MP 1.303/2025 parte de um pacote de medidas fiscais, incluindo, agora, os ativos digitais (Foto: Adobe Stock)
os últimos meses, o governo federal intensificou a busca por novas fontes de arrecadação para fechar as contas públicas e atingir a meta de déficit zero. Foi nesse contexto que surgiu a Medida Provisória 1.303/2025, parte de um pacote de medidas fiscais voltadas à ampliação da base de tributação sobre aplicações financeiras — incluindo, agora, os ativos digitais.
O mercado cripto, que até recentemente orbitava às margens da agenda econômica oficial, entrou de vez no radar do Fisco. Não por conta de seu impacto fiscal atual, mas por ser visto como um novo mercado em crescimento que precisa ser “alcançado” pela tributação.
O problema é que, em vez de construir um modelo equilibrado e eficaz, a MP atropela a lógica do que já funciona. Um dos pontos mais graves é a revogação da isenção para ganhos de até R$ 35 mil por mês em vendas de ativos digitais.
Publicidade
Algumas emendas propõem, com razão, a manutenção dessa isenção, adaptando-a para um limite trimestral de até R$ 105 mil — uma solução simples, isonômica e eficiente. Essa faixa de isenção é o que garante a permanência do pequeno investidor dentro do sistema formal. E não se trata de exceção: 96% dos investidores da base da plataforma de ativos digitais MB operam abaixo desse limite.
São brasileiros comuns, que conseguem poupar com esforço em um país onde a inflação insiste em bater à porta. Pessoas que estão aprendendo a investir, buscando estabilidade, renda ou independência financeira. Ao obrigar esse público a calcular manualmente seus impostos — mesmo em operações de valores baixos — a MP desestimula justamente quem está fazendo o certo. O resultado é previsível: evasão, desintermediação, e migração para ambientes menos fiscalizados.
A manutenção da isenção de até R$ 105 mil por trimestre não é privilégio — é isonomia. O mesmo benefício existe para ações negociadas em bolsa. Ignorá-lo é punir quem está começando, quem confia no mercado regulado e quem está disposto a crescer dentro das regras.
Sem essa proteção, o investidor iniciante fica sujeito a uma burocracia tributária desproporcional, para a qual não tem preparo técnico nem suporte institucional. E o que acontece? Redução da base em plataformas nacionais, crescimento da informalidade e, inevitavelmente, expansão do uso de corretoras estrangeiras, onde o controle fiscal brasileiro é nulo.
Publicidade
Esse é o segundo ponto crítico da MP: a assimetria entre exchanges brasileiras e estrangeiras. No Brasil, as exchanges seguem a IN 1888, que exige o reporte detalhado das transações dos usuários à Receita Federal. Já as plataformas offshore não reportam absolutamente nada.
Legalmente, o investidor que opera nelas deve declarar seus ganhos, e as multas por omissão são pesadas — de R$ 500 mensais a até 3% sobre o valor total movimentado. Mas a Receita não tem como fiscalizar. Trata-se de um sistema de autodeclaração sem qualquer capacidade prática de controle. A analogia com o “gatonet” é inevitável: todo mundo sabe que é irregular, mas o incentivo é tão claro — e a fiscalização tão improvável — que a prática se torna padrão. E pior: socialmente aceita.
Não se trata de criminalizar o investidor ou o usuário, mas de entender que incentivo é tudo. Se a regra pune quem segue as normas e favorece quem ignora o sistema, o resultado é previsível: perda de arrecadação, erosão da base formal e enfraquecimento da regulação.
A MP chega, aliás, justamente quando o setor vive seu melhor momento institucional. O Banco Central encerrou as consultas públicas sobre a regulação das VASPs e avança na normatização do setor com qualidade técnica e diálogo aberto. A Lei 14.478/22 estabeleceu as bases legais.
Publicidade
O Brasil já é referência em tokenização de ativos, com produtos reais, estáveis, regulados. O setor se organizou, criou governança, canais de interlocução, padrões de compliance. A MP ignora tudo isso — e age como um retrocesso unilateral num processo que vinha sendo conduzido de forma exemplar tanto pelo Banco Central quanto pela CVM.
Sobre stablecoins, vale um adendo. Há, ainda, uma discussão paralela sobre a aplicação de IOF nesses ativos — sob a suposição de que seriam usados para evasão cambial. Mas isso é uma simplificação grosseira. A vasta maioria dos brasileiros utiliza stablecoins para se expor ao dólar, investir com previsibilidade e acessar oportunidades globais.
Dados também do MB mostram que 93% dos usuários sequer realizam saques para carteiras externas. A tentativa de equiparar stablecoins a operações de câmbio tradicionais é tecnicamente equivocada, fiscalmente irrelevante e extremamente prejudicial à adoção de soluções digitais mais eficientes. Stablecoins são trilhos sobre os quais a nova economia roda. Compreender isso é pré-requisito para regular corretamente.
Enquanto o Brasil ensaia medidas fiscais oportunistas, o mundo se move em outra direção. Hong Kong, Dubai, Reino Unido, União Europeia e os EUA caminham para atrair empresas, estruturar a regulação de stablecoins, proteger investidores e consolidar seus territórios como hubs digitais. O Brasil tem tudo para liderar na América Latina — mas não se lidera com instabilidade tributária e decisões improvisadas.
Publicidade
O setor cripto está pronto para contribuir com o Brasil. Com mais inclusão, mais educação financeira, mais inovação — e, sim, com mais arrecadação. Mas com visão de longo prazo. Com empresas nacionais robustas, profissionais contratados localmente, investidores crescendo e fazendo aportes relevantes. O que não pode acontecer agora é jogar tudo isso fora por impulso arrecadatório ou falta de sensibilidade política.