Mas quando estava a uma assinatura de tirar os planos da casa própria do papel, sentiu o baque: “Quando sentei na mesa da construtora, o valor final estava muito acima do que eu havia simulado em janeiro deste ano, e ainda teria que financiar com juros na casa dos 15% ao ano. Com os números desse jeito, o sonho virou um risco alto demais”, desabafa.
O crédito imobiliário sofre influência direta das expectativas do mercado em relação aos juros de longo prazo. Assim, com a Selic em patamar elevado e a perspectiva de alívio apenas em 2026, as taxas de financiamento seguem pressionadas, o que reduz o poder de compra e adia a decisão de muitos interessados em adquirir um imóvel.
Na prática, os contratos de financiamento continuam caros, especialmente no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), usado por boa parte da classe média. Quanto mais alto o juro, maior o valor final pago para o banco ao longo dos anos.
Além disso, compradores de imóveis na planta enfrentam outra pressão: a correção mensal do saldo devedor pelo Índice Nacional de Custo da Construção (INCC). Embora não tenha relação direta com a Selic, o índice tem acumulado altas devido à inflação persistente no setor da construção civil. O resultado é que, mesmo antes de financiar, o valor do imóvel já sobe consideravelmente entre a assinatura do contrato e a entrega das chaves — o que pegou Cortez de surpresa.
Outro fator que encarece o financiamento imobiliário vem da forma como os bancos antecipam cenários, embutindo nos contratos o chamado risco de crédito e de mercado – neste caso, a percepção de que os juros permanecerão altos por mais tempo.
Mesmo antes de decisões formais do Banco Central (BC) sobre a Selic, as instituições financeiras ajustam suas taxas, o que eleva o custo do empréstimo tanto para quem vai comprar um imóvel quanto para as construtoras que precisam de capital para erguer novos projetos.
Segundo especialistas, a origem dos recursos também influencia no valor final pago pelo consumidor. No caso do crédito voltado à classe média, os financiamentos muitas vezes são lastreados na poupança, cuja remuneração está vinculada à Taxa Referencial (TR). Quando a demanda supera o limite permitido por lei para uso desses recursos, os bancos precisam buscar dinheiro no mercado a taxas mais altas, diferença repassada ao mutuário.
Já os financiamentos com subsídio do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), como os do Minha Casa Minha Vida, costumam ter juros mais baixos e estáveis, mas se concentram em faixas de renda menores.
Medidas para aquecer o setor
A Caixa Econômica Federal, principal banco responsável pelos financiamentos imobiliários no Brasil, estima encerrar 2025 com R$ 250 bilhões em contratações de crédito habitacional, sendo mais da metade concentrada no segundo semestre.
O presidente da instituição, Carlos Vieira, já mencionou publicamente que atribui parte desse avanço ao novo pacote habitacional que o governo deve lançar entre agosto e setembro, com foco também em linhas de crédito para reforma de imóveis. A proposta prevê prazos mais longos, de até oito anos, e juros mais acessíveis, viabilizados pelos mesmos recursos utilizados no financiamento imobiliário tradicional.
A ideia é fortalecer o SBPE, trazendo mais previsibilidade para o setor e sustentando um crescimento anual de até R$ 80 bilhões em crédito habitacional nos próximos anos. Para Ruam Oliveira, especialista em investimentos e planejador financeiro, o pacote pode aliviar a pressão sobre o SBPE, que vem registrando captação líquida negativa. “No entanto, a Selic em patamar elevado ainda é um obstáculo relevante. O pacote tende a gerar impacto positivo, mas a política monetária pode limitar sua efetividade”, analisa.
Outra medida que entrou em vigor em 5 de maio e pode ajudar tanto o setor como os consumidores é a ampliação do Minha Casa, Minha Vida para a classe média, com o início da oferta da Faixa 4 pela Caixa Econômica Federal. Destinada a famílias com renda mensal de até R$ 12 mil, a nova modalidade permite o financiamento de imóveis de até R$ 500 mil, com juros nominais de 10% ao ano e prazo de até 35 anos. A operação é possível graças à regulamentação do uso de fontes alternativas de recursos, como lucros do FGTS, poupança e Letras de Crédito Imobiliário (LCI).
