Parado por dois anos, o texto do governo federal voltou ao debate em 2025, ao ser anexado ao PL 3899/2012, da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que trata sobre uma política nacional de estímulo à produção e ao consumo sustentáveis.
Em 30 de junho, o deputado Luciano Vieira (Republicanos/RJ), relator do caso, apresentou um texto substitutivo, consolidando as ideias dos dois projetos e de outros anexos em um só documento. Agora o mercado aguarda a votação dessas medidas.
Empresas podem escapar de punições por fraude?
O ponto mais polêmico do PL 2925/2023 é o artigo que prevê a responsabilização civil de administradores por prejuízos causados a investidores. “Em vez de tornar mais efetiva e clara a responsabilidade das empresas por fraudes, o projeto transfere essa responsabilidade para outros agentes, com critérios muito subjetivos”, diz Felipe Ronco, sócio do Modesto Carvalhosa, Kuyven e Ronco Advogados.
O advogado ressalta que o projeto é vago e sucinto ao tratar dos deveres dos administradores, o que gera insegurança jurídica sobre a forma de responsabilização em casos de crime.
Eduardo Dotta, professor do Insper, também tem dúvidas sobre esse artigo. Ele enxerga que uma fraude pode passar por mais de um órgão de uma companhia, o que dificultaria a punição dos culpados. “Além disso, ao responsabilizar exclusivamente o administrador, ele não terá, muitas vezes, o suporte patrimonial necessário para arcar com a indenização”, acrescenta.
O presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Fábio Coelho, entende ser necessário realizar um ajuste no texto para esclarecer o papel das companhias. “Se as empresas deixarem de ser responsabilizadas, isso pode levar a uma grande deterioração dos próprios controles internos que elas adotam”, diz.
Outro risco, segundo ele, é que a medida desestimule profissionais a ocuparem cargos de administrador, criando um mercado em que apenas pessoas mais propensas a assumir riscos elevados atuem nessa área.
Ações coletivas
O projeto permite que acionistas minoritários proponham uma ação civil coletiva para recuperar perdas com fraudes. Para isso, segundo o texto substitutivo apresentado, o investidor deve ter, no mínimo, 5% de ações da mesma espécie da empresa. No projeto original, esse requisito era de 2,5% ou de R$ 50 milhões em ações.
Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito coletivo e empresarial, avalia que esses limites poderiam ser flexibilizados para facilitar o acesso dos investidores à Justiça. Segundo ele, se essa possibilidade já existisse no País em 2023, quando estourou o caso de fraude da Americanas (AMER3), mais investidores brasileiros teriam conseguido pedir o ressarcimento dos valores perdidos.
“Essa proposta reduz os custos do processo e evita que as pessoas precisem esperar que o Ministério Público ou associações autorizadas entrem com ações coletivas”, explica Silva, que também atua como diretor jurídico do Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci).
Ações como essas são comuns nos Estados Unidos, onde recebem o nome de class actions. Um processo semelhante foi movido contra a Petrobras (PETR3;PETR4) após a operação Lava Jato e, em 2018, a petroleira aceitou pagar US$ 2,95 bilhões aos investidores americanos para encerrar a ação nos EUA.
Há quem, no entanto, veja riscos na medida. Segundo Vanderlei Garcia Jr, sócio do Ferreira e Garcia Advogados, a proposta do PL 2925/2023 pode levar a um excesso de judicialização, “Consequentemente, isso gera uma maior insegurança jurídica para o mercado”, avalia.
A mesma visão é compartilhada pela Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca). A entidade enxerga o risco de ser criada uma indústria de ações especulativas contra empresas, beneficiando apenas advogados e investidores especializados nesse tipo de conflito.
“São casos em que o tema em si importa menos do que a exposição pública da marca. Por isso, muitas vezes acabam resultando em acordos que comprometem o valor da companhia e os seus investimentos”, destaca Pablo Cesário, presidente-executivo da Abrasca.
