- Os Estados Unidos estão no centro da pauta dos mercados globais de investimento este ano por causa da possibilidade do início do ciclo de cortes de juros. Mas as eleições presidenciais marcadas para novembro também prometem volatilidade
- Para a Gauss Capital, agora que o corte de juros está praticamente confirmado para setembro, é a disputa entre Donald Trump e Kamala Harris que deve ditar os preços dos ativos de investimento
- A gestora, que tem um fundo focado em estratégias eleitorais, vê os dois candidatos com propostas populistas, que podem levar os EUA a um novo desafio de inflação no longo prazo
Os Estados Unidos estão no centro da pauta dos mercados globais deste ano. A expectativa pelo início do ciclo de afrouxamento monetário por lá vem ditando o apetite a risco já há algum tempo, a medida que investidores avaliam a possibilidade de uma recessão na maior economia no mundo, depois que a taxa de juros do país estacionou no maior patamar das últimas décadas. Mas há um outro fator que promete jogar mais volatilidade no mercado, ainda que o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, inicie os cortes de juros, ao que tudo indica, em setembro. São as eleições presidenciais marcadas para o dia 05 de novembro.
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A disputa está bastante acirrada – e atípica. Nos últimos meses, eleitores americanos viram o ex-presidente e candidato republicano Donald Trump sofrer um atentado durante um comício, e o atual presidente democrata Joe Biden abrir mão da candidatura à reeleição. Agora, as pesquisas de intenção de voto mostram uma disputa entre Trump e Kamala Harris, a atual vice presidente dos EUA e nova candidata do Partido Democrata.
Na avaliação da Gauss Capital, gestora com R$ 1 bilhão sob gestão, é agora que as eleições presidenciais vão começar a fazer preço no mercado. A Gauss tem um fundo multimercado, o Zaftra, considerado o primeiro do mundo a focar em eventos eleitorais. A carteira é montada às vésperas do pleito a partir de uma análise que busca identificar oportunidades que possam estar passando despercebidas pelo mercado.
Com a “bola dividida”, a estratégia para as eleições nos EUA ainda não está montada, mas a avaliação do cenário indica que, no longo prazo, a agenda econômica dos dois candidatos, mesmo com todas as diferenças, aponta para a mesma direção: inflação. “É uma interpretação complicada, porque muitas coisas podem acontecer no curtíssimo prazo para cada um deles. Mas, no médio e longo prazo, eles não vão divergir tanto porque são duas agendas populistas”, diz Gabriel Giannecchini, portfolio manager da Gauss Capital.
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A alta da inflação é pauta comum nos discursos dos dois presidenciáveis, que apresentam ideias como controle de preços e imposição de tarifas – uma discussão com potencial de atrapalhar o futuro dos planos de afrouxamento monetário do Fed. “Se houver realmente uma agenda muito inflacionária, seja qual for o governo, o Fed pode não fazer um ciclo tão extenso de cortes. Isso afetaria bastante nos preços e os mercados”, destaca Giannecchini.
Confira os principais trechos da entrevista:
E-Investidor – A campanha presidencial deste ano tem sido marcada por eventos atípicos, como o atentado contra Trump e a desistência do Biden. As eleições nos EUA vão jogar ainda mais volatilidade no mercado até novembro?
Gabriel Giannecchini – Com certeza, porque é uma bola muito dividida. Cada dia que passa, um dos dois candidatos está na frente. É interessante dar um panorama da última eleição em que Donald Trump foi eleito, em 2016. O cenário era diferente, na época, pois a então adversária Hillary Clinton tinha uma maioria consolidada nas pesquisas e nas casas de apostas. Todos foram surpreendidos no dia da eleição e isso gerou uma volatilidade muito grande. O pós-eleição foi o dia mais volátil que eu já presenciei dentro do mercado. Agora, justamente por não ter essa clareza, é uma volatilidade diferente, que vem crescendo a cada pesquisa, debate ou novo evento. Mas o mercado ainda está começando a colocar a pauta nos preços.
