“O mercado está precificando um prêmio de risco baixo demais no Brasil”, diz Janus Henderson
Thomas Haugaard, gerente de portfólio, vê a nota de crédito do País mais alta do que deveria e eleições como fator determinante para precificação de ativos
Para Thomas Haugaard, prêmio de risco no Brasil está apertado em relação a emergentes, como Colômbia (ivulgação/Janus Henderson Investors)
As rusgas entre o Brasil e os EUA tomaram o noticiário local nas últimas semanas. Em um movimento inesperado, o presidente americano Donald Trump não só impôs tarifas sobre uma série de produtos brasileiros, ainda que sem justificativa comercial, como iniciou uma campanha pela anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro – processado por tentativa de golpe de Estado.
Apesar do desafeto crescente e a falta de acordo nas negociações, esse tipo de tensão não deve afastar os investidores estrangeiros do Brasil. O que deve estar no radar do mercado, na verdade, é o impacto dessas movimentações na corrida eleitoral de 2026.
Thomas Haugaard é gerente de portfólio do time de investimento em dívida em moeda forte de mercados emergentes da Janus Henderson, gestora global que até o final de junho tinha US$ 457 bilhões em ativos sob gestão. Para ele, o avanço de Trump sobre o Brasil fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltar ao jogo da corrida presidencial, a contragosto dos investidores locais, que preferem uma figura mais pró-mercado no Executivo. Caso do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, por exemplo.
“Foi por isso que os ativos brasileiros tiveram uma queda quando as tarifas foram anunciadas. Tudo está conectado à eleição, não acredito que tenha sido pelas tarifas em si”, diz Haugaard. O especialista vê ainda a nota de crédito do País como pouco superior ao que deveria, enquanto o prêmio de risco está muito pequeno em comparação a outros emergentes, como Colômbia.
“Temos um sistema interno no qual tentamos prever para onde a classificação de risco do País vai caminhar e a trajetória desse rating será muito influenciada por quem vencer a próxima eleição. É justamente isso que deve gerar as grandes oscilações nos ativos brasileiros”, afirma.
E-Investidor – Como os investidores estrangeiros estão vendo a posição do Brasil em relação aos EUA no contexto das tarifas e conflitos políticos?
Thomas Haugaard – Essas tensões não são um fator determinante (para o investimento no Brasil). Elas adicionam um pouco de risco para o investidor estrangeiro, mas não tanto pelo impacto fundamental das tarifas, que acredito serem administráveis. O que está muito claro é que a administração Trump está motivada por razões políticas. A percepção é de que o ex-presidente Jair Bolsonaro e os apoiadores dele estão muito ativos nos EUA, colocando bastante pressão do lado americano para exercer uma influência política que poderia potencialmente ajudar Bolsonaro no Brasil. Esse é um problema, porque uma das principais forças do Brasil é o Judiciário independente. O que os EUA estão pedindo é algo que, na minha visão, nenhum país deveria ou poderia dar, pois envolve um processo independente no sistema judicial.
Então qual a principal preocupação atual do investidor estrangeiro em relação ao Brasil?
A situação fiscal um tanto frágil do Brasil. É só lembrarmos o que aconteceu em dezembro do ano passado, quando o presidente Lula quis conceder algumas isenções enquanto o mercado aguardava um pacote de corte de gastos. Na época, ocorreu uma venda muito rápida dos títulos brasileiros em moeda forte, houve uma desancoragem do câmbio e o real sofreu uma grande desvalorização. Faço isso há 12 anos e nunca tinha visto um crédito tão sólido como o Brasil sofrer tanto em apenas um mês. Foi uma liquidação histórica. Essa é a maior preocupação. Não o comércio em si, mas o risco de que manchetes negativas possam levar alguns investidores a pensar: “será que podemos ver algo como dezembro novamente?”.
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Como as eleições afetam essas perspectivas para o mercado brasileiro?
Essa é a melhor pergunta a se fazer, porque penso que as implicações políticas dessa guerra comercial e a motivação dos EUA em tentar “colocar o dedo na balança” para ajudar Bolsonaro estão, na prática, gerando uma dinâmica oposta, o que considero problemático. Há pouco tempo, o presidente Lula não estava tão popular, as taxas de aprovação dele estavam caindo e o mercado já começava a esperar uma mudança de regime na próxima eleição, para alguém mais de centro, como Tarcísio. Essa perspectiva ajudou os mercados e ancorou os ativos brasileiros. Se você dissesse hoje ao mercado que Tarcísio venceria, veríamos um grande rali em todos os ativos, mesmo que os desafios fiscais permanecessem sob a nova administração. O que vimos desde que essa tarifa foi introduzida é que Lula vem ganhando popularidade. Trump está criando um inimigo externo comum que os brasileiros conseguem identificar, o que favorece Lula. Ele está ganhando espaço, e penso que a probabilidade de ele ser competitivo aumenta.
Na sua visão, essa situação já está sendo incorporada no preço dos ativos?
Provavelmente foi por isso que os ativos brasileiros tiveram uma queda quando as tarifas foram anunciadas. Tudo está conectado à eleição, não acredito que tenha sido pelas tarifas em si. Se você olhar para o mundo, a administração americana está impondo tarifas em vários lugares, com diversas exceções, algumas temporárias, outras são canceladas depois de anunciadas. Logo, os mercados se tornaram menos reativos a notícias de tarifas. Desde dezembro, os ativos brasileiros se recuperaram bastante porque os investidores começaram a enxergar que Lula não estava tão popular, e imaginaram que talvez no ano seguinte houvesse uma nova administração, mais pró-mercado. Essa era a especulação. Mas, quando vieram as tarifas, Lula acabou recebendo uma carta mais favorável na mão e, basicamente, voltou ao jogo.
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Em termos de apetite do investidor estrangeiro, como o Brasil está posicionado em relação a outros emergentes?
O Brasil parece relativamente forte pelo fato de ser uma economia muito diversificada, relativamente fechada e com bem menos exposição aos EUA do que a maioria dos outros países. O problema, para nós, é que o Brasil está negociando com prêmios de risco muito apertados. Ou seja, você não tem muita compensação de risco para investir no Brasil em comparação, por exemplo, com a Colômbia.
Claro, também são situações diferentes. Na Colômbia, também teremos eleições e possibilidade de mudança de regime, mas há uma situação fiscal muito mais desafiadora agora, o que fez os spreads se abrirem bastante. Acreditamos que o mercado está precificando um prêmio de risco baixo demais no Brasil. Por isso, tendemos a ter menos posição em Brasil na situação atual.
O que deve influenciar esse prêmio de risco?
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Acredito que as eleições terão implicações significativas para a trajetória de longo prazo do Brasil. Hoje, vemos o rating de crédito do país como um pouco melhor do que deveria. Por isso, temos uma visão menos construtiva em relação à nota de crédito brasileira. Temos um sistema interno no qual tentamos prever para onde a classificação de risco vai caminhar e a trajetória desse rating será muito influenciada por quem vencer a próxima eleição. É justamente isso que deve gerar as grandes oscilações nos ativos brasileiros.