Partiu da própria Abrasca a sugestão de exigir ao menos 5% de participação na empresa para o investidor entrar com uma ação coletiva – o mesmo limite usado para definir quem pode pedir a exibição de registros contábeis e documentos às companhias.
Maior poder para a CVM
O projeto amplia o poder de investigação da CVM, permitindo inspeções em empresas investigadas e pedidos de mandado de busca e apreensão ao Poder Judiciário. O órgão também terá liberdade para solicitar cópia de processos instaurados por outros entes.
“A autarquia ficará mais presente. Essa era uma crítica comum: a CVM era vista como um órgão altamente capacitado, mas com poucos poderes”, explica Astrid Rocha, sócia do Berardo Lilla Becker Segala e Daniel Advogados.
Embora a novidade seja considerada positiva por juristas, há o receio de que a mudança abra espaço para um excesso de regulamentação por parte da autarquia. “A CVM exerce um papel importante nas investigações, mas ela não deve extrapolar suas funções com excessos de inspeções ou com medidas que prejudiquem a livre iniciativa”, diz Garcia Jr, do Ferreira e Garcia Advogados.
Em nota, a CVM informou que acompanha as discussões sobre aprimoramentos na lei do mercado de capitais brasileiro. “Na medida do necessário, a autarquia ajusta sua regulação de forma a refletir os impactos de alterações legislativas”, diz.
PL pode atrair investidores?
Para o especialista em direito empresarial e mercado de capitais, Marcelo Godke, o projeto está atrasado e já deveria ter sido proposto há muito tempo. Ele acredita que a nova lei pode corrigir dúvidas e facilitar o processo para que investidores recuperem perdas com fraudes.
“Nós vamos colocar o nosso mercado de capitais em um patamar minimamente aceitável. Hoje, um investidor americano que compra ações de uma empresa brasileira nos EUA consegue entrar com um processo e ser indenizado em caso de fraude. Mas, se um brasileiro tentar fazer o mesmo aqui, não consegue”, diz o sócio do Godke Advogados.
Segundo ele, o PL pode restabelecer, gradualmente, a confiança do investidor no mercado de capitais brasileiro e no sistema jurídico local. Tudo depende, no entanto, de como o texto será encaminhado no Congresso Nacional.
Para Ronco, do Modesto Carvalhosa, Kuyven e Ronco Advogados, a manobra de anexar o PL a outro projeto foi uma estratégia para acelerar a sua votação. “De uma hora para outra, o projeto ganhou uma tramitação rápida e corre o risco de ser aprovado no Congresso, sem mais discussões e sem os investidores terem condições de compreender a sua extensão”, afirma.
A ala política também tem se mobilizado sobre o modelo de tramitação da medida. No fim de junho, o deputado Joaquim Passarinho (PL/PA) apresentou um requerimento solicitando que o PL 2925/2023 fosse desanexado dos outros projetos. Segundo ele, os textos que tramitam juntos não são são suficientemente semelhantes para tramitarem em conjunto.
Empresas de olho nas mudanças
Enquanto o projeto não é votado, as empresas já começam a se preparar para as possíveis mudanças. O Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI) vê esse período de discussão como uma oportunidade para as companhias avaliarem e aperfeiçoarem sua governança interna.
O IBRI tem acompanhado de perto o debate e conversado com os profissionais de RI, que trabalham na linha de frente e possuem maior contato com os investidores. “Essa fase é importante para que as empresas olhem para dentro e identifiquem o que precisam melhorar em governança”, afirma Renata Oliva Battiferro, presidente do conselho de administração do instituto.
Caso o PL 2925/2023 seja aprovado, ela entende que a velocidade de implementação das mudanças vai variar conforme o porte das empresas e os custos envolvidos. Enquanto algumas precisarão fazer mais alterações em suas estruturas, outras estão mais avançadas e devem apenas aprimorar o que já vêm desenvolvendo.