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Como as agendas econômicas apresentadas pelos dois candidatos podem impactar o mercado de investimentos nos próximos anos?
É uma interpretação complicada, porque muitas coisas podem acontecer no curtíssimo prazo para cada um deles, mas acredito que no médio e longo prazo eles não vão divergir tanto. Historicamente, o Partido Republicano tende a ser um partido mais liberal na economia e o democrata tende a interferir mais. Mas o que temos agora é um candidato republicano bem populista, com propostas de imposição de tarifas e protecionismo da economia. A agenda do Trump é mais inflacionária e a minha expectativa é que a inflação seja um dos pontos principais dos debates. A Kamala também falou sobre controle de preços ou de lucros das empresas para conseguir baixar o preço de alimentos; o que foi muito criticado dentro e fora do espectro dos democratas. Então também é uma agenda populista. Trump tem a dele, Kalama a dela. Ou seja, há uma convergência no longo prazo porque os dois políticos devem trazer uma agenda inflacionária. O efeito dessas coisas demora um pouco para acontecer, mas como o mercado ‘treida’ sempre em cima de expectativa, isso pode começar a pegar nos preços.
Quais seriam os efeitos da vitória de um ou de outro?
Se Trump for eleito, vai ser uma agenda de dólar mais forte justamente por causa desse protecionismo com a economia. Sabemos o histórico dele e como ele age, é um cara super volátil, então acredito que seja um ambiente de juros e dólar para cima logo na largada. Com a Kamala talvez seja o contrário, dado que a agenda democrata é um pouco mais estável. Com qualquer um dos dois, a curva de juros, principalmente a parte mais longa, deve inclinar.
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O mercado não costuma gostar de propostas econômicas populistas. Há um posicionamento mais a favor de um ou de outro?
É uma boa pergunta. No fim das contas, estamos discutindo o que vai levar a Bolsa para cima. Mas tem um ponto importante, além das agendas, que é se qualquer um dos dois candidatos forem eleitos com maioria na casa legislativa do mesmo partido. Isso é um problema porque são dois populistas. Se o Trump for eleito com uma casa predominantemente democrata, muito da agenda dele não passa; e vice-versa. Isso agrada o mercado de forma geral. Para não ficar em cima do muro, o mercado tende a gostar mais dele na largada, pela história do partido republicano, que tem uma agenda mais liberal e pró-mercado. Mas também sabemos que no médio e longo prazo ele é um candidato complicado.
Um dos principais temas quando falamos do mercado americano é a possibilidade de que o Fed inicie os cortes de juros já em setembro. As eleições – ou essa agenda populista de ambos os candidatos – podem de alguma forma atrapalhar o ciclo de afrouxamento monetário do Fed?
Em algum momento dos próximos anos, sim, principalmente por um quesito da ancoragem da inflação. Se houver realmente uma agenda muito inflacionária, seja qual for o governo, o Fed pode não fazer um ciclo tão extenso de cortes. No curto prazo, havia um receio de que o BC americano não pudesse cortar os juros já em setembro por causa das eleições; mas isso já foi por água abaixo e parece estar bem endereçado. Agora, pensando no tamanho do ciclo e qual será a taxa neutra dos Estados Unidos mais pra frente, pode influenciar sim, até porque o fiscal não está dos melhores. Isso pode pegar bastante nos preços.
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Então como encontrar boas oportunidades de investimento?
Essa é uma pergunta que vale bastante dinheiro. Para o investidor pessoa física, pensando em como isso pode se refletir no Brasil, a resposta rápida é o dólar mais forte no caso de Trump, mais fraco com a Kamala. Mas para um investidor mais sofisticado, que tem a oportunidade de operar ativos externos, o índice de volatilidade VIX pode ser uma boa proteção, tendo em vista que ele parece bastante comportado para o nível da disputa. Na parte de juros é mais complicado. Não me lembro de outra eleição que coincidiu com o início de um ciclo de alta ou de corte de juros; são muitas peças para endereçar. O foco nas eleições vai começar a aumentar agora.