

A maioria dos investidores presta atenção apenas em observar se os seus ativos estão subindo ou caindo, mas poucos observam o valor do próprio dinheiro, escreve o investidor Ray Dalio em seu livro “Princípios para a ordem mundial em transformação: Por que as nações prosperam e fracassam”. A observação de Dalio refere-se aos riscos da desvalorização e perda de status do dólar como moeda de reserva global, mas o alerta também se aplica para quem investe em real. Será que os juros brasileiros conseguem manter realmente o poder de compra?
A questão ganha mais relevância em momentos de crise, como a vivenciada pelos mercados nas últimas semanas, com a guerra comercial de Donald Trump. No Brasil, o rebate aconteceu no câmbio, com a moeda norte-americana se valorizando fortemente frente ao real, numa alta de mais de 6,5% em questão de dias, quando o dólar fechou a R$ 5,99 na terça 8 de abril, auge da volatilidade.
Nos últimos 15 anos, pelo menos, os juros brasileiros expressos no CDI pago aos investidores conseguiram bater a valorização do dólar. Contudo, os especialistas dizem que essa vantagem não é suficiente para garantir totalmente o poder de compra ao longo do tempo. “Em momentos de crise, por exemplo, o CDI costuma perder para a inflação”, comenta a estrategista de investimentos da XP, Rachel de Sá. Em períodos extremos, como a pandemia de 2020, ou a crise fiscal de 2015-16, o CDI ficou abaixo da inflação, lembra ela. “Consequentemente, o real se desvalorizou.”
Mesmo hoje, com a Selic em trajetória de alta e previsão de atingir 15,5% ao ano, segundo a XP, Rachel projeta que o real deve continuar se depreciando até o fim de 2025, com dólar atingindo R$ 6. De acordo com ela, a piora nas contas externas, aumento do custo de importações e fragilidade fiscal interna formam um ambiente fértil para fuga de capital e perda de valor do real.
CDI superou o dólar, mas é sempre uma proteção eficaz?
Guilherme Almeida, head de renda fixa da Suno Research, diz que confiar cegamente no CDI como escudo contra o câmbio é uma estratégia arriscada. “O CDI pode até superar o dólar em determinados períodos, quando os juros reais estão altos e o real está relativamente estável. Mas em momentos de desvalorização rápida da moeda, como no fim de 2024, ele não é suficiente para proteger o patrimônio em moeda forte”, explica. No final do ano passado o real chegou a acumular perdas superiores a 21% frente ao dólar devido às dificuldades do governo em comunicar um pacote de ajuste fiscal convincente.
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Almeida argumenta que o câmbio funciona como um “passeio aleatório”, pois é imprevisível e sensível a variáveis domésticas e globais. E esse passeio em anos eleitorais, como será 2026, aumenta a imprevisibilidade. “A percepção de risco aumenta, governos adotam medidas populistas, há pressão inflacionária e o dólar sobe. Podemos ver a moeda americana em R$ 6 ou mais até a eleição, mesmo com o CDI em dois dígitos”, afirma.
Henrique Barros, sócio-fundador da assessoria Invés, com base em dados da Quantum Axis, aponta que o dólar valorizou 83,5% frente ao real nos últimos 10 anos e 226% nos últimos 15 anos. Quem estava investido em CDI, por outro lado, conseguiu manter – e até aumentar – o poder de compra em dólar, com valorizações de 142,6% e 288,8% no mesmo período. Mas ele argumenta que, mesmo com o CDI acumulando rentabilidade superior à do dólar nos últimos 10 e 15 anos, não significa que o investidor esteja blindado contra a perda de poder de compra internacional.
Rentabilidade acumulada | |||
Período | Dólar (%) | CDI (%) | IPCA (%) |
Últimos 10 anos | 83,5 | 142,6 | 71,9 |
Últimos 15 anos | 226,4 | 288,8 | 135,4 |
Fonte: Quantum Axis |
O ponto central, segundo Barros, é que o CDI reage ao câmbio com atraso. O Banco Central só aumenta a taxa de juros depois que a inflação já começou a subir, o que pode significar perda de poder de compra no curto prazo, principalmente em crises abruptas, como a vista nos últimos dias.
Em dólar, o CDI rendeu 23% nos últimos 10 anos, mostra a fintech Nomad, que recentemente lançou o seu índice de diversificação internacional (Indi). Entregou mais que o Ibovespa em dólar no período (10%) e na mesma proporção da renda fixa americana (23%) – expressa em Floating Rate Notes (FRN). Os juros brasileiro, no entanto, perderam feio para o Nasdaq, que na última década entregou mais de 378% de retorno, numa volatilidade muito similar ao CDI dolarizado.
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“A fama do CDI como investimento ‘imbatível’ no Brasil vem de seu histórico de altos retornos com baixa volatilidade. Mas em janelas recentes, de 5 a 10 anos, a realidade mostra-se diferente”, diz Bruno Shahini, especialista em investimentos da Nomad. Ele aponta que na janela de 2014 a 2024, marcada por forte desvalorização do real, o CDI teve desempenho tímido quando convertido em dólares. “Embora o investidor tenha percebido um crescimento nominal de seu patrimônio em reais, o rendimento do CDI não foi suficiente para compensar a desvalorização cambial entre o real e o dólar.”
Perda do poder de compra em dólar
O especialista da Invés cita o efeito imediato da desvalorização do real, com produtos importados subindo de preço e pressionando o IPCA, que acumulou 71,9% em 10 anos e 135,4% em 15. “Eletrônicos, combustíveis e matérias-primas industriais ficam mais caros. E mesmo produtos nacionais sofrem, porque muitas matérias-primas são importadas”, diz. O petróleo é o exemplo mais claro, cotado em dólar, influencia diretamente o custo dos combustíveis, energia elétrica.
A perda de poder de compra, portanto, não ocorre apenas quando se viaja e se paga mais caro no exterior, ou quando se importam bens duráveis. Rachel de Sá lembra que cerca de 20% da cesta de consumo medida pelo IPCA é fortemente influenciada pela taxa de câmbio – e isso inclui alimentos do dia a dia, como farinha e leite. “O brasileiro subestima o quanto o dólar afeta sua inflação e seu custo de vida. E é por isso que uma parcela dolarizada do patrimônio ajuda a proteger o bolso”, diz.
Portanto, até para o investidor conservador que concentra a carteira em produtos atrelados ao CDI, é importante diversificar em ativos atrelados ao dólar, mesmo com juros altos. A especialista da XP cita produtos como BDRs, ETFs e fundos internacionais como caminhos viáveis e acessíveis.
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Diversificação não é opcional, é essencial, defende Guilherme da Suno. “Investir nunca deve ser um trade-off (renunciar uma escolha). Você não escolhe CDI ou outra coisa. Você compõe um portfólio que mistura indexadores e ativos diferentes para suavizar riscos e capturar oportunidades”, explica o especialista. Ele lembra ainda que o CDI de hoje é a resposta à inflação de ontem. “Isso não significa rentabilidade real alta necessariamente. O juro só está elevado porque a inflação também está. E o CDI pode cair rápido, como vimos em 2020, quando ficou em torno de 2%.”