Setores ligados ao varejo de moda premium, joalherias e bens duráveis de alto valor agregado tendem a sentir primeiro as mudanças no comportamento de consumo, especialmente quando a ostentação material deixa de ser prioridade, segundo especialistas. A demanda por produtos com forte apelo de status, observam eles, pode encolher diante de um público que prefere gastar com o que oferece vivência e conexão.
Isso pressiona segmentos como acessórios de luxo, relojoarias e calçados de alta gama, ainda que exista espaço para reinvenção. O relatório da Assembly já aponta esse movimento, e nomes como Vivara e Azzas 2154, antes associados ao consumo aspiracional, podem enfrentar um novo ciclo. Enquanto isso, empresas como SmartFit e CVC ganham visibilidade em um mercado que valoriza saúde, propósito e autenticidade.
“A longo prazo, empresas que não se adaptarem às novas expectativas da Geração Z, marcada por valores como autenticidade, bem-estar e responsabilidade social, podem, sim, enfrentar desafios de crescimento. No entanto, marcas que conseguirem reposicionar sua proposta de valor, integrando experiência, propósito e inclusão, têm espaço para se reinventar e manter relevância”, diz o professor da Fia Business, George Sales.
Embora o comportamento dessa galera possa sugerir maior maturidade emocional em relação ao consumo, a psicóloga clínica e colunista do E-Investidor, Ana Paula Hornos, diz que, na prática, o status não desapareceu, apenas mudou de forma. Em vez de bens materiais, o prestígio social está cada vez mais ligado às experiências: os destinos das viagens, os eventos frequentados e as interações exibidas nas redes sociais têm ocupado o espaço que antes era reservado a marcas e produtos de alto valor.
“A diferença é que agora o símbolo é mais subjetivo. O fato é que a felicidade construída a partir de experiências tende a ser mais duradoura do que aquela comprada com objetos. E, quando há investimento em propósito, o retorno emocional é ainda mais perene. Em termos de custo-benefício entre dinheiro e retorno de felicidade olhando no longo prazo é : primeiro propósito, depois experiências — e só então o consumo material”, explica.
Quem pode ganhar e quem pode perder
A Vivara (VIVA3), por exemplo, é considerada mais vulnerável a uma eventual reconfiguração dos hábitos de consumo, principalmente pela natureza altamente nichada do seu produto: joias. A afirmação é de Lucas Fürst, operador de renda variável da Manchester Investimentos, que avalia que uma mudança profunda e disseminada na forma de consumo, que rebaixe o valor atribuído a itens de ostentação, colocaria a companhia em uma posição mais delicada. Ainda assim, a leitura predominante é de que o atual movimento da geração mais jovem não é suficiente, por enquanto, para provocar esse tipo de virada no padrão de compra da população em geral.
A Ambev (ABEV3), uma das maiores fabricantes de bebidas da América Latina, também pode enfrentar obstáculos com a ascensão da Geração Z, que demonstra hábitos de consumo menos alinhados ao perfil tradicional da companhia. Com menor adesão ao consumo de álcool, maior preocupação com saúde e preferência por experiências mais personalizadas, esse público tende a pressionar empresas que ainda concentram suas receitas em produtos como cervejas populares. Embora a Ambev tenha investido em portfólio diversificado, incluindo bebidas não alcoólicas e rótulos premium, a velocidade dessa mudança geracional pode exigir adaptações mais profundas em marketing, inovação e canais de distribuição.
Já o Grupo Azzas 2154 apresenta uma estrutura diversificada, com marcas que dialogam com diferentes faixas de renda e perfis de consumo. A fusão com o Grupo Soma trouxe nomes como Farm, Hering, Anacapri, Vans, entre outros. Isso, diz Fürst, permite à empresa amortecer os efeitos de mudanças no comportamento do consumidor de maneira mais ágil, sem depender de uma única fatia de mercado.
Da ordem do positivo, a revalorização da CVC (CVCB3) no mercado financeiro é um dos sinais dessa possível mudança de comportamento da Geração Z. Após um período de baixa histórica, a empresa de turismo registrou alta próxima de 100% desde janeiro. O movimento é atribuído, em parte, à expectativa de melhora no ambiente macroeconômico, com juros mais baixos e maior circulação de dinheiro na economia, o que favorece a procura por viagens e pacotes turísticos.
Ainda assim, o caminho não é livre de incertezas. Fürst avalia que a operadora de turismo precisa reconquistar a confiança do mercado com resultados fortes e modernização operacional. Apesar da recuperação recente no preço das ações, a empresa ainda enfrenta dúvidas quanto à sua capacidade de manter a performance positiva e retomar o prestígio que já teve no passado.
A Smart Fit, maior rede de academias do País, aparece como outro exemplo de empresa conectada aos novos hábitos de consumo da Geração Z. Com planos acessíveis, presença nas principais cidades e apelo direto à estética e ao estilo de vida saudável, a companhia tem mantido boa execução estratégica. A procura por academias cresceu nos últimos meses, e a expectativa, segundo o especialista, é de continuidade dessa tendência nos próximos trimestres.
“Tanto a CVC quanto a SmartFit atendem a uma demanda crescente por vivências que geram bem-estar emocional, físico e social. Do ponto de vista de investimento, podem representar oportunidades de longo prazo, especialmente em um cenário onde o consumo se torna mais intangível e conectado a valores pessoais”, afirma Sales.
Mudança estrutural ainda não está no preço das ações
Embora ainda seja cedo para observar mudanças claras nos balanços financeiros, indicadores como aumento no tráfego, crescimento no número de assinaturas e melhora nas margens, dizem os especialistas, já apontam movimento em setores voltados à oferta de experiências. As evidências mais consistentes, porém, vêm de levantamentos sobre comportamento de consumo, dados demográficos e relatórios de mercado. A expectativa é de que os efeitos nos resultados das empresas se tornem mais visíveis nos próximos trimestres, à medida que a Geração Z amplia seu poder de compra.
Apesar disso, analistas avaliam que o mercado ainda não precificou de forma definitiva uma mudança de comportamento da Geração Z. “Por enquanto, essas quedas nos papéis estão muito mais relacionadas ao ambiente macroeconômico, como juros elevados e aumento do risco País, do que a uma mudança estrutural no comportamento de consumo. Como essas empresas dependem fortemente do consumo cíclico, especialmente do varejo voltado ao público de maior poder de compra, acabam sofrendo mais quando há uma desaceleração na economia e menor circulação de dinheiro”, diz Fürst.
O mercado acionário, por sua natureza, costuma antecipar transformações, conforme Sales. Caso os dados confirmem uma mudança estrutural nos padrões de consumo, segmentos mais tradicionais podem ter suas projeções de crescimento revistas por analistas e investidores. Isso incluiria ajustes em estimativas de receita, margem e retorno sobre o capital investido, o que tende a influenciar diretamente a precificação das ações. “O mercado ainda tende a subestimar mudanças geracionais estruturais.
A Geração Z representa uma transformação profunda, não só no consumo, mas também na forma de investir, trabalhar e interagir com marcas. “Muitos modelos tradicionais de avaliação ainda não capturam totalmente essas transições culturais e comportamentais. Para o investidor atento, isso pode representar uma oportunidade de antecipação estratégica”, explica o professor.