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Colunista

Lições mexicanas para Brasília diante da nova ofensiva tarifária de Donald Trump

Governo dispõe de ferramentas para identificar quais estados norte‑americanos dependem de insumos brasileiros

Trump anunciou hoje tarifas de 50% sobre produtos importados do Brasil. Foto: Isac Nóbrega/PR/Agência Brasil
Trump anunciou hoje tarifas de 50% sobre produtos importados do Brasil. Foto: Isac Nóbrega/PR/Agência Brasil

Quando Donald Trump voltou a empunhar o porrete tarifário, revivendo o expediente que marcou seu primeiro mandato, o instinto imediato de muitas capitais foi responder na mesma moeda, erguendo barreiras e microfones. A experiência recente mostra, entretanto, que há caminhos mais inteligentes. A China, estrategicamente incomparável pelo tamanho de seu mercado e pela capacidade de controle estatal, preferiu retaliar de modo cirúrgico, mantendo canais silenciosos que limitaram o ruído nas cadeias globais e preservaram margem de manobra para acordos pontuais. Mas é o caso mexicano, sob a liderança de Claudia Sheinbaum, que oferece à diplomacia brasileira o roteiro mais factível de contenção de danos.

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Desde a campanha de 2024, o México ocupou o centro do discurso trumpista por três motivos que se entrelaçavam em um único slogan: desequilíbrio comercial, imigração e fentanil. O pacote proporcionava a Trump um alvo multifuncional, ao mesmo tempo econômico, identitário e securitário. Sheinbaum compreendeu que rebater as provocações com indignação pública só alimentaria o espetáculo político do adversário. Optou por delegar ao bastidor o conflito tarifário e reservar o palco a uma agenda convergente, capaz de render dividendos políticos também à Casa Branca.

A estratégia teve três pilares. Primeiro, a identificação precisa de distritos eleitorais norte‑americanos vulneráveis a uma retaliação mexicana. Diplomatas, em parceria com associações empresariais, mapearam cadeias de suprimento e quantificaram empregos sob risco em condados específicos. O efeito foi deslocar parte do lobby contra as tarifas para dentro do próprio Partido Republicano, onde senadores e deputados não tardaram a alertar a West Wing sobre os custos políticos de uma escalada comercial.

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Segundo, a presidente abriu um canal direto com Trump em temas de sua predileção. Ao reforçar patrulhas no norte, ampliar o cerco a laboratórios clandestinos e compartilhar dados de inteligência sobre fentanil, Sheinbaum ofereceu à Casa Branca uma narrativa de sucesso que dispensava gestos hostis no campo tarifário. Por fim, o governo mexicano comunicou firmeza sem teatralidade: ameaças de espelho eram lembradas, mas sempre em ofícios reservados ou em votações discretas no Congresso, de modo a não acuar publicamente o presidente norte‑americano nem elevar seu custo de recuo.

O resultado prático foi o adiamento sucessivo das sobretaxas programadas para produtos mexicanos e, em alguns casos, sua suspensão total. Trump pôde proclamar vitória ao dizer que obtivera cooperação fronteiriça, enquanto o México preservou acesso preferencial ao seu maior mercado. A lição central é que, diante de um líder cujo estilo se alimenta do confronto midiático, a recusa do palco pode ser a arma mais eficaz.

O Brasil encontra‑se agora em situação semelhante. O anúncio de uma tarifa de 50% a partir de primeiro de agosto atinge setores vitais da pauta exportadora, do petróleo bruto às semimanufaturas de aço, passando pelo agronegócio. O reflexo imediato foi a disparada dos contratos de dólar futuro e a elevação dos prêmios de risco nos títulos públicos. Reagir de forma estridente talvez satisfaça o clamor doméstico por firmeza, mas também oferece a Trump a peça de campanha que ele deseja: mais um embate épico em defesa do trabalhador americano contra um governo estrangeiro descrito como “injusto”.

Aplicar o modelo mexicano exige, antes de tudo, granularidade. Brasília dispõe de ferramentas para identificar quais estados norte‑americanos dependem de insumos brasileiros. A siderurgia em Indiana requer placas produzidas no Sudeste; refinarias do Texas precisam do petróleo mais pesado de campos brasileiros para calibrar seu mix de refino; produtores de papel em Wisconsin compram celulose de fibra curta de Suzano e Klabin. Cada elo dessa cadeia corresponde a fábricas, empregos e votos que parlamentares locais conhecerão melhor do que qualquer diplomata.

Construção de uma agenda positiva para vender a Trump

Um segundo eixo é a construção de uma agenda positiva que possa ser vendida como conquista pessoal de Trump. A cooperação em transição energética — com investimentos de companhias norte‑americanas em biocombustíveis de segunda geração e créditos de carbono na Amazônia — oferece vitrine de geração de emprego nos Estados­ Unidos e reforça a narrativa de “re‑shoring” de cadeias verdes. Outro terreno fértil é a segurança digital: o governo brasileiro pode sinalizar que não apoiará medidas punitivas desproporcionais contra plataformas norte‑americanas enquanto o Supremo Tribunal Federal consolida sua jurisprudência de moderação de conteúdo, tema sensível para o eleitorado trumpista que reclama de “censura”.

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Esses movimentos devem vir acompanhados de avisos discretos de retaliação calibrada. A elevação temporária da tarifa sobre etanol de milho, crucial para Iowa, ou a revisão de isenções fiscais a serviços de streaming que faturam bilhões de reais no mercado brasileiro podem permanecer na gaveta, mas precisam ser críveis. O objetivo não é disparar um confronto, e sim municiar aliados do Brasil em Washington com argumentos palpáveis para persuadir a Casa Branca a postergar — se não cancelar — a sobretaxa.

Há riscos evidentes. Uma reação insuficiente pode ser interpretada internamente como submissão, fragilizando a base parlamentar do governo. Já um gesto excessivo fecharia portas no momento em que o país busca aumentar o fluxo de investimento estrangeiro e consolidar a imagem de líder climático no G‑20 e na COP‑30. O equilíbrio, portanto, exige coordenação quase cirúrgica entre Itamaraty, Ministério da Fazenda e o setor privado, além de mensagens bem coreografadas ao Congresso dos Estados Unidos.

A guerra tarifária de Trump transformou‑se, na prática, em um reality show de política comercial. Quem aceita entrar no enredo com bravatas corre o risco de virar antagonista de temporada, sujeito a enredos imprevisíveis. Quem prefere atuar nos bastidores, armando‑se de dados, alianças parlamentares e concessões temáticas, tende a ver a ameaça convertida em adiamentos sucessivos até o assunto desaparecer da pauta diária da Casa Branca. O México mostrou o caminho. Resta saber se Brasília terá disciplina e frieza para percorrê‑lo.

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