- Sanções dos EUA à Rússia e a guerra comercial com a China impactam o mercado cambial
- Commodities impactam diretamente a balança comercial brasileira. A entrada e saída de capital estrangeiro influenciam a taxa de câmbio
- Previsão de fechamentos entre R$ 5,40 e R$ 5,70 em agosto
O dólar renovou às máximas nesta quinta-feira (1) e chegou ao nível de R$ 5,74, refletindo a aceleração dos ganhos da moeda americana no exterior. A alta volatilidade tem sido um ponto de atenção para o real e as moedas latinas, as que mais sofrem com as incertezas de uma desaceleração mais forte da economia dos Estados Unidos.
A expectativa dos analistas financeiros é de que a moeda americana continue a ser influenciada por fatores tanto internos quanto externos em agosto. A decisão pela manutenção dos juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) e pelo Comitê de Política Monetária (Copom), na quarta-feira (31), ajuda a desenhar a direção do câmbio nas próximas semanas.
“Essa é uma variável muito difícil de prever no curto prazo, principalmente quando se fala do real, porque ele tende a ser um ativo muito volátil e pode ser impactado por questões políticas, notícias, incertezas. Fazemos uma avaliação de tendência e se o preço de hoje está descolado ou não dos fundamentos”, diz o economista da XP Investimentos, Francisco Nobre.
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Os analistas veem a moeda pressionada no curto prazo, mas o alívio no câmbio deve começar em setembro, com o provável corte dos juros nos EUA. As previsões dos analistas saem de R$ 5,40 e chegam a R$ 5,70 para o final de 2024. Corretoras e bancos veem o dólar no curto prazo a uma faixa menor, até R$ 5,50 (veja a tabela abaixo), o que mostra a imprevisibilidade do cenário para a cotação do dólar.
Que fatores sustentam essas projeções para o dólar? No cenário doméstico, julho foi marcado por declarações mais moderadas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que no primeiro semestre contribuiu para a desvalorização do real com críticas ao Banco Central (BC) e questionamentos sobre a necessidade de controle dos gastos públicos. Além disso, houve o anúncio de cortes de despesas e contingenciamento. No cenário externo, além do adiamento do início de cortes de juros nos EUA, o que penaliza o real é a incerteza em relação à eleição presidencial americana, após a desistência do atual presidente e candidato, Joe Biden.
Na quinta reunião neste ano, o Copom decidiu não alterar a Selic, mantendo a taxa de juros em 10,50% ao ano. Nas quatro reuniões anteriores, houve corte de juros nas três primeiras e manutenção na última. Para os analistas financeiros, a comunicação é essencial para entender como o BC está avaliando o balanço de riscos econômicos, considerando a recente deterioração nas métricas de inflação, taxa de câmbio e perspectiva fiscal. Isso poderia pressionar o BC a reavaliar a necessidade de ajustes futuros nos juros.
Nos EUA, o Fed decidiu manter as taxas no maior nível desde 2001, numa faixa de 5,25% a 5,50% ao ano. A medida já era antecipada pelo mercado e seguiu a manutenção das taxas na última reunião em junho — marcando agora a oitava reunião consecutiva com juros inalterados. O presidente do banco central americano, Jerome Powell, declarou, em uma entrevista coletiva após a decisão da instituição, que uma redução das taxas de juros no país “pode acontecer” na reunião de setembro, caso a inflação diminua conforme as expectativas e o mercado de trabalho se mantenha estável.
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Para Nobre, isso não necessariamente quer dizer que o Fed vai cortar a taxa de juros em setembro, porque isso depende de uma série de dados. “As decisões precisam ser técnicas com base nos dados que são divulgados. Os membros do Fed não cravam uma decisão, um movimento de forma antecipada. Tem muito dado para ser divulgado até setembro. A depender do que ocorreu no primeiro semestre, podem haver surpresas muito altistas na inflação, o que pode atrapalhar o plano do Fed de cortar juros”, analisa.
O especialista diz que o relatório Payroll, que será divulgado nesta sexta-feira (2), será um indicador chave. Caso haja uma deterioração significativa no mercado de trabalho, com aumento na taxa de desemprego e geração líquida negativa de empregos, isso poderia forçar cortes de juros mais agressivos. No entanto, juros mais baixos nos EUA podem ter um impacto ambíguo: enquanto poderiam desvalorizar o dólar, beneficiando o real, também poderiam aumentar a aversão ao risco global, resultando em fuga de capital dos países emergentes.
Dólar e influências internas no Brasil
No Brasil, as medidas econômicas e a situação fiscal vão continuar influenciando o real. Segundo o especialista em câmbio da Manchester Investimentos, Thiago Avallone, o governo brasileiro tem enfrentado desafios ao gastar mais do que arrecada, o que desvaloriza a moeda. Recentemente, um corte de gastos da máquina pública em torno de R$ 15 bilhões, diz ele, trouxe um alívio temporário na alta do dólar. “O governo vem promovendo uma reforma fiscal que aos olhos do investidor estrangeiro traz um sentimento de comprometimento com o mercado. Isso acaba favorecendo a entrada de moeda estrangeira no país, além da valorização do real perante a moeda americana”, diz.
