ou pedir um abatimento. Já nos outros tipos de fundo, os riscos envolvidos são diferentes.

“O fundo de papel tem risco de crédito. A empresa pode não honrar a dívida e pode ser difícil executar o imóvel dado em garantia”, explica o economista Philipe Aguiar, da Ativa Investimentos. “Já no fundo de desenvolvimento, há o risco de incorporação: quando o projeto for entregue, o cenário pode ser totalmente diferente daquele do momento da construção.”

Entre os fundos de tijolo, alguns tipos de imóveis sentiram mais rapidamente os efeitos da crise provocada pelo coronavírus. Os primeiros a sofrer foram os shopping centers, que tiveram o fechamento decretado pelas autoridades, e os hotéis, uma vez que a quarentena reduziu as viagens a zero. Isso fez seus resultados despencarem – muitos até suspenderam ou reduziram a distribuição mensal de dividendos. Já outros setores só tendem a ser penalizados no médio prazo, se a pandemia se prolongar.

“No caso das lajes corporativas, uma empresa que ocupa um andar com mil funcionários está mais preocupada em coordenar o home office do que em reduzir o aluguel ou mesmo sair do prédio. Quando tudo voltar ao normal, ela resolve o que faz”, diz Rossano. “Já os galpões de logística estão tendo até excesso de demanda, com uma participação anormal de compras online e delivery nas nossas vidas”.

Vantagens sobre o imóvel: segurança, comodidade e liquidez

O principal medo de quem investe em cotas de fundos de tijolo é o mesmo de quem possui propriedades imobiliárias: o da vacância. Imóvel vazio não gera despesa e ainda vira custo. Mas quem investe o dinheiro no FII tem uma grande vantagem: é possível diversificar e, com isso, pulverizar esse risco.

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“Com R$ 500 mil, você pode comprar um escritório de 50 m², ou cotas de todos os FII que estão na Bolsa. Se a região do imóvel estiver em crise, a receita do seu escritório despenca a zero”, observa o CEO da Habitat Capital, Eduardo Malheiros. “Por outro lado, investindo em vários fundos, com shopping, galpão, escritório, mesmo que a inadimplência cresça, você não fica na mão. Alguns vão mal e outros vão bem.”

Ele ressalta que a presença do gestor também é uma proteção extra, que conta pontos para o fundo. “É alguém que está lá para resolver as coisas: ele gerencia o caixa, vai atrás de novos inquilinos, usa a renda dos que pagaram para compensar os inadimplentes”, diz.

Outro fator que favorece o FII é a liquidez. Se o dono do imóvel precisar de dinheiro, ele tem que esperar até que a propriedade encontre um comprador, o que pode levar meses ou anos. Em uma situação limite, ele terá de oferecer um desconto agressivo no preço de venda para gerar caixa. Já nos fundos, é possível vender as cotas e receber a quantia em apenas dois dias.

Essa maior liquidez não significa, no entanto, que os FII sejam um bom substituto para as aplicações de renda fixa. As cotas podem ser vendidas a qualquer hora, mas sofrerão marcação a mercado, sujeitando o investidor a ganhar ou perder dinheiro. Por isso, o FII não serve para investir aquela quantia de que você pode precisar no curto prazo. “A reserva financeira de emergência, com horizonte de 3 a 6 meses, ainda deve estar na renda fixa atrelada ao CDI, que é menos arriscada”, recomenda Malheiros.

Preço das cotas: o fundo vale o quanto pesa?

Como o patrimônio de um FII é formado por um ou vários imóveis, o valor desse patrimônio dá lastro ao fundo e, em tese, ao valor das cotas, que são pequenas frações desse bolo. Nem sempre, porém, o valor de negociação das cotas é um espelho fiel da fração do todo que elas representam. Em duas fases praticamente consecutivas, o preço das cotas se descolou da realidade, para cima e para baixo.

Em um primeiro momento, no segundo semestre de 2019, a chegada em massa de novos investidores vindos da renda fixa inflacionou o valor das cotas. Mal informados, muitos novatos entraram em fundos sem qualquer critério, desconhecendo o que havia na carteira de cada um e qual o seu real valor.

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“Com isso, alguns fundos acabaram superfaturados, negociados a um valor muito superior ao do patrimônio”, conta Rodrigo Moliterno, da Veedha Investimentos. “Se o prédio na Faria Lima vale R$ 10 milhões, não dá para conceber que a soma dos preços pagos pelas cotas seja de R$ 80 milhões. Isso não é verdadeiro, é totalmente fora da expectativa de valorização do imóvel.”

Meses depois, com a explosão da pandemia do coronavírus, o movimento se inverteu radicalmente. Em meio ao pânico do mercado financeiro, muitos fundos viram o valor das cotas derreter e passaram a ser negociados muito abaixo do valor patrimonial.

