“Não queremos — e nem podemos — pagar para quem não precisa ou não se enquadra nas regras”, disse a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, sobre as regras do BPC após 500 mil menores contratarem empréstimo consignado. (Imagem: Lula Marques/Agência Brasil)
A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, defendeu na terça-feira (8), durante audiência na Comissão Mista de Orçamento (CMO), a necessidade de mudanças na legislação do Benefício de Prestação Continuada (BPC). A preocupação surge após o registro de ao menos 500 mil menores de idade contratando empréstimos consignados — ou seja, antecipando valores vinculados ao benefício para uso imediato.
Segundo Tebet, o cenário revela brechas na lei que precisam ser corrigidas. “Não queremos — e nem podemos — pagar para quem não precisa ou não se enquadra nas regras”, afirmou a ministra, reforçando a urgência de um ajuste para evitar fraudes e assegurar que o benefício chegue a quem realmente tem direito.
O objetivo é voltar a exigir autorização judicial para que menores de idade que recebem BPC possam realizar esses empréstimos consignados.
Mas, para entender as preocupações do governo, é preciso antes compreender o que é o BPC e como ele está sendo afetado pelo crédito consignado.
Como funciona o consignado do BPC hoje
Um empréstimo consignado é a solicitação de um crédito (dinheiro) que desconta o valor das parcelas automaticamente do salário, aposentadoria ou benefício. Isso torna os juros mais baixos e vantajosos para o contratante.
Há três anos, com a Medida Provisória (MP) 1.106/2022, o empréstimo consignado passou a se relacionar diretamente com o BPC. A portaria do Ministério da Cidadania permitiu que beneficiários do BPC — ou seja, idosos com 65 anos ou mais que não recebem aposentadoria e pessoas de qualquer idade com deficiência, desde que em situação de baixa renda – pudessem contratar empréstimos consignados, assim como já ocorre com integrantes do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Ou seja: o beneficiário que recebe o BPC pode solicitar um empréstimo em que as parcelas são descontadas diretamente do benefício (desde que não ultrapasse 35% do total recebido).
Ao contratá-lo, o valor é pago ao banco na hora e retirado imediatamente do benefício assegurado por lei todos os meses.
O que levou à proposta de reforma no BPC
Quando a criança ou o responsável legal solicita o empréstimo consignado, o valor total desse crédito é liberado na conta do adulto. A partir do mês seguinte, o INSS diminui o valor das parcelas do benefício BPC e a criança com deficiência passa a receber menos dinheiro — deixa de ganhar o valor do salário-mínimo cheio (R$ 1.518,00).
Isso dura até o fim do contrato, que pode ser de 12, 24, 26 ou até 84 meses (7 anos).
E aqui surgem a preocupação e a sugestão da ministra.
O principal alarme do governo são os casos suspeitos de fraude, em que terceiros ou ate bancos facilitam contratos com menores de idade. Além disso, muitas vezes os responsáveis contratam o empréstimo sem entender que o desconto será permanente durante anos, prejudicando um beneficiário já vulnerável.
Riscos identificados: fraudes e endividamento de menores
Desde que a MP foi autorizada, surgiram algumas preocupações.
Fraudes em empréstimos e irregularidades: houve casos de menores de idade aparecendo como contratantes de consignado com base no BPC, o que não deveria ocorrer;
Endividamento de pessoas vulneráveis: o público do BPC é, por definição, de baixa renda, e o acesso facilitado ao crédito consignado pode levar ao superendividamento.
O que muda com a exigência de autorização judicial?
Simone Tebet deseja alterar a forma com que o BPC é solicitado. A ministra quer a volta da autorização judicial como exigência para que menores recebam o benefício.
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Um dos principais objetivos da MP foi permitir que beneficiários do BPC e pessoas que recebem programas de transferência de renda, como o Auxílio Brasil (hoje substituído pelo Bolsa Família), também pudessem contratar empréstimos consignados.
A justificativa do governo era oferecer uma alternativa de crédito com juros mais baixos, evitando que essas pessoas precisem recorrer a empréstimos informais ou abusivos.
Além disso, a MP aumentou a chamada margem consignável para 35% — o porcentual do benefício que pode ser usado para pagar parcelas do empréstimo. Isso, na prática, permite que os beneficiários possam contratar valores um pouco maiores, mas também aumenta o risco de comprometer parte significativa da renda mensal.
Como contratar o empréstimo consignado?
Veja, na tabela abaixo, como funciona o processo de contratação do crédito consignado do BPC:
Etapa
Descrição
1. Contratação
A pessoa que recebe o BPC procura um banco ou financeira autorizada e solicita o empréstimo consignado. Após a análise de crédito e aprovação, o valor total é depositado de uma só vez na conta do beneficiário.
2. Desconto automático
No mês seguinte (em geral), o INSS já começa a descontar automaticamente as parcelas do valor do benefício. A pessoa não precisa pagar boletos ou fazer transferências — o desconto é feito diretamente na fonte.
3. Descontos mensais até o fim
O desconto segue mensalmente até o fim do contrato. Se o empréstimo for dividido em 24 vezes, por exemplo, o valor será descontado durante 24 meses.
Importante
O valor máximo que pode ser comprometido é 35% do benefício, sendo:
– 30% para empréstimo consignado
– 5% para cartão consignado (se houver). Mesmo em casos de doença ou emergência, o valor continuará sendo descontado até o fim do contrato.