- Frigoríficos podem tirar maior proveito se o tratado for selado ou, do contrário, poderão sofrer, caso as tratativas sejam encerradas
- Papéis com maior potencial de ganhos são BRF (BRFS3), JBS (JBSS3), Marfrig (MFRG3) e Minerva (BEEF3), segundo analistas
- Sem grandes representantes agrícolas na bolsa, quem pode se beneficiar são os setores correlatos, como o de logística
As esperanças por um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia já estão esgarçadas de percorrer um longo caminho, com mais de 20 anos de espera. As expectativas voltaram a ganhar combustível em 2018, e mais ainda em 2019, com a assinatura do tratado de livre comércio entre os blocos. O assunto, contudo, retorna em 2020 com ares de incertezas. É que a atuação do Brasil no meio ambiente se tornou decisiva para a ratificação ou não do acordo.
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A aliança é muito aguardada porque permitirá o aumento das exportações de produtos agropecuários pelos países membros do Mercosul, ao passo que reduzirá as tarifas de importação para mercadorias industriais europeias. Ou seja, os benefícios são de via dupla.
Analistas ouvidos pelo E-Investidor estão divididos em relação ao sucesso do acordo, mas concordam que o setor de “carnes” da bolsa de valores brasileira pode tirar maior proveito se o tratado for selado ou, do contrário, poderá sofrer caso as tratativas sejam encerradas.
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“É um setor que está sujeito a muita proteção, muitas barreiras comerciais e sanitárias. Quando se eliminam essas barreiras, a visão fica mais positiva”, avalia Pedro Paulo Silveira, estrategista-chefe da Nova Futura Investimentos.
Como o mercado de carnes é um forte exportador, a redução e até a extinção de tarifas nas operações poderiam não só gerar um aumento nas receitas das companhias, como uma valorização dos papéis na B3.
“Se tem um acordo com redução de tarifa, aquilo em que o país é bom vai se tornar melhor. Nós somos bons na exportação de commodities. A vantagem competitiva do Brasil é essa”, diz Gustavo Bertotti, economista da Messem Investimentos.
Contudo, como é uma moeda de dois lados, se o acordo não tiver êxito, é possível que o mercado dê um desconto nos papéis. “A notícia pode fazer preço e ter desconto nas ações. Não se sabe se no médio ou longo prazo, mas no curto pode ter um impacto sim”, afirma Bertotti.
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Os papéis com maior potencial de ganhos, na avaliação dos analistas, são BRF (BRFS3), JBS (JBSS3), Marfrig (MFRG3) e Minerva (BEEF3). Procuradas para comentar as perspectivas sobre o acordo, as empresas preferiram não se manifestar ou não responderam até o fechamento desta nota.
Setor de logística também pega carona
A agricultura é o outro setor que deverá se beneficiar. Contudo, sem grandes representantes agrícolas na bolsa, quem pode pegar carona são os setores correlacionados. É o caso da logística, responsável por dar vazão ao que se produz nas terras brasileiras.
“Falando de ações, a Rumo (RAIL3) pode se beneficiar porque que faz toda a parte de escoamento dos produtos agrícolas no Brasil”, cita Alan Gandelman, CEO da Planner Corretora.
Maior concessionária de ferrovias do País, a Rumo está em processo de expansão, visando ampliar de forma relevante a sua capacidade. A empresa espera concluir no primeiro semestre de 2021 as obras da Malha Central, que vai se conectar à Malha Paulista para viabilizar o escoamento da produção agrícola de Goiás, Tocantins e Minas Gerais até o Porto de Santos.
A empresa também faz investimentos atrelados à renovação antecipada da concessão da malha Paulista, cuja capacidade passará das atuais 35 milhões de toneladas por ano para 75 milhões de toneladas por ano até 2026.
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Procurada para comentar sobre o acordo Mercosul/UE, a Rumo também não quis se pronunciar.
Ainda na correlação, o economista da Messem enxerga em um possível crescimento das exportações e o aumento de demanda para outros setores, como os de tecnologia e até de seguros (marítimo e de exportação). Contudo, ele não cita papéis específicos.
Acordo será aprovado?
Por mais interesse que gere aos dois lados, essa é uma pergunta que segue sem resposta. O acordo acabou ficando de “stand by”, uma vez que alguns países da Europa passaram a criticar fortemente o papel do Brasil na área ambiental este ano, com as queimadas na Amazônia e no Pantanal repercutindo em nível mundial.
“Existe o risco de o acordo não sair porque a diplomacia não está funcionando bem”, diz o estrategista-chefe da Nova Futura Investimentos. “O Brasil está com um problema diplomático, não é um player muito amigável hoje em dia. É preocupante”, afirma Silveira.
No mês de novembro, após a pressão internacional por conta da delicada situação ambiental no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que revelaria a lista de países que compram madeira brasileira de forma ilegal, mas na sequência recuou. Bolsonaro também afirmou que a França “atrapalha” o processo em “defesa própria”.
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As declarações colocaram em dúvida os rumos da negociação, gerando apelos de diversos interessados. As confederações das indústrias dos países do Mercosul e da UE, por exemplo, assinaram uma declaração conjunta, solicitando a implementação do acordo o mais rápido possível.
Os ventos parecem estar mais favoráveis, ao menos segundo o embaixador da União Europeia no Brasil, o espanhol Ignacio Ybáñez. Em live do jornal Valor Econômico, no dia 1º, ele afirmou que o acordo está em “stand by”, mas afirmou que a expectativa é que o tratado seja aprovado.
“Nossa convicção é que vamos chegar a este acordo, e que vamos fazer esse esforço para restabelecer a confiança”, disse Ybáñez. “Se a confiança não for restabelecida, e realmente os parceiros europeus não virem que no governo brasileiro há uma vontade de colocar no centro de suas atividades a ideia da sustentabilidade, o acordo não vai poder passar”, afirmou o embaixador.
Há quem veja neste acirramento apenas uma pressão, que não deverá inviabilizar a aliança no final das contas. “Acredito que não vai se chegar a esse ponto. Vejo mais como uma pressão para moeda de troca”, avalia o CEO da Planner.
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Apesar do cenário incerto, Bertotti entende que os estragos da pandemia em nível global favorecem a aprovação de acordos comerciais internacionais, uma vez que a relação da dívida sobre o Produto Interno Bruto (PIB) foi elevada em vários países e houve uma queda forte de consumo no mundo inteiro.
“A recessão global foi muito grande. Em termos de blocos, temos o Mercosul, com países emergentes, e a Zona do Euro tem países com situações bem diferentes. O acordo seria extremamente viável, diante do impacto e ruptura nos mercados”, diz Bertotti. “Existe a necessidade de vacina, mas os países se endividaram muito e há uma ociosidade grande no mercado global. Logo, esse é um fator que favorece acordos globais”.