“Claro que existe razão para a queda. Shoppings e escritórios vão ter alguns meses de dor de barriga, assim como a economia como um todo. Mas houve exagero”, acredita Malheiros. “O imóvel é um ativo que se carrega para a perpetuidade. A renda de locação pode ser zero em meses críticos, mas aí o escritório perderia 10% do valor. As cotas derreterem 40% é algo desproporcional. Não é porque um shopping passou três meses fechado que ele passou a valer 40% a menos.”

Descontadas as distorções desses momentos atípicos, antes de aderir a um fundo o investidor precisa avaliar se ele está caro ou barato. “Os R$ 100 por cota significam quantos reais por metro quadrado do imóvel que está lá dentro? O que eu estou comprando em termos de metro quadrado?”, pondera o CEO da Habitat. “Compare isso com o preço em corretoras de um imóvel parecido à venda na região. Esse já é um balizador.”

Volatilidade ainda é menor que a das ações

A esta altura do texto, você já deve ter entendido que investir em FII requer alguma tolerância a oscilações. Se seu perfil é do tipo mais conservador, que não suporta variações negativas no patrimônio, talvez essa não seja a melhor opção para você.

Mesmo com essa volatilidade, o risco desses fundos é bem menor que o do investimento em ações. Tanto é que vários especialistas colocam os FII como uma posição intermediária no caminho entre a renda fixa e a renda variável.

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Uma das razões está na própria materialidade do ativo imobiliário. Ações podem passar a valer zero se uma empresa quebrar. Já um prédio não quebra: ele pode gerar renda menor se ficar ocioso, mas não perde todo o valor. No limite, pode ser vendido para que o dinheiro seja repartido entre os cotistas do fundo.

Boa prova da resiliência desse tipo de investimento, de acordo com Eduardo Malheiros, está no desempenho do IFix, o índice de preços dos FII, durante o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Nessa época, o mercado imobiliário enfrentou a típica “tempestade perfeita”.

“Saímos de um momento de euforia, com superoferta de imóveis, vacância no mínimo histórico e aluguéis no máximo histórico. De repente, tudo se inverteu: a vacância foi de 3,5% para 25% em SP e de 1,5% para 30% no Rio, a Selic dobrou, os inquilinos passaram a querer pagar um terço do aluguel combinado… e o IFix caiu apenas 25%”, ele lembra.

De qualquer maneira, a volatilidade dos FII existe e surpreendeu muitos desavisados que vieram da renda fixa e viram suas cotas perderem valor. Depois dessa experiência, verdadeiro teste de estresse que mostrou quem aguenta os trancos da renda variável, a pior atitude que essas pessoas podem tomar é voltar para a renda fixa. Com a taxa Selic no magro patamar atual, recuperar as perdas levaria muitos anos.

“Vamos supor que o investidor aplicou em um FII de shopping center, que teve prejuízo com o coronavírus. Se ele vender as cotas e aplicar o dinheiro no CDI, em seis meses terá rendimento líquido de 1,5%. Se deixar tudo como está e, nesses seis meses, o shopping recuperar um quarto do que caiu, já terá sido um investimento muito melhor que o CDI. Cedo ou tarde as pessoas vão voltar a consumir”, afirma o CEO da Habitat.

Horizonte deve ser de médio e longo prazo

Para quem já entrou ou está pensando em entrar nos FII, é importante moderar as expectativas. As perspectivas de ganhos são boas, mas o investidor precisa ter paciência para aguardar resultados no médio e longo prazo. Os rendimentos devem voltar a subir depois que a crise passar.

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Diante das perdas do cenário, que chegam a 25% em alguns fundos, muitos investidores podem pensar em vender suas cotas. De acordo com os especialistas, porém, eles só devem se desfazer de suas posições se realmente precisarem de dinheiro. Para Alessandro Vedrossi, sócio da Valora Investimentos, o comportamento deve ser o mesmo que um dono de imóvel teria em momento de baixa.

“Vamos supor que você comprou um apartamento há 7 anos. Com a crise, ele se desvalorizou muito. Se quisesse vendê-lo agora, teria que dar um desconto muito grande”, ele propõe. “Mas a economia se recuperou e você não o vendeu. Se não precisou do dinheiro, o apartamento continua lá. Por que teria vendido no pior momento da crise?”, indaga.

A crise inclusive traz boas oportunidades de compra – desde que, vale insistir, a ideia seja pensar em ganhos no longo prazo. “Não tenho dúvidas de que tem muito fundo super descontado, que não faz o menor sentido em um cenário de normalidade”, diz Vedrossi. “Mas não dá para saber se amanhã não vai cair um pouco mais antes de voltar a subir. A normalidade voltará em algum momento, nem que seja um ‘novo normal’”.

Eduardo Malheiros também defende novas aquisições, feitas com sangue frio. “O investidor tem que comprar hoje e colocar o home broker em quarentena, ficar um tempo sem olhar. Outras notícias ruins podem fazer os preços caírem mais”, ele defende. “Pensa no futuro, compra e não sofre. Senão, vai querer vender na semana que vem e perder dinheiro”, finaliza.

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