Com cerca de 70% do mercado de crédito habitacional, a Caixa também atualizou as condições das demais faixas do programa, com destaque para a Faixa 3, que agora financia imóveis de até R$ 350 mil para famílias com renda entre R$ 4.700 e R$ 8.600, com juros de 8,16% ao ano mais TR, ou 7,66% ao ano para cotistas do FGTS. Famílias das faixas inferiores podem migrar para essa categoria, mas perdem o direito aos subsídios.
Segundo Antonio Pavesi, economista e especialista em investimentos, a nova faixa tem potencial para aquecer o mercado imobiliário, especialmente entre famílias de classe média com demanda reprimida por moradia. Mas o aumento esperado nos lançamentos, diz ele, pode pressionar os preços dos imóveis, além de elevar a demanda por mão de obra e insumos da construção civil.
“Esse movimento pode gerar uma distorção no mercado, uma espécie de bolha especulativa localizada, que tende a se ajustar no futuro, especialmente se houver aumento da inadimplência ou queda no ritmo da demanda”, observa.
Construtoras começam a sentir o impacto
Apesar do esforço do governo e da Caixa para estimular a demanda, a resposta do mercado ainda é tímida, especialmente entre consumidores de médio padrão. A Eztec, uma das maiores incorporadoras de capital aberto do País, registrou um aumento de 87% nos cancelamentos no segundo trimestre deste ano, mesmo após um crescimento de 29% nas vendas em relação ao trimestre anterior.
Segundo relatório do Goldman Sachs, os imóveis de classe média representaram apenas 26% das vendas brutas no período, o que pode sinalizar um público mais impactado pela combinação de juros altos e correção do INCC. Além disso, o estoque da empresa segue elevado, com R$ 2,7 bilhões em imóveis encalhados, o equivalente a 18 meses de vendas, o que evidencia uma oferta ainda forte diante de uma demanda contida.
Na MRV, os dados também revelam um cenário ainda pressionado, especialmente pela burocracia e lentidão nos repasses dos programas habitacionais regionais. As vendas líquidas da companhia somaram R$ 2,7 bilhões no segundo trimestre, alta de 6% na comparação anual, mas ficaram 7% abaixo das estimativas do Santander. Segundo o banco, R$ 310 milhões em unidades vendidas não foram transferidas dentro do trimestre devido a entraves nos programas locais, o que afetou o desempenho da pré-venda.
Ajustado por esse efeito, o volume poderia ter alcançado R$ 3 bilhões, superando a projeção em 4%. A dificuldade nos repasses também afetou o caixa da incorporadora. A MRV reportou queima operacional de R$ 104 milhões entre abril e junho, embora esse número caia para uma geração de R$ 41 milhões quando excluídos os atrasos nos programas, mudanças nas regras de pagamento da Caixa Econômica Federal e encargos de dívidas externas.
Imóveis: comprar agora ou deixar para depois?
Pavesi e Oliveira recomendam cautela: aguardar até 2026, quando a Selic deve efetivamente cair, é a estratégia mais prudente para quem planeja comprar imóvel financiado. No entanto, com a redução da taxa básica de juros, os financiamentos tendem a ficar mais acessíveis, aquecendo o mercado e, consequentemente, elevando os preços dos imóveis devido à dinâmica entre oferta e demanda. O desafio, portanto, está em identificar o momento ideal para aproveitar a queda inicial dos juros, antes que essa mudança se reflita integralmente no valor dos imóveis.
“O segredo está em encontrar o ponto de equilíbrio: aproveitar o início da trajetória de queda dos juros enquanto os imóveis ainda não refletiram essa mudança nos preços. Portanto, o momento mais propício para encontrar boas oportunidades e negociar financiamentos com taxas menores que as atuais pode estar entre a primeira e a segunda queda da Selic”, projeta Pavesi.
Heitor Kuser, especialista em mercado imobiliário e CEO do Cimi360, diz que comprar imóveis pode ser vantajoso mesmo com juros elevados, especialmente diante da expectativa de que as taxas devem cair no futuro próximo. “A grande vantagem para o comprador é que temos a portabilidade de financiamento, ou seja, quando os juros baixarem, ele pode mudar de banco e se beneficiar das novas taxas”, explica.
Mas, segundo ele, quem decidir comprar precisa ter atenção. “É preciso pesquisar e negociar com as entidades de crédito, checar os contratos e as taxas embutidas e ficar atento a qualquer mudança nas regras e se for o caso usar a prerrogativa da portabilidade”, ressalta.