Projetos têm buscado levar educação financeira ao público 60+. Foto: Adobe Stock
A mais recente edição do Mapa de Inadimplência e Negociações de Dívidas no Brasil da Serasa aponta que 77,8 milhões de brasileiros estão inadimplentes. Entre eles, quase um em cada cinco (19,1%) tem mais de 60 anos. Para atender esse público, iniciativas de educação financeira vêm sendo criadas, reforçando a ideia de que nunca é tarde para aprender a lidar melhor com o dinheiro.
Neste mês, o Instituto Marina e Flávio Guimarães (IMFG), ligado ao Banco BMG, lançou a primeira edição da revista “Bemi 60+ – Um pouco de luz”. Quem conduz a narrativa do material é o esquilo Bemi, inspirado no cofrinho do BMG da década de 1970. O personagem apresenta, de forma simples, conceitos de educação financeira, enquanto ajuda os idosos Seu João e Dona Maria, a enfrentarem as dificuldades para pagar suas contas. Ao final do livro, também é possível encontrar passatempos, como caça-palavras e jogo dos sete erros.
O conteúdo pode ser encontrado em versões físicas nas agências do BMG e nos projetos sociais apoiados pelo IMFG. Também é possível baixar a revista de forma digital por meio deste link. O material está disponível para qualquer usuário, não sendo necessário ter conta na instituição para acessá-lo.
A ideia da iniciativa surgiu de sugestões dos leitores que já acompanhavam os materiais desenvolvidos aos mais jovens. “O público principal do BMG é o grupo 50+. Também levamos isso em consideração ao pensar no projeto. Acreditamos que faria todo o sentido desenvolvermos um trabalho específico para essas pessoas”, diz Rosana Aguiar, superintendente de ESG do banco e diretora-executiva do IFMG.
Entre as leitoras da revista está a aposentada Maristela Nolasco, de 64 anos, que mantém o material sempre à mão, ao lado do sofá de casa, para retomar a leitura quando quiser. Ela conta ter se identificado com os personagens, ao perceber que já coloca em prática algumas das orientações de Bemi. Outras, porém, ainda precisam ser aprendidas. “O livro traz dicas de como conquistar uma renda extra. Isso me tirou do comodismo e me deu ânimo para seguir o exemplo da Dona Maria e do Seu João”, afirma.
Cooperativas de crédito também têm desenvolvido projetos de orientação ao público 60+. Eduardo Souza Trigueiro, educador financeiro do Sicoob, nota um aumento da demanda por palestras para aposentados e pensionistas, com um interesse maior por dicas para lidar com dinheiro nessa fase da vida e não cair em golpes.
“Ouvimos casos de parentes que pedem para o idoso fazer um determinado empréstimo em seu nome, por ter maior facilidade de acesso ao crédito. Se o parente posteriormente não conseguir arcar com essa despesa, essa responsabilidade fica com o idoso, que pode se prejudicar”, afirma.
Segundo Trigueiro, o Sicoob procura fornecer orientações do que fazer nesses casos. A cooperativa também atua do lado do empreendedorismo, promovendo apresentações sobre alternativas de renda extra para complementar a aposentadoria.
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Para quem chegou aos 60 sem nunca ter feito um planejamento, existem ainda as Clínicas Financeiras da instituição, que trazem orientações individualizadas e de forma gratuita. Eurípedes Silvério Paes, de 65 anos, já foi atendido pela iniciativa. “Antes, eu não tinha organização financeira, fazia tudo de qualquer jeito. A clínica me ajudou a organizar as contas e não ir além do orçamento”, diz.
O Sicredi, por sua vez, conta com materiais de educação financeira em seu site, incluindo trilhas de cursos, e-books e ferramentas que podem ser baixadas por qualquer usuário, como a “Faxina Financeira” – tabela para mapear gastos que podem ser reduzidos – e o “360 da Vida Financeira”, que permite a listagem de ganhos, despesas, reservas e dívidas do consumidor.
Dicas financeiras pensadas para quem já chegou aos 60
A recomendação inicial é realizar um mapeamento de toda receita que ainda entra no bolso do idoso, como salário, aposentadoria, pensão e renda de investimentos, além de eventuais valores pagos por familiares.
