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Delfim Netto era figura contraditória e com rara habilidade, dizem agentes do mercado financeiro

De ministro da ditadura militar a conselheiro de Lula, veja o que economistas dizem sobre Delfin Netto

Delfim Netto era figura contraditória e com rara habilidade, dizem agentes do mercado financeiro
De ministro da ditadura militar a conselheiro de Lula, veja a história de Delfin Netto (Foto: Werther Santana/Estadão)

Antônio Delfim Netto, economista responsável pelo milagre econômico do início da década de 1970, faleceu aos 96 anos nesta segunda-feira (12). Para economistas e agentes do mercado financeiro, o ex-ministro da Fazenda era uma ponte entre diversas escolas de pensamento econômico, com um atuação contraditória por certas vezes, e com grande contribuição ao País.

Netto estava internado desde o dia 5 de agosto no Hospital Israelita Albert Einstein em decorrências de complicações no seu quadro de saúde. Foi ministro da Fazenda na ditadura militar durante os governos de Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici e João Baptista Figueiredo. No início dos anos 2000, ele também foi conselheiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante o seu primeiro mandato.

Segundo essa reportagem do Estadão, Netto estava sob o comando da economia, entre 1967 e 1973, anos mais violentos da ditadura, quando o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 85% e a renda per capita dos brasileiros, 62%. Delfim personificou o milagre brasileiro: em quatro anos, saiu 18 vezes na capa da revista Veja e era a figura do governo mais presente nas páginas dos jornais. Nenhum outro ministro concentrou tanto poder como ele.

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Na visão de Pedro Afonso Gomes, presidente do Corecon-SP, há várias opiniões sobre a atuação de Delfim Netto, o que, segundo ele, é netural pois um economista atua na área de humanas e usa os elementos das ciências exatas. Então, segundo ele, sempre vai haver divergências.

“Uma questão constante em sua vida foi o amor ao conhecimento e a ajudar. Sua capacidade de análise e de pegar todos os detalhes de um determinado problema era impressionante. Às vezes, não enxergávamos toda a questão e ele ia com sua lupa para ajudar a entender. Com relação ao amor pelo conhecimento, isso fica claro ao longo de toda a sua carreira como professor”, diz Pedro Afonso Gomes.

Para Felipe Miranda, economista e co-CEO do Grupo Empiricus, o ministro Delfim Netto representa uma metonímia da profissão de economista no Brasil. Deixa um legado quase único de completude na área, reunindo profundidade e vastidão de conhecimento da literatura e produção acadêmica.

“Detinha uma rara habilidade de transitar entre as várias escolas da ciência econômica com muito rigor matemático e, ao mesmo tempo, criteriosa habilidade de aprofundar-se na História para tentar escrever um futuro. Alguém com grande contribuição para a Academia e para o pensamento econômico brasileiro, que transbordou a tecnocracia para penetrar de maneira indistinta também no campo da política econômica”, diz Miranda em nota enviada ao E-Investidor.

De acordo com Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do conselho de administração do Bradesco (BBDC4), Antônio Delfim Netto foi, acima de tudo, um brasileiro preocupado com seu País, sua gente e o crescimento econômico. Exerceu em vida uma trajetória marcada pela inteligência acima da média, fina sagacidade e cultura refinada.

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O executivo diz que Delfim Netto absorveu novas ideias e conviveu com a divergência na vida política, sem promover a polarização. Foi uma referência na Constituinte ao estabelecer pontes entre a esquerda e a direita. Trabuco comenta ainda que o economista marcou a história do seu tempo com opiniões e ideias inovadoras, para destacar e agregar a relevância da racionalidade ao debate nacional.

“Pautou-se ao longo da vida pela importância de promover o desenvolvimento econômico e social, tornando-se um defensor do crédito como instrumento principal para o crescimento e a inclusão de todos aos padrões de vida típicos da classe média. Leitor voraz, escritor de fôlego e dono de memória prodigiosa, ele tinha apreço pelo diálogo e respeito aos adversários, que costumava enfrentar com seu reconhecido bom humor”, afirma o presidente do conselho de administração do Bradesco.

Delfin Netto ria da ingenuidade liberal e zombava das boas intenções da esquerda, diz economista

Segundo André Perfeito, economista respeitado pelo mercado financeiro, Delfim Netto articulava com igual desenvoltura conhecimento técnico de economia e aspectos políticos dos problemas sociais, mas onde realmente brilhava meus olhos é que em tudo dizia era entremeado por uma visão de ser humano diabólica, algo que só alguém que viveu muito e sabe muito bem com este animal de razão precária funciona.

Perfeito comenta que o falecido ria da ingenuidade liberal e seus modelos de equilíbrio geral ao mesmo tempo que zombava das boas intenções de economistas de esquerda. Era irônico como um lorde inglês e mordaz como um paulistano de origem simples. Para André Perfeito, ouvir Delfim era um jogo de xadrez, você tinha sempre que saber onde estava no tabuleiro.

“Ele mesmo era uma figura contraditória, uma espécie difícil de categorizar. Afinal se de um lado era caridoso com seu conhecimento e discutia com paixão com todos sobre o Brasil para mim sempre foi impossível não lembrar que ele foi um dos que assinou o documento maldito do AI-5”, diz Perfeito.

Ainda assim, o economista lembra que Delfim Netto era uma ponte entre diversos mundos. Essa habilidade pode ser vista ao longo de toda a sua carreira, conversando com pessoas da esquerda e da direita. Perfeito lembra que este tipo de arquitetura remete aos quadros de Escher, e é um evento raro. “Agora irá vislumbrar o eterno. Que consiga, enfim, encontrar a síntese das suas contradições”, diz Perfeito.

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Tadeu Silva, presidente da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (ACREFI), comenta que lamenta profundamente o falecimento do ex-ministro Delfim Netto, uma figura importante da economia brasileira e um dos grandes pensadores do nosso tempo.

“Sua trajetória foi marcada por contribuições significativas ao desenvolvimento econômico do Brasil, sempre pautadas pela dedicação e compromisso com a evolução por meio da educação como ferramenta de transformação. Delfim Netto, com sua vasta experiência e visão inovadora, deixa um legado que influenciará gerações futuras. Neste momento de dor, expressamos nossas mais sinceras condolências à família, amigos e admiradores”, diz Tadeu Silva.