Mas Avallone lembra que Lula já vem há algum tempo criticando o banco central brasileiro, dizendo que não há motivos para manter a taxa de juros em patamares tão altos como o atual, e que vai indicar o nome do novo presidente do BC para “o povo brasileiro” e não para o mercado. Foi o que Lula fez na quarta, antes do anúncio do Copom sobre a Selic. “Essas falas estão provocando um certo desconforto no mercado, que teme um retrocesso no que se refere à independência do banco central e que acabe voltando a tomar decisões políticas em vez de decisões baseadas em fundamentos macroeconômicos. Isso não é bom para o mercado e acaba afastando o investidor estrangeiro do Brasil”, afirma.
Além disso, a inflação e as decisões do BC impactam diretamente a moeda brasileira, segundo o especialista. “A alta da inflação pode levar à depreciação do real em relação a outras moedas. Investidores internacionais podem perder confiança na moeda, levando a uma fuga de capitais e pressionando a taxa de câmbio. O Banco Central utiliza a taxa Selic para controlar a inflação. Quando a inflação está alta, o BC pode aumentar a taxa de juros para reduzir o consumo e o investimento, diminuindo a pressão inflacionária”, lembra Avallone
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Francisco Nobre, da XP, afirma que há um aumento de prêmio de risco no Brasil por causa de uma preocupação adicional com o fiscal. “É uma taxa de câmbio de equilíbrio que se vê acima do nível do começo do ano, quando se avaliava em cerca de R$ 5 o dólar. Hoje, essa cotação pode ficar em R$ 5,40. Mas, de qualquer forma, continua sendo um real um pouco mais forte do que a gente vê hoje no preço que está na tela atualmente”, analisa.
Influências externas, tensões comerciais e conflitos internacionais
As tensões comerciais entre os EUA e outros países, como China e Rússia, também precisam ser consideradas, avaliam os especialistas. “Os EUA historicamente possuem tensões com a Rússia desde a Guerra Fria. Devido à invasão russa à Ucrânia, os EUA estabeleceram sanções comerciais com aquele país. Como qualquer operação realizada no comércio internacional em dólares precisa passar por um banco americano, não há possibilidade de se realizar pagamentos de importações russas na moeda americana”, detalha Avallone.
A guerra comercial entre EUA e China também influencia o mercado cambial. Atualmente, no período de eleições nos EUA, ao que tudo indica há uma grande vantagem do candidato Donald Trump. Segundo os analistas, essas tensões tendem a aumentar, com mais taxas impostas pelo governo americano sobre produtos chineses. “Em contrapartida, a China responde na mesma moeda, taxando os produtos americanos. Com a economia americana se mostrando mais resiliente do que a chinesa, que vem mostrando dificuldades em diversos setores, a tendência é de que essa guerra comercial venha a valorizar a moeda americana”, observa Avallone.
Conflitos internacionais geralmente resultam em uma busca por mercados mais seguros, valorizando o dólar. Com conflitos internacionais frequentes, explica o analista financeiro Paulo Godoi Filho, os investidores acabam buscando mercados mais seguros. “Há uma aversão ao risco, pois é impossível prever os impactos negativos que uma guerra pode causar no mercado. Como resultado, os investidores estrangeiros tendem a direcionar seus recursos para o mercado americano, o que valoriza o dólar”, diz.
Commodities, indicadores econômicos e cotação
Os preços das commodities têm um efeito direto na balança comercial brasileira, explicam os especialistas. Conforme eles, o Brasil é um grande exportador de commodities e a entrada de divisas internacionais é crítica para a saúde econômica do país. A entrada e saída de capital estrangeiro também influenciam diretamente a taxa de câmbio, com maior entrada favorecendo a valorização do real e a saída pressionando o dólar para cima. Eventos internacionais como cortes nas taxas de juros dos EUA, eleições americanas, e intensificações de conflitos comerciais ou bélicos podem influenciar o dólar. Ferramentas como opções de mercado de derivativos, contratos de minidólar ou investimentos em corretoras internacionais podem proteger os investimentos contra a volatilidade do dólar.
Os principais indicadores econômicos a serem monitorados, segundo os investidores, incluem, nos EUA, o Relatório de Emprego (Payroll), o Índice dos Gerentes de Compras (PMI), o Relatório de Emprego Nacional da ADP (ADP), o Produto Interno Bruto (PIB) e o Índice de Preços ao Consumidor (CPI). No Brasil, os destaques são o Produto Interno Bruto (PIB), o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) e a Balança Comercial.
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Todos os especialistas ouvidos pelo E-Investidor acreditam que o dólar em agosto ainda tende a se manter pressionado. No entanto, para setembro, com a expectativa de cortes na taxa de juros pelo Fed, pode haver um alívio na cotação da moeda, favorecendo o real. “Não acredito em um dólar fraco para agosto. Pelo contrário, ele parece que tende a se valorizar frente ao real. Teremos, acredito, fechamentos de pregões entre R$ 5,40 a R$ 5,70”, projeta Godoi.
Enquanto isso, diz o analista da gestora de patrimônio Aware Investments, Leandro Ormond, o investidor mais receoso com risco fiscal prefere levar seus recursos em busca de maior segurança nos EUA. “Um real desvalorizado tende a causar pressões inflacionárias, e pode influenciar as próximas decisões do Copom. Uma saída para o investidor que busca alocação em dólar, tem como opções, a alocação em Treasuries [Títulos Públicos dos EUA], e em Bonds [Títulos de dívida corporativa] de emissores sólidos. Para o investidor mais arrojado, o mercado acionário norte-americano apresenta diversas oportunidades de alocação”, afirma.