Com os números em mãos, chega a hora de identificar as despesas variáveis e as sazonais. Essas últimas representam gastos que se repetem em determinado período do ano, como os impostos anuais. “Também vale colocar no papel ou na planilha digital todas as despesas fixas com moradia, contas de consumo, alimentação, medicamentos, saúde e transporte”, afirma Cristiane Amaral, gerente de educação financeira da Fundação Sicredi.
O planejamento financeiro do idoso demanda alguns pontos de atenção que podem não ter tanto impacto para outras faixas etárias. Um dos principais está ligado ao padrão de vida, já que, após a aposentadoria, a renda costuma ser menor do que no período de atividade profissional.
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Outro fator são os gastos mais altos com saúde. “Isso não é regra, mas sabemos que, muitas vezes, idosos enfrentam despesas maiores com medicamentos e até com tratamentos preventivos. Há uma necessidade de considerar isso também no planejamento financeiro”, destaca Trigueiro, do Sicoob.
Existe até um indicador de inflação específico para esse público. O Índice de Preços ao Consumidor da Terceira Idade (IPC-3i), medido pelo FGV Ibre, calcula a variação da cesta de consumo de famílias majoritariamente compostas por indivíduos com mais de 60 anos. Os dados mais recentes mostram que o indicador acumula alta de 4,4% nos últimos 12 meses.
Trigueiro pontua que, nessa fase da vida, outro tipo de preocupação é ajudar pessoas próximas, como filhos e netos. “O idoso não precisa deixar de auxiliar, mas deve ser um apoio consciente para que a própria pessoa que está ajudando não passe por necessidade”, diz.
Para Amaral, do Sicredi, é fundamental redobrar a atenção com as dívidas já assumidas. A especialista recomenda que o idoso faça uma lista com todos os compromissos financeiros para verificar se há capacidade de pagamento.
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Quando se trata de investimentos, a orientação de diversificar a carteira também vale para o público 60+. Antes de escolher os ativos financeiros para aportar, a recomendação é verificar os objetivos e o perfil do investidor.
Opções mais seguras funcionam para quem já tem idade mais avançada e não está disposto a correr grandes riscos. “No geral, títulos do Tesouro Direto costumam trazer uma liquidez que o idoso talvez entenda como necessária justamente para as situações emergenciais”, destaca Trigueiro.
Os direitos dos 60+
Como mostramos nesta reportagem, além dos benefícios mais populares, como filas preferenciais ou gratuidade no transporte, existem outros direitos que podem fazer diferença no orçamento e na qualidade de vida de quem tem mais de 60 anos de idade.
No campo financeiro, uma das vantagens envolve o Imposto de Renda (IR). A partir do mês em que completam 65 anos de idade, os idosos passam a ter direito a uma parcela isenta mensal em seus rendimentos de aposentadoria, pensão, reserva remunerada ou reforma, pagos pela Previdência Social da União, Estados, Distrito Federal e municípios. Essa parcela extra de isenção é de até R$ 1.903,98 por mês.
Washington Barbosa, especialista em Direito Previdenciário e CEO da WB Cursos, explica que os idosos também contam com prioridade na tramitação de processos, tanto administrativos, quanto judiciais. “Na petição inicial, ele pode e deve pedir preferência para o andamento do caso”, diz.
E o planejamento sucessório?
Para evitar conflitos envolvendo herança e bens, o ideal é pensar no planejamento sucessório com antecedência. Patricia Valle Razuk, sócia do PHR Advogados e especialista em Direito de Família e Sucessões, afirma que, entre os instrumentos possíveis, estão o testamento e a doação com reserva de usufruto, que funciona como uma antecipação da herança: o bem é transferido à pessoa escolhida, mas o doador mantém o direito de uso.
“Quando falamos em planejamento sucessório, já vem toda aquela ideia de holding e de sucessão empresarial. Mas existem alternativas mais simples, que não dispensam a necessidade de consultar um advogado para se organizar financeiramente nessa fase da vida”, reforça a advogada.
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Além disso, é importante estar atento ao ambiente familiar: em casos de golpes financeiros cometidos por parentes, a pessoa 60+ também possui meios legais de proteção. “Procurar um advogado para buscar a reparação de danos é um caminho recomendado”, afirma Razuk.