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Contrato de sexo: quando o consentimento vai para o papel

Acordos pré-sexuais ganham espaço entre celebridades, mas levantam debates éticos e jurídicos no Brasil

Contratos sexuais levantam debates éticos e técnicos sobre privacidade, liberdade sexual e limites contratuais (Foto: Adobe Stock)
Contratos sexuais levantam debates éticos e técnicos sobre privacidade, liberdade sexual e limites contratuais (Foto: Adobe Stock)

Você já ouviu falar em “sex agreements” — ou, em tradução livre, contratos de sexo? Não, não é roteiro de filme picante nem enredo de série da Netflix. Mas quem assistiu “50 Tons de Cinza” não estranhará.

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A ideia não é apenas o consentimento mútuo, mas uma blindagem jurídica: famosos, bilionários, atletas, políticos e até influenciadores digitais, temendo consequências jurídicas e reputacionais, recorrem a contratos para registrar consentimento, cláusulas de confidencialidade e condições para relações sexuais. O objetivo? Se proteger de alegações futuras — como exposição indevida, violência sexual ou quebra de privacidade.

Na prática, esses contratos aparecem em países como EUA e Reino Unido, onde acordos privados podem envolver quase qualquer tema, desde que não contrariem a ordem pública. Mas o que cabe nesse tipo de contrato? Ele teria validade no Brasil? Quais são os limites jurídicos e éticos de formalizar, por escrito, algo que deveria ser espontâneo, como uma relação íntima?

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Aqui, o assunto ainda é um tabu jurídico.

O que é um contrato de sexo?

Na prática, é um acordo prévio entre adultos que define: consentimento para manter relações sexuais, práticas permitidas e limites individuais, deveres de confidencialidade (non-disclosure agreements), e condições específicas (como uso de preservativos, ausência de substâncias psicoativas ou realização de exames de saúde).

A motivação não é apenas patrimonial, mas preventiva: evitar alegações futuras de abuso, proteger a imagem pública e estabelecer parâmetros de segurança para ambas as partes.

O contrato substitui o consentimento? E a legislação brasileira?

Hoje, não há previsão legal específica no Brasil. Qualquer tentativa de criar contratos desse tipo pode esbarrar em limites constitucionais como a dignidade da pessoa humana, a irrenunciabilidade de certos direitos e a impossibilidade de “precontratar” condutas sexuais.

O consentimento sexual deve ser livre, espontâneo e revogável a qualquer momento. Nem mesmo um contrato pode engessar isso. A relação sexual envolve direitos não patrimoniais: dignidade, liberdade, integridade física e psíquica. Assim, mesmo com cláusulas prévias, qualquer ato realizado sem a vontade efetiva do outro continua sendo crime.

Ou seja, mesmo que as partes estabeleçam determinadas condições previamente, isso não impede que alguém mude de ideia antes ou durante o ato. Qualquer violação de limites pode ser juridicamente relevante, com possibilidade de denúncia por violência, coação ou abuso — independentemente do que estiver escrito.

Cláusulas de confidencialidade são válidas?

No Brasil, acordos de confidencialidade têm validade, mas com limites. Eles podem proteger a privacidade e restringir a divulgação pública de detalhes íntimos.

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Contudo, não podem impedir denúncias de crimes. Qualquer cláusula que tente “calar” uma vítima seria considerada nula, por ferir princípios de ordem pública. Além disso, devem respeitar direitos fundamentais como dignidade, liberdade e intimidade.

Quando e como formalizar?

Embora não haja regulamentação específica no Brasil, alguns cuidados mínimos seriam recomendáveis para qualquer tentativa de formalização:

  • Momento: antes da relação, com plena consciência e sem pressões externas (álcool, drogas ou coação emocional). Em relações contínuas, pode ser feito durante a constância do vínculo.
  • Forma: preferencialmente por escrito, com clareza nos termos. Aplicativos com assinatura digital ou QR Code podem surgir, mas acordos verbais têm pouca força jurídica.
  • Conteúdo: cláusulas de consentimento, revogação a qualquer momento, sigilo e respeito a limites.
  • Assinaturas: ambas as partes devem assinar, demonstrando consciência e capacidade jurídica.

Tópicos essenciais a considerar

Um modelo técnico (não oficial) pode conter:

  • Identificação das partes;
  • Declaração de consentimento mútuo e livre;
  • Direito de revogação a qualquer momento;
  • Cláusulas de confidencialidade, sem restringir denúncias legais;
  • Lista de práticas permitidas e limites;
  • Previsão de que violações podem gerar responsabilização conforme a lei.

Riscos e limites jurídicos

Mesmo com um contrato, não há blindagem absoluta. No Brasil, direitos existenciais como liberdade sexual e integridade física não podem ser renunciados antecipadamente. Nenhum contrato pode “anular” a aplicação da lei penal.

Além disso, há o componente ético: esses contratos podem expor desequilíbrios de poder entre as partes — por exemplo, uma pessoa famosa e assistida por advogados frente a alguém comum que esperava apenas um envolvimento afetivo.

Por que discutir isso agora?

Porque vivemos em uma era em que privacidade e reputação valem muito — e estão sob constante ameaça, especialmente no ambiente digital. Ao mesmo tempo, é preciso lembrar: nem tudo pode ou deve ser objeto de contrato.

Quando transformamos relações íntimas em negócios jurídicos, reduzimos a complexidade humana a cláusulas que muitas vezes não dão conta das emoções, do corpo e da subjetividade envolvidos.

Talvez a maior lição seja: na esfera íntima, nem tudo cabe no contrato. O direito pode (e deve) proteger consentimento e privacidade — mas não pode regular relações humanas como se fossem transações comerciais.

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Por ora, no Brasil, os contratos de sexo são uma excentricidade estrangeira. Mas é ingenuidade achar que o debate não vai chegar por aqui. Talvez antes do que imaginamos — e será preciso tratá-lo com rigor técnico, sensibilidade e sem sensacionalismo.

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